Estamos muito descartáveis

Consumidor usa roupa só 7 vezes antes de jogar fora, diz chefe da Malwee

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Marcelo Justo/UOL e Arte/UOL
Marcelo Justo/UOL

A qualidade das roupas diminuiu, e elas passaram a ser mais descartáveis nos últimos anos. Em uma média global, o consumidor usa uma roupa apenas sete vezes antes de jogar fora ou doar. Há 15 ou 20 anos, este número era mais que o dobro, diz o CEO do Grupo Malwee (pronuncia-se Malve), Guilherme Weege, em entrevista na série UOL Líderes.

Líder de uma das maiores empresas têxteis do país, o jovem empresário catarinense comanda oito marcas, entre elas, a própria Malwee. Na entrevista, Weege (pronuncia-se Vêgue) disse que a indústria têxtil é uma das mais poluentes e que não mudará se o consumidor não exigir.

O chefe da Malwee enfrentou a pandemia vendendo pijamas e roupas fitness, produzindo máscaras, EPI´s (equipamentos de proteção individual) e aventais. Diz que a reforma tributária precisa vir com urgência porque a impostos sufocam a economia.

Ouça a íntegra da entrevista com o CEO do Grupo Malwee, Guilherme Weege, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir a essa e a outras entrevistas de executivos no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto com os destaques da conversa.

Usar as roupas por mais tempo

UOL - O que a Malwee está fazendo para diminuir o impacto ambiental?

Guilherme Weege - A primeira escolha foi fazer coisas para durar, não fazer coisas descartáveis. Uma média global mostra que, ao longo de um ano, usamos 30% do que está dentro do nosso guarda-roupa, ou seja, não usamos 70%, mas essas roupas consumiram produtos químicos, matéria-prima, trabalho. Será que precisamos ter tanta coisa?

Um outro número mostra que, em média [global], usamos sete vezes uma peça de vestuário antes de jogar fora ou doar para outra pessoa. Este número era mais do que o dobro há 15 ou 20 anos. Veio a "fast fashion", que baixou muito a qualidade dos produtos, e as roupas tornaram-se mais descartáveis.

Se, por um lado escolhemos fazer coisas mais duradouras, por outro, continuamos sendo uma empresa de moda que precisa gerar desejo e aumentar a autoestima dos consumidores. Optamos por fazer testes em laboratório para que a roupa dure mais e não perca a cor, continuando do jeito que era quando a compramos.

Em segundo lugar, gastar menos insumos no processo produtivo. As nossas peças consomem 25% menos água do que qualquer produto do mercado nacional. Investimos no sistema de reúso de água e estamos investindo ainda mais para reduzir em 30%, 40%, 50% o consumo de água e insumos.

Criamos amaciante de cupuaçu, algodão orgânico. Usamos 65 milhões de garrafas pet em parceria com diversas associações e catadores e transformamos em peças. Fomos os primeiros a fazer isso em grande escala.

Para ter uma ideia, uma calça jeans utiliza 100 litros, em média, só no processo de lavanderia, para deixar aqueles rasgadinhos e aquele visual bacana. Fizemos um investimento inédito no primeiro complexo do mundo que produz jeans com redução de, no mínimo, 80% de água no processo fabril, podendo chegar a até 98%, o equivalente a um copo de 200 ml.

Um terceiro ponto é que queremos que o consumidor compre de forma mais consciente, insinuando que ele faça troca de roupas, doe. Fizemos parcerias com empresas de brechó online, aplicativos que acham as pessoas próximas de nossas casas e com quem podemos trocar peças de roupa. Realmente queremos catequizar o consumidor para ter uma cabeça mais sustentável.

Qual sua opinião sobre a política ambiental do governo?

É um assunto bem polêmico. Acredito que o governo, obviamente, tem uma agenda para fazer. O governo tem muita coisa para fazer, mas também precisamos nos questionar.

Assim que o consumidor começar a questionar de suas marcas, de quem produz ou revende, como foi feito o produto, que insumos usaram, haverá uma seleção natural, e o mercado vai mudar. Há muitas iniciativas bacanas. A iniciativa privada tem esse papel. Não podemos terceirizar nossa responsabilidade.

O que deve mudar na indústria têxtil?

É bacana e sedutor trabalhar no setor de moda, mexe com a autoestima das pessoas, mas o que nem todos sabem é que a moda polui demais, e o nosso papel é conscientizar. O nosso propósito é mudar o setor, e isso passa por aquela sensação ruim de trabalhar no segundo setor que mais polui o planeta, que é o setor de moda. Isso gera desconforto.

A indústria não muda se o consumidor não mudar as suas exigências. O setor têxtil é responsável por 20% da poluição de rios no mundo e 10% da emissão global de CO2. Quando pensamos qual é o destino daquela peça, 5,2% ou 5,3% de tudo o que tem em lixões no mundo são roupas. Se pensarmos em uma produção de 80 bilhões de peças por ano, globalmente, estamos falando de um caminhão de lixo repleto de roupas e produtos têxteis sendo jogado fora por segundo. São números que assustam, e o nosso propósito é ser exemplo e mudar a cara do nosso setor.

