Vinho brasileiro é bom?

Vinho nacional melhorou, mas custo-benefício é problema, diz CEO da dona do Evino

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação e Arte/UOL
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Alexandre Bratt, CEO da Víssimo Group, holding formada por Evino e a Grand Cru, diz em entrevista exclusiva na série UOL Líderes que ainda há um problema em relação ao custo-benefício do vinho brasileiro, salvo para os espumantes. "Se eu tenho que gastar R$ 100 em um vinho nacional ou em um vinho importado, haverá diferença de qualidade", afirmou.

O custo do vinho no Brasil continua alto, diz o chefe da holding, por conta do aumento do câmbio, do alto custo das matérias-primas, do frete internacional, além do dissídio trabalhista e o reajuste de aluguéis. Bratt afirma que em 2022 continuará havendo falta de garrafas de vidro no mundo, e uma das alternativas para o Brasil serão as garrafas pet, já aprovadas em alguns países da Europa.

Ele fala também da preferência dos brasileiros por vinhos mais doces, da experiência de degustação dos vinhos em lata e do crescimento do clube de vinhos, com trocas mais flexíveis.

"Mercado de vinhos no Brasil ainda é incipiente"

Ouça a íntegra da entrevista com Alexandre Bratt, CEO da Víssimo Group, holding formada pela Evino e a Grand Cru, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Vinho nacional: mercado crescente

UOL - Quais foram as principais mudanças do mercado de vinho nos últimos anos?

Alexandre Bratt - O mercado de vinhos no Brasil ainda é muito incipiente. Consumimos menos de 3 litros per capita no Brasil. Se comparamos a qualquer país que tenha alguma cultura de vinho, estamos muito aquém. O brasileiro consome menos de uma taça por mês e é muito focado em vinhos nacionais.

Mas é um mercado que vem crescendo, vem se sofisticando. O vinho nacional tem conquistado grande destaque internacional. Atualmente, há espumantes incríveis no Brasil e com renome internacional, e começamos a produzir vinhos tintos e brancos também renomados no exterior.

Há um problema de custo-benefício para o vinho brasileiro, salvo para os espumantes. Se eu tenho que gastar R$ 100 em um vinho nacional ou em um vinho importado, haverá diferença de qualidade.

Impulsionado pela pandemia, o relacionamento do brasileiro com o vinho mudou. Nos últimos anos, tivemos o ingresso de cerca de 3 milhões de novos bebedores.

Por que o vinho nacional não é tão valorizado internamente? Onde está o gargalo da nossa indústria?

Ainda estamos evoluindo em termos de qualidade, temos vinícolas muito boas, mas não é a média do mercado. Não dá para comparar um vinho brasileiro com um vinho argentino ou chileno, salvo algumas exceções. O custo do vinho brasileiro também é alto, se compararmos a outros países, até por uma questão de escala.

A Víssimo Group, holding entre Evino e Grand Cru, é assim:

  • Fundação

    2022 (holding), 2013 (Evino) e 1998 (Grand Cru)

  • Funcionários

    600

  • Franquias

    400

  • Unidades

    127 lojas Grand Cru

  • Previsão de vendas (2022)

    Entre 15 e 20 milhões de garrafas

  • Faturamento (2021)

    R$ 660 milhões

  • Faturamento previsto (2022)

    R$ 800 milhões

  • Porcentagem de mercado dominada pela empresa (Brasil)

    10% do mercado total de vinhos importados

  • Principais concorrentes

    Supermercados e importadores (Wine, Mistral, WorldWine e Interfood)

Câmbio alto, preço caro

UOL - Por que o vinho é tão caro no Brasil?

Alexandre Bratt - A resposta mais óbvia é o câmbio. Saímos de anos de câmbio crescente, e isso atrapalha muito. Se eu compro um vinho a US$ 1, automaticamente ele já custa cerca de R$ 5. Depois há os fretes internacionais, impostos de importação, ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. São muitos fatores que fazem o vinho aumentar de preço.

Em 2022, especificamente, estamos tendo uma inflação de custos grande, com as embalagens, a falta de garrafa de vidro no mundo, papelão, o frete internacional, que triplicou de valor, além do aumento do dissídio para as nossas categorias e do IGP-M [Índice Geral de Preços - Mercado] para aluguel de lojas.

Além dessas questões, acompanhamos o que aconteceu na região de Bordeaux este ano com geada inesperada e fora do padrão, que acabou em algumas regiões com 80% do cultivo de uva.

Diante dessas dificuldades, qual é a avaliação para 2022?

O Brasil e o brasileiro são super resilientes, não falta jogo de cintura, mas uma desaceleração da economia em um produto supérfluo tem impacto grande, e o que vemos é uma desaceleração. Um ano eleitoral sempre é mais complexo para fazer negócio, os investimentos estrangeiros caem. O momento do Brasil traz impactos.

Do ponto de vista do empresariado, não podemos passar as ineficiências do cenário macroeconômico para o meu consumidor.

Apesar disso, vemos um ano bom e de crescimento para a nossa empresa. Estimamos crescer por volta de 30% de 2021 para 2022.

De olho nos supermercados

UOL - Quais as estratégias da holding para enfrentar essa concorrência?

Alexandre Bratt - Cerca de 80% dos vinhos importados são vendidos em supermercados. É um número alto. Nem Evino nem Grand Cru têm um histórico forte de relacionamento com supermercados. Não fazia parte da estratégia das empresas.

Mas, com a pandemia, essa estratégia mudou. Os canais um pouco mais frios de relacionamento foram as alternativas para crescer. Em 2020, a Grand Cru criou um braço para supermercados e começou a investir. No ano passado, crescemos 300% nesse braço sobre o que tínhamos crescido em 2020, e a Evino também começou nesse canal.

