Brasil endividado

Crise é tão grande, que as pessoas estão com dívida até em conta de luz e gás, diz chefe da Boa Vista (SCPC)

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação/Arte UOL
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Dirceu Gardel, CEO da Boa Vista Serviços (SCPC), diz, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, que a crise econômica está levando as pessoas à inadimplência de contas essenciais, como água e luz.

"Normalmente, a pessoa não deixa de pagar contas de energia elétrica, de gás. Neste momento de crise mais ardente, começamos a ver esse tipo de dívida entrando na inadimplência. Este é um termômetro de que realmente as pessoas e as famílias estão em uma dificuldade econômica maior".

A Boa Vista Serviços é uma empresa de inteligência analítica, criada em 2010 a partir do Serviço Central de Proteção ao Crédito. Para o chefe da empresa, 2022 será um ano de alta inadimplência, mas que deverá melhorar após as eleições.

Gardel afirma que o cadastro positivo irá inserir neste ano mais de 12 milhões de pessoas no sistema de crédito e pede regulação do mercado de criptomoedas.

O bolso sente a crise

Ouça a íntegra da entrevista com Dirceu Gardel, CEO da Boa Vista Serviços (SCPC), no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Contas essenciais em atraso

UOL - Quais as mudanças no perfil dos endividados nos últimos anos?

Dirceu Gardel - Neste momento de crise mais ardente, começamos a ver inadimplência em contas como energia elétrica, gás. Este é um termômetro de que realmente as pessoas e as famílias estão em uma dificuldade econômica maior.

É natural que a pessoa possa atrasar uma prestação do veículo, mas, normalmente em um ambiente mais tranquilo, atrasar uma conta de luz ou água não é tão trivial assim. E estamos passando exatamente por esse momento.

E quais os grupos que estão sofrendo mais?

O grupo que mais sofre é o de renda de até três salários mínimos [R$ 3.600], mas isso não significa que seja o único grupo que está tendo problemas. Todas as famílias de todas as faixas de rendimento, percentualmente, cresceram no nível de endividamento.

A inadimplência está chegando às classes mais ricas?

A inadimplência é bem democrática e não está apenas focada na classe de renda mais baixa. A diferença pode estar no volume e na velocidade para acertar o débito.

Como podemos combater a compulsão pelo consumo?

Focamos muito na organização do orçamento familiar. Se houver um escorregão, é preciso correr para resolver a inadimplência, trocar o crédito mais caro pelo mais barato.

Orientamos a não usar o crédito do cheque especial nem o do cartão de crédito, que são os mais caros. Se a gente não cuidar, estaremos cercados não por uma inadimplência, mas por duas ou três.

A Boa Vista Serviços (SCPC) é assim:

  • Fundação

    2010

  • Funcionários

    1.167

  • Clientes

    Cerca de 150 mil

  • Faturamento (2020)

    R$ 630 milhões

  • Lucro (2020)

    R$ 46,7 milhões

  • Participação no mercado brasileiro

    20%

  • Principais concorrentes

    Serasa Experian e SPC Brasil

Dívidas não vão explodir, mas subirão em 2022

UOL - Qual é a sua expectativa em relação ao cenário econômico de 2022, um ano eleitoral?

Dirceu Gardel - A economia brasileira é forte. Apesar dos pesares, ela se recupera rápido. Mas, é verdade que não estamos vendo isso agora.

É a tempestade perfeita, ou seja, ambiente macroeconômico ruim, ambiente global também ruim, eleições. Está todo mundo mais precavido e com o pé no freio.

Assim que a turbulência se acalmar, a economia deve retomar. O ano de 2022 será desafiador, mas não será problemático.

A inadimplência deve continuar crescendo neste ano?

Não vai explodir. Não é uma bolha, mas vai continuar a subir até atingir os patamares do período antes da pandemia. Isso é cíclico: há uma crise econômica, e em seguida vem um volume de inadimplência.

E que patamares são esses?

Os patamares de inadimplência estão em 5% ou 7% e vão subindo até que tenha um arrefecimento na crise econômica.

Esse ciclo é uma característica apenas do Brasil ou é uma questão global?

Acho que é um ciclo global, mas o que, talvez, seja uma jabuticaba brasileira é um ciclo mais repetitivo e rápido; em outros países, ele demora mais para acontecer.

A questão política está atrelada a esse ciclo mais rápido?

Sim, é a nossa questão político-econômica. Quando há uma certa tranquilidade macroeconômica, por algum motivo, que pode ser uma crise externa ou um posicionamento governamental, algo acontece, e o quadro se reverte e começa essa questão cíclica.

Brasileiro é bom pagador

UOL - Podemos dizer que o brasileiro é considerado um bom ou um mau pagador?

Dirceu Gardel - O brasileiro é um bom pagador. Uma eventual entrada em um serviço de proteção ao crédito por um atraso ou por uma inadimplência não é proposital, não é contumaz. Observamos que rapidamente essa pessoa reconstitui a sua forma de renda e volta a ser adimplente.

Isso é percebido com as informações do cadastro positivo, que está ajudando muito a inserção de milhões de pessoas no crédito. Para se ter uma ideia, 8 milhões de pessoas que não estavam visíveis para ninguém [sem conta em banco] passaram a ter acesso a crédito porque puderam comprovar que são boas pagadoras.