A Malwee é assim

  • Fundação

    1968

  • Funcionários

    4.200

  • Marcas

    Malwee, Malwee Kids, Enfim, Malwee Liberta, Wee!, Zig Zig Zaa, Carinhoso e Scene

  • Peças produzidas (2019)

    35 milhões

  • Unidades

    2 fábricas em Jaraguá do Sul (SC) e 1 em Pacajus (CE)

  • Principais ações da pandemia

    Doação de R$ 20 milhões e criação da plataforma ?A Sua Loja Malwee? e do movimento ?Compre do Bairro?

Roupa antivírus

UOL - Qual é a eficácia da roupa da Malwee antiviral?

Guilherme Weege - Com a pandemia, tentamos inovar em produtos diferentes, canais diferentes. Tínhamos uma coleção cancelada no meio do caminho. Decidimos fazer algo e produzimos EPIs, aventais, máscaras. Ao longo da pandemia, fomos inventando coisas novas, inclusive em produtos.

Produzíamos antes da pandemia alguns produtos com nanotecnologia, como roupa que não amassa, com antibactericida, proteção UV —todo o nosso básico infantil, por exemplo, tem proteção UV. A provocação industrial e da engenharia de produto era conseguir fazer uma roupa que conseguisse inativar o vírus.

Com uma empresa suíça, fomos os primeiros a lançar no Brasil um mix de produtos anticovid-19, com efeito comprovado contra o Sars-cov-2, que é o vírus da doença.

Produzimos camisetas e depois evoluímos para roupa fitness, camiseta de manga comprida. Houve muita procura pelas pessoas em grupos de risco. Doamos 50% do lucro de todas as vendas deste produto no nosso e-commerce porque queríamos voltar para a sociedade e, de fato, proteger em especial as pessoas do grupo de risco.

Qual será o futuro das roupas antivirais?

Espero que a indústria inove não apenas em um momento trágico como este, mas use a inovação para ser, em especial, mais sustentável. Convivemos com nanotecnologia há décadas, mas ela é muito mais usada para produzir uniformes, mais para o B2B, e muito menos para o consumidor.

Dá para fazer muita coisa. A Malwee se tornou a primeira marca de moda brasileira a assinar o termo de compromisso da campanha global Business Ambition for 1.5°C: Our Only Future, lançada pela Organização das Nações Unidas [ONU]. Assumimos o compromisso de restringir o aquecimento global em 1,5°C grau. Também assumimos outro compromisso: fazer com que a sustentabilidade seja parte da agenda dos governos durante a pandemia e, em especial, no pós-pandemia.

Temos relações duradouras com nossos funcionários, que trabalham conosco há 40, 50 anos, com fornecedores e clientes. A sustentabilidade é a nossa relação duradoura com o planeta.

Quais foram os grandes desafios da Malwee e os aprendizados na pandemia?

Houve um desespero inicial, em que ficamos meio sem saber o que fazer, pensando em mil planos diferentes. Elegemos alguns pilares. Garantimos saúde e a segurança às pessoas. Nas operações fabris, medimos a temperatura, realizamos testes.

Tentamos manter todos os empregos. Foram noites mal dormidas, mas conseguimos, não só mantivemos os empregos, mas também contratamos mais 4.000 pessoas para produzir EPIs, máscaras, aventais para hospital.

Foi incrível. Contratamos cerca de 260 empresas diferentes para nos ajudar com o volume. Nessas empresas, havia prestadoras de serviço, de costura. Contratamos empresas concorrentes que estavam paradas, sem vendas. Pensamos com desapego, com foco em bater as nossas principais metas.

Criamos o Movimento Compre no Bairro, um portal para o comércio local. Capacitamos o pequeno negócio para lidar com o mundo virtual. Nosso setor, neste ano, deve perder algo em torno de 18%, isso equivale a mais ou menos 80 mil vagas de empregos fechadas.

Criamos plataformas diferentes de vendas de e-commerce. Fizemos linha de crédito, flexibilizamos pagamentos, treinamentos de marketing digital, relacionamento com o cliente online.

E os representantes comerciais?

A Malwee possui em torno de 400 representantes exclusivos. O cenário era desolador, muitas empresas fechadas, muitas em dificuldades financeiras. Garantimos o mínimo para que eles conseguissem sustentar a família. Tenho orgulho do que fizemos com todos os nossos fornecedores, funcionários.

Eu digo sempre que sabemos os amigos que temos nos momentos de dificuldade, e não quando estamos bem. São esses momentos que nos definem. É um momento de reconstruir a nossa nação. Precisamos estar mais unidos e olhando para o próximo, e não só para o nosso umbigo.

Marcelo Justo/UOL Marcelo Justo/UOL

O que nem todos sabem é que a moda polui demais, e o nosso papel é conscientizar. O nosso propósito é mudar o setor, e isso passa por aquela sensação ruim de trabalhar no segundo setor que mais polui o planeta. Isso gera desconforto.

Guilherme Weege, CEO do Grupo Malwee

Impostos sufocantes

UOL - O que as reformas do governo devem incluir para ajudar a indústria têxtil?

