Vacina contra a covid-19

Ampliar vacinação exigiria menos doses de reforço, diz chefe da Pfizer na América Latina

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo

Carlos Murillo, presidente regional da Pfizer na América Latina, diz em entrevista exclusiva na série UOL Líderes que o vírus da covid-19 continua passando por mutações e que, por isso, é importante manter o nível de proteção com as doses de reforço. "Provavelmente, se tivéssemos vacinado mais pessoas no mundo, essa carga viral já seria mais baixa e a necessidade de reforços seria menor. Mas infelizmente não temos essa situação", diz.

O chefe da Pfizer critica os movimentos antivacinas e a quebra de patentes. Falou sobre os aprendizados na CPI da Covid no ano passado e como desenvolver ciência e tecnologia são investimentos de alto custo.

Pandemia mostrou que é preciso ter sistema de saúde robusto

Ouça a íntegra da entrevista com Carlos Murillo, presidente regional da Pfizer na América Latina, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Ainda sem vacina definitiva

UOL - O brasileiro terá que se vacinar todos os anos contra a covid?

Carlos Murillo - Acredito que ninguém no mundo tem uma resposta certa. Existem possibilidades, mas nada concreto. A realidade é que ainda há uma parte muito importante da população mundial sem a vacina, e o risco é que a carga viral de covid-19 ainda está alta. Isso pode gerar mutações do vírus. Quantas e de que tipos? Não sabemos, portanto não há como dizer se, com a vacina que temos e com o reforço, será suficiente ou se vamos precisar de uma vacinação mais frequente.

Por que não desenvolver uma dose única?

Não é fácil assim. Provavelmente, se tivéssemos vacinado mais pessoas no mundo, essa carga viral já seria mais baixa e a necessidade de reforços seria menor. Mas, infelizmente, não temos essa situação. Por quanto tempo, é difícil saber, mas o que sabemos é que, por mais que tenhamos vacinas, haverá pessoas que irão se infectar com a covid.

A boa notícia é que agora há tratamentos altamente eficazes para pessoas que pegaram o vírus. A Pfizer não só lançou a vacina, mas também um antiviral que reduz a gravidade dos casos em quem pega o vírus e não está vacinado.

A Pfizer é assim:

  • Fundação

    1849 (mundo) e 1952 (Brasil)

  • Funcionários

    Cerca de 79 mil (mundo) e 1.400 (Brasil)

  • Clientes

    Cerca de 1,4 bilhão de pacientes usaram medicamentos ou vacinas da Pfizer (2021)

  • Unidades

    43 unidades industriais (mundo), 9 centros de pesquisa (7 nos EUA e 2 no Reino Unido) e 1 fábrica (Brasil)

  • Faturamento (2021)

    US$ 81,3 bilhões

  • Investimentos em P&D (2021)

    US$ 10,5 bilhões

  • Opções terapêuticas (medicamentos e vacinas)

    145

  • Áreas de atuação

    Vacinas, oncologia, imunologia e inflamação, medicina interna, doenças raras e hospitalar

CPI da Covid: um momento complexo

UOL - A Pfizer depôs na CPI da Covid ano passado. Quais lições tirar da investigação e da relação com o governo?

Carlos Murillo - Acredito que, como sociedade, aprendemos muito, porque o mundo não viveu uma situação tão complexa [quanto a da pandemia] nos últimos cem anos. Na maioria das vezes, as questões não são "preto no branco". A complexidade de um país como o Brasil faz com que as coisas não sejam fáceis.

Naquele momento, havia muito desconhecimento. Perguntava-se sobre a vacina, qual seria a efetividade, quando iria chegar, quais seriam os resultados.

Para mim, o grande aprendizado — e acho que o Brasil é um exemplo disso —, foi a importância da colaboração entre diferentes atores da sociedade.

A Pfizer teve uma participação fundamental com sua vacina, mas também a comunidade médica, o governo que fez o que tinha que fazer, e a sociedade civil que juntos levaram a vacina onde tinha que chegar.

Tenho utilizado muito, fora e dentro da companhia, o exemplo do Brasil porque aqui [a imunização] começou mais devagar, por muitas razões. Mas veja onde está agora.

Que lições tirar da crise da covid-19?

Aprendemos que, em uma situação como esta, é preciso ter sistemas de saúde robustos, e que a saúde deve ser considerada prioritária. Reordenamos as prioridades na vida pessoal, mas também coletiva.

Movimento antivacina

UOL - O Brasil sempre vacinou muito, mas agora doenças erradicadas estão voltando. Qual a influência do movimento antivacina neste caso?

Carlos Murillo - Realmente não sei de onde eles vêm, nem porque têm crescido. Mas o que posso falar com convicção é que esse movimento é uma das piores coisas que aconteceram na sociedade. Não existe, provavelmente em toda a história, uma ferramenta mais importante e efetiva para prevenir doenças do que as vacinas.

