Crédito sustentável

É melhor restringir do que dar muito crédito e cobrar juro alto para compensar, diz executiva do banco Inter

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação/Arte UOL
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Helena Lopes Caldeira, CFO (diretora financeira) do banco Inter, diz, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, que aos poucos os bancos têm diminuído as taxas de juros. Para ela, é preferível ter uma restrição um pouco maior na concessão do crédito do que compensar com a elevação de taxas de juros.

A executiva afirma que as plataformas bancárias serão cada vez mais canais de distribuição de grandes marketplaces, levando simplificação ao cliente e consumidor.

De olho neste mercado, o banco anunciou recentemente a compra da Usend, empresa norte-americana especializada na oferta de serviços financeiros e não financeiros, sendo a primeira empresa brasileira do segmento a fincar os pés no mercado dos Estados Unidos.

Caldeira também alerta para as fraudes contra os correntistas e revela como será a mudança do banco da B3 (Bolsa de Valores de São Paulo) para a norte-americana Nasdaq.

Ouça a íntegra da entrevista com Helena Lopes Caldeira, CFO do Banco Inter, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Crédito, garantias e juros baixos

UOL - Apesar do aumento da competição entre os bancos e da chegada do open banking, não houve redução significativa das taxas de juros. Por quê?

Helena Lopes Caldeira - Aos poucos, os bancos têm reduzido as taxas. No Inter, quando pensamos em uma relação de crédito, é uma relação de longo prazo, sustentável. O foco do Inter é conceder créditos com garantia justamente por causa disso.

Não adianta pensarmos em cobrar taxas altíssimas, e o consumidor não ter condições de pagar. Preferimos ter uma restrição maior na concessão do crédito a compensar com a elevação da taxa de juros.

Quais as vantagens o Inter oferece na comparação com outros bancos digitais?

Desde que lançamos o banco digital, sabíamos que era preciso estar na vida do cliente do momento em que ele acorda até quando ele vai dormir, seja para produtos e serviços financeiros ou não financeiros.

Ao contrário da maioria das fintechs, que focam muito em um tipo de produto e ganham escala para depois expandir a base de produtos, temos uma proposta de crescer com diversos serviços em vários segmentos.

O que mudou no perfil dos clientes de bancos nos últimos anos?

O cliente tem buscado muito mais uma experiência e não somente o produto em si. Ele quer uma relação e uma conexão de propósito, quer ver que está sendo bem servido e que recebe um bom custo-benefício e geração de valor.

O Banco Inter é assim:

  • Fundação

    1994

  • Funcionários

    3.000

  • Escritórios

    São Paulo, Recife, Belo Horizonte, EUA e Portugal

  • Clientes

    14 milhões

  • Faturamento (2020)

    R$ 1,4 bilhão

  • Lucro (2020)

    R$ 5,6 milhões

Banco será invisível

UOL - Os bancos estão se tornando plataformas de varejo, e os grandes e-commerces passaram a conceder crédito. Como os clientes conseguem determinar o que é banco ou e-commerce?

Helena Lopes Caldeira - Há uma frase conhecida que diz que bancos não são necessários; serviços financeiros, sim. É basicamente o que acreditamos. Se temos uma ampla oferta de serviços financeiros, pagamentos e oferta de crédito, temos a melhor plataforma para o consumo em geral, não necessariamente só de produtos financeiros.

Isso tem sido a tendência. Vamos ter um banco invisível, que é basicamente a presença de serviços financeiros interconectada com outros tipos de produtos e serviços.

Então eu posso entrar no aplicativo do banco e comprar um celular?

Pode. Celular, inclusive, é o produto mais vendido dentro do nosso aplicativo.

Vocês também concorrem com grandes players mundiais, como Ali Express, Amazon. Como lidar com essa concorrência?

Vemos mais como uma cooperação do que como uma concorrência. Temos mais de 12 milhões de correntistas, o que significa que eu tenho, de um lado, uma base grande de clientes, com informações de consumo a partir do uso do dia a dia bancário, meios de pagamento com cartões, e ainda tenho a oferta de crédito.

Do outro lado, eu tenho esses varejistas que querem aumentar as vendas. O valor da plataforma é justamente criar essa conexão.