Aumentando essa relação com os supermercados, como ficam as plataformas de vendas em site e franqueados?

Esse conflito de preços é sempre estressado, mas acredito que gerenciamos muito bem dentro do nosso ecossistema. Um dos pontos de ruído são os supermercados. Apesar de termos bastante controle, com robôs que monitoram preços de uma forma contínua, uma vez ou outra escapa e estressa toda a rede.

Hoje, pelo tamanho da nossa empresa, conseguimos negociar de forma a controlar melhor as ações promocionais dos supermercados. Não fazíamos isso antes porque não tínhamos condições de controlar o preço.

O que fazemos, cada vez mais, é ter portfólios diferentes. Na loja, preciso ter um sortimento entre 500 e 600 rótulos, mas para o supermercado vendemos entre 20 e 40 rótulos.

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Quanto mais doce, melhor

UOL - O que o brasileiro leva em conta na hora de escolher um vinho, além do preço?

Alexandre Bratt - O gosto. De uma maneira geral, o gosto do brasileiro pede coisas mais doces. Vemos isso na cerveja, que tem 45% de milho, fazendo com que ela seja mais doce. O vinho de mesa brasileiro, que é o que mais vende, é um vinho adocicado.

Mas o brasileiro está mudando o paladar. É como o café. As pessoas falam que se você gosta de café, toma sem açúcar ou adoçante. O Brasil não tem uma cultura de beber vinho. Estamos aprendendo e evoluindo.

Como aumentar o consumo de vinho?

O vinho, por alguns fatores, demora para entrar no dia a dia das pessoas. O preço é um fator importante. Se você quer entrar no mercado de vinhos, irá começar tomando um vinho de R$ 20 ou R$ 40. Mas na nossa cultura cervejeira, a latinha de cerveja custa R$ 2,50.

Na Europa, encontramos uma garrafa de um vinho bom por 2 euros e uma cerveja por 1 euro. Lá é o dobro, aqui, dez vezes mais.

Como funcionam a escolha e o controle de qualidade?

Em termos de qualidade de produto, controlamos os nossos produtos por lote. Muitas vezes, por falta de conhecimento, o cliente reclama que o vinho está estragado. Há vinhos de 1987 que têm algumas características diferentes de um vinho de 2019, por exemplo.

Para controlar melhor, começamos a colocar termômetros digitais nas cargas para prever variações de temperatura, mas não é um produto que estraga fácil ou faça mal, mesmo que não esteja com sabor bom.

Direto na lata

UOL - Vinho em lata de alumínio é bom e tem qualidade?

Alexandre Bratt - Lata funciona muito bem para quem quer essa experiência. Não é para ser um vinho fino nem sofisticado. É um vinho prático, para levar para a praia, no cooler, para a piscina. É mais doce, gaseificado, feito para tomar na lata.

O vinho em lata foi feito para ser tomado na lata. No vinho em taça, 70% do sabor vem do olfato. Na lata, você só tem o paladar, por isso, é mais doce e gaseificado.

Para fazer uma degustação de vinho em lata tem que ser na lata. É uma experiência diferente, quase uma outra categoria dentro do vinho.

Como está a questão da escassez das garrafas de vinho?

A escassez não será resolvida a curto prazo. Em 2021, tivemos até incidentes com fábrica de vidros na Argentina. Estamos vendo um cenário em que vai faltar garrafa de forma contínua. Desta forma, acredito que as embalagens alternativas vão funcionar muito bem. Na Europa já há muito vinho em garrafa pet, mas no Brasil é proibido ter bebida alcoólica em garrafa pet, mas é um caminho para o qual podemos evoluir.

Outro caminho são os vinhos em caixa com até 5 litros, que podem ser deixados na geladeira por um mês e funcionam bem. Existem vinhos muito bons em caixa na Europa. No Brasil, ainda há preconceito sobre isso. Mas para restaurantes ou para a sua casa, para todo dia tomar uma taça, não faz sentido todo dia ficar abrindo uma garrafa.

Clube do vinho: mais flexibilidade

UOL - Os clubes de vinho da Grand Cru são famosos. Como ficou a situação com a fusão das empresas?

Alexandre Bratt - Por enquanto, não mudamos em nada os clubes. Devemos, sim, fazer uma movimentação para que eles estejam mais próximos, aumentando a amplitude de ofertas. Atualmente, temos um modelo muito vencedor, que é uma assinatura flexível: você assina para receber três garrafas por mês, mas pode trocar algum deles. Fizemos isso porque o primeiro motivo para o cancelamento de clubes é "eu não gostei do vinho que eu recebi". O vinho nunca é ruim, mas a pessoa pode não gostar, não tem a ver com a qualidade.

Com essa estratégia, saímos de uma média de 3.000 clientes por mês e chegamos a quase 20 mil em 12 meses.

Com a criação da holding, quais serão as novidades para o mercado?

A holding foi formada no fim de 2021, e assinamos o contrato em 27 de dezembro. Tanto Evino quanto Grand Cru, que eram empresas com estruturas próprias, sólidas, com engajamento, deixam de ser empresas e passam a ser marcas.

Em 2022, temos três principais desafios: integração dos 600 funcionários; omnicanalidade, como vender mais no site e nas lojas; e inteligência do uso de dados.

Com uma base por volta de 1,5 milhão de clientes, como ajudar o cliente nessa jornada de compra do vinho. Não é simplesmente pegar uma garrafa na prateleira, chegar em casa e beber. É uma experiência de arte, cultura, história. Quando ele sabe isso, toma e sente de forma diferente.

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