Como é possível que enfermidades que já foram erradicadas voltem agora porque há crianças que não tomaram a vacina? Não podemos permitir isso como sociedade, é preciso voltar a vacinar. O Brasil é um exemplo no mundo dos altos índices de vacinação, e toda a estrutura que tem permite isso. Precisamos seguir aproveitando.

A Pfizer já entregou cerca de 215 milhões de doses de vacina da covid. Veja onde estamos hoje em comparação há um ano. Isso é por causa das vacinas. O que precisamos é trabalhar como sociedade, e os setores precisam difundir a importância da vacinação.

O mercado brasileiro sempre foi estratégico para a Pfizer?

O Brasil agora é o mercado mais relevante entre os emergentes, uma vez que a China já está saindo dessa estrutura, pois já tomou um patamar diferente. A nossa operação no Brasil nos coloca entre os dez principais mercados do mundo e com a expectativa de continuar crescendo.

Divulgação Divulgação

Com a pandemia, aprendemos que é preciso ter sistemas de saúde robustos e que a saúde deve ser considerada prioritária.

Carlos Murillo, presidente regional da Pfizer na América Latina

Economia parada é mais cara

UOL - Há críticas sobre o lucro de farmacêuticas com as vacinas. É possível dimensionar esse faturamento?

Carlos Murillo - Vamos colocar as coisas em proporção. Qual é o custo econômico de sociedades fechadas? Esse custo é absurdo, o custo de bilhões de pessoas sem conseguir chegar ao seu posto de trabalho, sem poder ganhar o seu salário. Esse custo, sim, que é absurdo, de bilhões e bilhões de dólares.

Pense no Brasil, os que trabalhavam nos restaurantes, nos hotéis. Se compararmos isso ao investimento em vacina, acaba sendo realmente muito pequeno.

Como ficam os países sem recursos para comprar as vacinas?

Tradicionalmente, os medicamentos e as vacinas se precificam em função do valor econômico, o quanto eles fazem a sociedade economizar. Imagine por quanto poderíamos ter vendido a vacina, muitíssimo.

A empresa não fez isso. Conseguimos um preço acessível a todos os países. Definimos uma estratégia para que países com mais recursos pagassem um preço maior (ainda muito baixo se comparado ao benefício) e os países mais pobres, um preço menor.

Maior quanto?

Acredito que é muito difícil definir o custo no que aconteceu nos últimos dois anos. Como colocar o custo econômico das pessoas em casa sem trabalhar, empregos informais que acabaram? Além do impacto econômico, há o social. Como podemos comparar isso com o preço de uma vacina? Não há mérito para comparação.

Quebra de patente não resolve

UOL - Qual a sua opinião sobre a quebra de patentes?

Carlos Murillo - Esse tipo de medida não é positiva nem vai solucionar a falta de tecnologia ou acesso aos medicamentos nos países mais pobres. Vamos falar especificamente das vacinas. A companhia já entregou 3,2 bilhões de doses da nossa vacina em mais de 167 países no mundo.

Participamos em esquemas como o da Covax [Covax Facility] para assegurar que os países que não têm acesso possam ter a nossa vacina.

O problema da vacina não era a falta de vacina ou a propriedade intelectual, mas a capacidade de produção de uma coisa tão complexa. A quebra de patente não resolve esse problema porque nossos países não têm a tecnologia e a capacidade para produzir isso. Consideramos que não é o caminho certo.

Investir em ciência é caro

UOL - Discute-se muito o alto preço dos remédios do Brasil. Eles são mais caros aqui?

Carlos Murillo - Tudo é relativo, de novo. É muito caro versus o quê? A vida de um filho não tem valor? Então tudo é muito relativo. Há tratamentos que requerem investimentos. A realidade é que a ciência tem avançado muito, o que é muito positivo.

Temos uma nova geração de vacinas pneumocócicas, já aprovada nos Estados Unidos, que previne 20 tipos [de doença]; uma outra meningocócica pentavalente, novas moléculas para prevenção de doenças desafiadoras. O que é importante é que essa inovação chegue às pessoas.

Mas como os medicamentos caros chegam aos mais pobres?

Antes, tratávamos as enfermidades, agora estamos chegando com terapias genéticas e a possibilidades de curar uma enfermidade que antes era para toda a vida. Devemos encontrar esquemas diferentes para reconhecer o valor, como parcerias, formas de trabalhar em acordos colaborativos.

Um esquema é comprar uma pílula para tomar durante 40 anos, mas, quando há uma terapia genética que cura a pessoa, sem que ela precise tomar a pílula por 40 anos, é outra coisa. Não posso comparar o preço da pílula com o preço do tratamento genético.

Como os tributos do Brasil interferem nos preços?

Os medicamentos pagam um imposto elevado, provavelmente um dos mais elevados que existem no mundo. Conseguimos com o governo do Brasil a possibilidade de trazer medicamentos a um custo menor.

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