Motoqueiro de rios

Rios do Brasil permitem viajar do Paraná até Minas Gerais de moto aquática, diz chefe do estaleiro Azimut

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação/Arte UOL
Mauro Volpara

Davide Breviglieri, CEO da Azimut Yachts Brasil, uma das maiores empresas de iates do mundo, com sede na Itália e um estaleiro em Itajaí (SC), fala em entrevista exclusiva na série UOL Líderes que a navegação dos rios brasileiros permite realizar passeios interessantes sobre a água. É possível fazer trajetos longos de moto aquática, indo do Paraná até Minas Gerais.

Mas Breviglieri diz que falta infraestrutura náutica em pontos de apoio e marinas no país para essas viagens serem mais confortáveis. Cita como exemplo detalhes como a diferença entre as tomadas para conexão de energia em cada marina. Para o CEO italiano, que vende embarcações entre R$ 8 milhões e R$ 50 milhões e ainda não tem seu próprio barco, os brasileiros endinheirados querem sempre novidades e chegam a trocar de modelo três vezes em cinco anos.

Ouça a íntegra da entrevista com Davide Breviglieri, CEO da Azimut Yachts Brasil, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir à entrevista em vídeo com o executivo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto dos destaques da conversa.

Viajando de moto aquática pelos rios do Brasil

UOL - O que mudou no mercado náutico na última década?

Davide Beviglieri - O mercado brasileiro é relativamente jovem, e o mundo náutico entrou há poucos anos no nosso universo. Os mercados mais maduros foram extremamente importantes para o cliente brasileiro adquirir conhecimento e aprimorar a própria visão do setor náutico.

É um mercado que deve crescer nos próximos anos no Brasil?

Acredito que estejamos entrando em um novo patamar da náutica. As pessoas se voltaram para o mar e entenderam o que é acordar um belo dia com a sua família em um lugar maravilhoso. Quem tem um barco está usando mais, dormindo a bordo, vivendo a vida do mar.

Um outro aspecto é ligado aos novos compradores. Hoje 30% dos pedidos de compra de embarcação são de clientes que não eram náuticos. A cadeia da náutica está forte, partindo de uma moto aquática até os barcos mais sofisticados.

Há crescimento também da navegação pelos rios?

A riqueza de água doce no Brasil é extraordinária. Esse é um grande desafio. Hoje se cogita uma navegação de moto aquática do Sul até São Paulo, passando pelo sistema hidroviário natural.

De acordo com Leandro Mané Ferrari, presidente da Associação Náutica Brasileira (Acatmar), existe uma rota de moto aquática, ainda incipiente, pelo Rio Paraná que sai da cidade de Foz do Iguaçu (PR) e vai até a cidade de Conceição das Alagoas, na divisa de São Paulo e Minas Gerais (veja na arte). Segundo Ferrari, ainda falta infraestrutura de trapiches de chegada e apoio aos motonautas (como são chamados os pilotos), além de postes de combustível para abastecimento.

Como ficou o mercado com a pandemia?

Tivemos um primeiro momento, no início de 2020, de grande pânico no mercado. Mas agora com o mercado financeiro global recuperando os próprios níveis, há uma serenidade e esse mercado começa a despertar um grande interesse, pois oferece qualidade de vida, segurança, prazer e luxo.

Divulgação/Arte UOL Divulgação/Arte UOL

Barco virou segunda casa

UOL - O que exatamente as pessoas estão procurando? Morar nos barcos? Fugir da pandemia?

Davide Beviglieri - Com a pandemia, ninguém pode viajar. Estamos confinados em casa, com medo, com uma situação de insegurança. O barco começa a dar resposta a todas as perguntas. Qual o lugar onde eu posso estar seguro, sereno, com a minha família, sem ter pavor? Qual o produto que dá uma condição de bem-estar completo? A náutica responde a tudo isso.

Quais são os tipos de barco que o consumidor brasileiro compra?

O cliente brasileiro é muito exigente. Adora barco novo, de novas gerações, cada vez maiores, com toda a tecnologia que possa ser oferecida. Uma náutica jovem, mas com um cliente muito maduro, com uma ambição muito legal, muito sadia.

Quais são as exigências?

O cliente brasileiro adora configurar um barco até o último detalhe, o material mais precioso, importado, aquela coisa que dá um clique de luxo e de bem-estar absoluto ao produto. É um cliente que vem de uma história ou de grandes famílias, grandes empresas, situações muito estabilizadas, que na maioria dos casos não estão na primeira experiência náutica, estão no terceiro, quarto ou quinto barco. Têm um nível de expectativa muito qualificado.

A Azimut é assim

  • Fundação

    1970 (Itália) 2010 (Brasil)

  • Funcionários

    2.500 (mundo) 337 (Brasil)

  • Barcos de luxo vendidos (2019/2020)

    48 (Brasil) 300 (mundo)

  • Estaleiros

    5 (Itália) 1 (Brasil)

  • Escritórios

    138 (mundo)

  • Concessionárias

    70 lojas (mundo)

  • Países em que atua

    68

  • Faturamento (2019/2020)

    R$ 250 milhões (no Brasil) 910 milhões de euros (R$ 5,97 bilhões no mundo)

  • Porcentagem de mercado dominada pela empresa (Brasil)

    10% do mercado na linha de iates

Brasileiro endinheirado troca de barco mais rapidamente

Qual é o custo médio de um barco hoje no mercado nacional?

No nosso estaleiro, no Brasil, estamos produzindo cinco modelos. O menor deles, que é um Azimut 56 pés, vale em torno de R$ 8 milhões. A maior embarcação produzida é um barco de 27 metros, 88 pés, que supera os R$ 50 milhões.