E comprovaram pelo cadastro positivo, com a informação que veio da telefonia. Estimamos que agora em 2022 outros 10 milhões ou 12 milhões de CPFs serão inseridos no mercado de crédito porque as concessionárias de energia elétrica, de saneamento, irão começar a enviar as informações.

Vamos descobrir pessoas que não estão no sistema financeiro, mas que pagam regularmente suas contas de água, luz, telefone, apesar de não terem um emprego formal.

Com o cadastro positivo, por que os juros não diminuíram no sistema bancário?

Na verdade, eles caíram, sim. Em 2020 e 2021, começaram a crescer porque há inflação, mas um estudo do Banco Central mostra que os juros realmente diminuíram.

Com a economia crescendo, o crédito será mais democratizado, com taxas de juros sob medida ao tipo de risco.

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O brasileiro é um bom pagador. Uma eventual entrada em um serviço de proteção ao crédito por um atraso ou por uma inadimplência não é proposital. Rapidamente essa pessoa reconstitui a sua forma de renda e volta a ser adimplente.

Dirceu Gardel, CEO da Boa Vista Serviços (SCPC)

Negociação online de dívidas

UOL - Como melhorar a percepção das pessoas em relação às empresas de cobrança?

Dirceu Gardel - Uma das formas para sair deste tipo de problema é acessar a nossa plataforma Acordo Certo. A plataforma é completamente online, não tem ninguém ligando, e a pessoa terá acesso aos seus débitos e às possibilidades de renegociação.

É possível se inscrever no sistema, que faz contato com o credor e depois devolve uma proposta de renegociação. Apesar de ser uma plataforma eletrônica, a negociação é muito mais humanizada e não há ninguém tentando fechar um acordo rapidamente.

Queremos trazer a melhor experiência para a pessoa recuperar o seu crédito. O Acordo Certo faz isso de uma forma eletrônica, simples, em segurança, tratando daquela dívida direto com o credor, sem intermediários.

E para aquelas pessoas que não têm acesso à tecnologia ou mesmo não sabem operar?

Todo o nosso contato é por meio das plataformas porque é mais seguro na identificação das pessoas e das empresas.

Quais são as melhores práticas das empresas para resolver conflitos com o consumidor?

Recomendo que os credores também procurem a Boa Vista para se credenciar dentro de nossa plataforma. Se alguém cadastrar o CPF e tiver um débito com aquela empresa, conseguimos uma renegociação ainda que seja para um pequeno empresário.

Programas sociais ajudam a economia

UOL - Qual a sua avaliação sobre os impactos do auxílio emergencial para a economia brasileira a curto e longo prazo?

Dirceu Gardel - Indiscutivelmente, os auxílios do governo sempre ajudam o ambiente econômico. Se depois eles irão aumentar a carga tributária ou criar uma imagem de economia mais conturbada, não sei dizer e prefiro até não palpitar nisso.

Vemos programas como o Bolsa Família ou esse novo Auxílio Brasil que ajudaram muito a economia e as pessoas, até no momento mais crítico da pandemia.

Isso foi no mundo inteiro e não estamos na contramão. Talvez, seja necessário fazer um ajuste mais equilibrado: um período menor, cobrar em algum momento uma demonstração de que a pessoa conseguiu um trabalho.

Mas, indiscutivelmente, essas ajudas governamentais para a população com maior necessidade ajudam muito a economia brasileira.

O ministro Paulo Guedes vem dizendo que vai insistir na reforma administrativa em 2022. Qual é a importância das reformas para a economia?

Não gosto muito de falar de questões políticas, mas confesso que sou um otimista. Sendo bem otimista, vou dizer o seguinte: seja reforma tributária, trabalhista ou administrativa, pode ser o grau máximo, médio ou mínimo, mas o país precisa de alguns ajustes para cada vez mais ter menos tropeços na vida econômica.

Precisamos indiscutivelmente dessas reformas.

Criptomoedas: é preciso regular

UOL - Como o Brasil vem se protegendo dos ciberataques? O sistema financeiro atual é confiável?

Dirceu Gardel - O sistema financeiro é confiável, um dos mais avançados do mundo em termos de processamento. O que nos preocupa muito é a questão da criptomoeda. É por meio dela que o hacker tem um certo incentivo para tentar invadir algum sistema.

Se regulássemos essa questão da criptomoeda, será que não iriam diminuir os ataques? As empresas sofrem ataques, e todo mundo fica bravo com a empresa, mas ela é tão vítima quanto o dado daquela pessoa física que eventualmente vazou. Essa é uma preocupação.

Uma coisa é não cuidar e não investir o suficiente para ter camadas de proteção que possam identificar rapidamente uma eventual tentativa de invasão. Mas, na verdade, o criminoso não é a empresa, é aquele hacker que invadiu e vazou o dado. Esse é um desafio do mundo moderno, todos os países e todas as empresas vão ter que lidar com isso.

A criptomoeda é um fato, não dá mais para não ter. Mas o que ela precisa é ter uma regulação. Precisava ter a mesma rastreabilidade que existe hoje com o dinheiro virtual, físico, em qualquer transferência. Não tenho dúvidas de que iríamos inibir um grande volume de ilícitos.

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