Guilherme Weege - Há inúmeras reformas estruturantes fundamentais para o país, e não só para a indústria têxtil. A reforma tributária é a mais importante neste momento, mas tem a reforma administrativa, o leilão de 5G, a redução do custo sistêmico do Brasil, a continuidade das reformas trabalhistas —o setor têxtil emprega 1, 5 milhão de pessoas—, o Projeto de Lei do Gás, o marco regulatório do setor elétrico, leilões de infraestrutura.

O nosso desejo é que elas aconteçam e rápido, e que envolvam a sociedade como um todo. Nosso sistema não favorece a produção nem o empreendedorismo nem o consumo. Obviamente, estou aberto a ouvir pontos de vista diferentes, mas a carga tributária hoje sufoca. Será difícil combinar o não aumento de carga com o endividamento público aumentando.

Outro princípio importante é a simplificação. O país precisa crescer e depositar suas energias em coisas que agregam valor. É fundamental descomplicar, desburocratizar e simplificar.

Como conciliar a desoneração da folha de pagamento com a manutenção dos direitos trabalhistas, que estão sendo um suporte na pandemia?

São coisas distintas. Não temos que trocar desoneração por retirada de direitos. Precisamos desonerar a folha, mas o sistema é uma colcha de retalhos, e alguns setores podem ser prejudicados. Isso gera insegurança e uma falta de previsibilidade bastante grande.

O número de autuações fiscais é absurdo, muitas delas em pequenos negócios por falta de conhecimento de sistemas tão complexos. No meu setor, eu concorro com muita gente que não paga imposto, que contrata de qualquer jeito porque não quer pagar 60% ou 70% a mais pelos funcionários. No fundo, estamos estimulando a desigualdade, e há milhões de pessoas que não têm direitos trabalhistas.

É uma agenda bastante difícil. Penso que deve haver desoneração de folha, sim, para todos terem a mesma condição de competir. O que vai vir em troca de uma desoneração de folha é um debate interessante, mas sem trocar pelos direitos trabalhistas.

Faltou pijama em 2020

UOL - Quais são os planos para 2021? Há possibilidade de crescimento?

Guilherme Weege - Estamos com um mix de produtos sendo constantemente ajustado. Em um primeiro momento da pandemia, acabaram os estoques de pijamas no site. As pessoas começaram a ficar muito mais em casa, e a procura por pijama e por roupa de atividade física aumentou 300% durante dois, três meses. São coisas que a gente não espera.

O que muda muito é a perda de poder aquisitivo. O preço médio das peças tende a cair. A questão de mix, de padrão de consumo, deve mudar. Estamos vendo isso nos últimos meses. Da coleção da primavera para a que estamos passando agora, há uma diferença bastante grande no mix que as pessoas estão escolhendo.

Percebemos que as pessoas estão comprando roupas mais básicas, com preços menores. Na média, quando o PIB [Produto Interno Bruto] cai, o poder de compra também cai.

Em relação a 2021, está muito difícil prever. O que fizemos durante a pandemia nos dá condição de saber que temos clientes mais fiéis, vendedores mais fiéis, produzimos roupas com maior durabilidade, mais inteligentes e sustentáveis. Acredito que haja grandes chances de ganhar mercado. Mas é ganhar um mercado menor.

Estamos, não vou dizer otimistas, porque o cenário é bastante difícil, mas penso que vamos conseguir algum crescimento em 2021.

Em 2020, a venda de pijamas e roupa fitness foi suficiente para crescer? Essa tendência do home office vai continuar?

Primeiro que, em 2020, no começo da pandemia, imaginávamos que, se não fizéssemos nada, iríamos perder 25%, 30% da receita do ano. Fomos ágeis, engenhosos e criativos para tentar fazer algo diferente. Não apenas não caímos 25%, 30%, mas conseguimos, com outras coisas —como EPIs, máscaras, aventais e outras coisas que criamos— bater a meta do ano e ter crescimento em 2020.

Com relação ao mix de produtos, há muita coisa que veio para ficar. Ninguém imaginava, no pré-pandemia, que poderíamos ser produtivos trabalhando de casa. Colocamos 500 pessoas trabalhando de casa, muitas delas tiveram, inclusive, aumento de produtividade, muitas não querem voltar a trabalhar como trabalhavam antes.

Mas agora o desafio é construir um senso de unidade e um senso de time. Se mudar o padrão da forma de trabalhar, mudará também o padrão da forma como nos vestimos. Se estamos deixando de ir à academia e estamos fazendo atividade física em casa, certamente vamos mudar o padrão de produtos.

De fato, o que vai continuar é o uso de novas tecnologias que sejam mais sustentáveis e mais funcionais.

O consumidor está mais fiel às marcas tradicionais?

Durante a pandemia, o consumidor buscou muito a comodidade, buscou as marcas que ele já conhecia para fazer as suas compras. O que falamos da Malwee é que ela tem que representar um consumidor consciente, preocupado com as próximas gerações. Produto, sim, mas menos marcas tradicionais e mais o que pensa o consumidor.

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