São valores para poucos. Como o senhor vê a questão da compra compartilhada?

Esse é um movimento que em outros modelos de negócio está pegando com força, como o compartilhamento de helicópteros e de aeronaves. No mundo náutico existe, mas ainda é um movimento em evolução. Deverá crescer nos próximos anos.

Qual a diferença do perfil de americanos e europeus em relação ao comprador brasileiro?

A náutica lá fora é mais madura. O cliente tem barco desde sempre, que navega com avô, com o pai, com o bisavô. A história do mar é muito mais antiga. O brasileiro gosta de trocar o barco com mais velocidade do que o americano, que troca de barco a cada cinco ou oito anos.

No Brasil, alguns dos nossos clientes, nos últimos cinco anos, trocaram de embarcação três vezes. Esse é um ponto fora da curva da média internacional.

Infraestrutura no país não acompanha mercado náutico

UOL - Quais são os gargalos que atrapalham o crescimento do mercado náutico?

Davide Breviglieri - A nossa necessidade cresceu tanto que o mecanismo de infraestrutura, talvez por uma série de problemas, não está conseguindo acompanhar com a mesma velocidade. Não faz sentido produzir barcos cada vez maiores e mais tecnológicos e não ter marinas em condições de atender o nível que o nosso produto exige.

A questão da assistência técnica é importante. Se você tiver um problema a bordo, não pode esperar muito tempo para que alguém qualificado possa ajudar a resolver.

Hoje existe uma insegurança técnica ligada ao plug da energia elétrica*. O de uma marina do Sul é diferente do de uma de São Paulo, que é diferente do Nordeste. É uma insegurança porque o cliente sabe que poderá ter um problema e não terá como resolver.

Segundo a Acatmar, as tomadas de cais são fundamentais para que as embarcações possam se abastecer de energia para não utilizar o gerador a bordo. Há um padrão no mundo todo para que o barco tenha condições de atracar em qualquer marina. No Brasil, ainda não há esse padrão.

Como melhorar a questão da infraestrutura náutica?

Precisamos criar cursos específicos para pessoas que trabalham neste mercado, especializar os marinheiros, aumentar a velocidade de um marco regulatório para definir o que é um píer, um atracadouro náutico e uma marina; equalizar e ter sistemas que sejam universais de utilização das marinas e trabalhar a questão da sustentabilidade, com gestão de resíduos dentro das embarcações.

É muito caro manter um barco no Brasil?

Quando você compara com o custo de uma habitação, de uma residência, de um sítio, é algo parecido. Não é uma coisa tão fora da curva.

Mauro Volpara Mauro Volpara

Se é verdade que a covid definiu que estamos na era da imprevisibilidade, o Brasil já era imprevisível nos últimos dez anos. O Brasil é uma grande arena complexa, turbulenta, mas fascinante, porque tem oportunidades.

Davide Breviglieri, CEO da Azimut Yachts Brasil

Brasil é imprevisível, mas fascinante e com oportunidades

UOL - Como lidar com a insegurança tributária?

Davide Breviglieri - A insegurança tributária neste momento afeta fortemente o mercado náutico. A guerra dos estados na questão do ICMS [Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] criou uma barreira. Eu não consigo vender pelo mesmo preço um barco de Santa Catarina [estado onde fica o estaleiro] em estados como Mato Grosso, Bahia ou no Distrito Federal.

Alguns estados definiram que não aceitam que o ICMS fique no estado produtor. Eles exigem, pela Lei de Diferencial de Alíquota [Difal]*, que o estado de destino do bem tenha direito a uma parte desse ICMS. Esse, por exemplo, é um aspecto que nos últimos anos inibe a venda de barcos novos em muitos estados brasileiros.

A Difal é a alíquota calculada sobre a diferença entre o ICMS de um estado para outro. Uma empresa de um estado que venda diretamente para um consumidor em outro estado precisa pagar a diferença de alíquota.

A reforma tributária deve impactar o mercado náutico?

Irá impactar. É um assunto muito complexo e delicado, mas precisamos disso. Ela servirá para definir o nível de investimento, para criar uma trajetória de produto, de preço, de tranquilidade para players, produtores e especialmente para os consumidores.

O custo logístico de exportar um barco do Brasil é três ou quatro vezes maior do que fazer a mesma coisa lá fora. Por exemplo, a exportação Gênova-Miami custa um quarto da de Itajaí-Miami.

Tudo o que ganho na minha eficiência interna eu perco dentro de um sistema do Brasil que não é eficiente.

Outro aspecto é o custo de importação de um produto acabado. Aqui no Brasil estou produzindo cinco ou seis modelos, mas o Grupo Azimut lá fora tem mais de 40 modelos. Os tributos de importação, algo em torno de 65%, 70%, inibem um cliente ter um barco Azimut importado no Brasil.

Como o senhor explica essas questões para a matriz italiana?

Eu confesso que tem coisas que nem conseguimos mais explicar.

Sendo italiano, quais foram as dificuldades que teve para se adaptar ao Brasil?

Inicialmente a minha percepção foi a de que aqui é tudo fácil. Logo em seguida, chega a frustração de que tudo que parece fácil, mas não é.

Se é verdade que a covid definiu que estamos na era da imprevisibilidade, o Brasil já era imprevisível nos últimos dez anos. O Brasil é uma grande arena complexa, turbulenta, mas fascinante, porque tem oportunidades.

O senhor gosta de navegar? Tem um barco?

Não tenho o meu barco, mas tenho o sonho dele, isso sim.

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