Agência bancária ficou desnecessária

UOL - Quando o cliente se relacionam com o Inter, encontra pessoas de verdade? Ele não sente falta da agência, do gerente?

Helena Lopes Caldeira - Somos um banco digital, servido por pessoas, criado por pessoas e para pessoas, e não um banco virtual. A tecnologia nos auxilia a ter escala em atendimento. O "chatbot" [programa de computador] é uma forma mais ágil, mas temos um time de pessoas atendendo.

O uso de agências ficou menos necessário. Claro que o encontro cara a cara tem o seu valor, mas, em compensação, todas as dificuldades da agência fazem com que ela fique menos conveniente. A tecnologia vem ajudar e trazer conveniência para a relação financeira.

Muitos dizem que a facilidade de abrir uma conta em um banco digital gera insegurança e fraudes. Isso é verdade?

Temos um cadastro em que o cliente precisa preencher um formulário, inserir a foto de um documento ou enviar uma foto. É preciso fazer um vídeo e se movimentar para que possamos associar e fazer o reconhecimento facial com o documento.

Fraude é um tópico em todas as indústrias; na bancária, com certeza, é um tópico relevante. Toda vez que receber o contato de um banco, questione. Pense se é um contato no qual você confia, se já conhece ou se é um número diferente. Em vez de ser reativo, seja ativo no contato.

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Bancos não são necessários; serviços financeiros, sim. É basicamente nisso que acreditamos.

Helena Lopes Caldeira, CFO do banco Inter

Agenda de economia insustentável

UOL - Qual o melhor plano econômico de recuperação do Brasil depois da pandemia?

Helena Lopes Caldeira - Em geral, há uma agenda de propostas de reformas que é importante e, em uma visão mais de longo prazo, é natural passar por ela, mas acho que tudo depende do contexto. Será um passo depois outro para que vejamos essas reformas ocorrendo.

Por onde o governo deve começar essa agenda?

O mais importante é conseguir ter uma agenda que traga uma visão sustentável de longo prazo. Sabemos que a forma que temos hoje não é sustentável.

Podemos pensar em começar com algo mais brando e depois evoluir. Não será fácil, nunca é uma discussão fácil, mas as reformas terão que acontecer.

O que muda para o Inter na migração da B3 para a Nasdaq [Bolsa norte-americana]?

Para o cliente, a relação com a empresa não vai mudar. É um dos principais desafios da empresa neste segundo semestre. O que pretendemos fazer é migrar a listagem do banco Inter, que hoje é na B3, para uma empresa-mãe, que vai se chamar Inter Plataform, a holding que será listada na Nasdaq.

Queremos estar em um ambiente mais maduro, que tenha mais competidores e companhias listadas mais similares ao Inter atualmente. Lá fora, temos acesso a uma estrutura de voto plural, em que o controlador pode ter um direito de voto mais amplo e, mesmo com menos aumentos de capital, ele continua definindo. O objetivo é basicamente não limitar o crescimento da companhia.

O que significa a compra da fintech Usend para a expansão internacional do banco?

O principal objetivo é acelerar a chegada de nosso "Super App" aos Estados Unidos, com licenças, tecnologia e a experiência de um time local com amplo conhecimento e vivência no mercado, fatores decisivos para posicionar o Inter como uma plataforma completa, com produtos e serviços mais baratos, justos e eficientes. Queremos nos posicionar como um "full digital banking" e aumentar a competitividade em um mercado endereçável relevante.

Novas lideranças só surgem se houver oportunidades

UOL - Alguns especialistas acreditam nas cotas de contratação para aumentar a diversidade nas empresas. Qual a sua opinião sobre isso?

Helena Lopes Caldeira - Não diria necessariamente que deveríamos ter cotas, mas precisamos prestar atenção no assunto. Queremos construir um produto com o qual, cada vez mais, o cliente se relacione. Para isso, precisamos ter pessoas similares àquelas trabalhando aqui dentro para poder trazer essas visões, trazer a discussão, um diferente ponto de vista.

A inteligência coletiva é o que nos leva ao crescimento. Sobre a cota, às vezes, tenho medo de fechar em um único critério, que pode não ser necessariamente bom.

Como estimular as mulheres a entrar no mercado financeiro?

O mercado financeiro não é um bicho de sete cabeças. É preciso traduzir a complexidade do mercado financeiro de uma forma mais simples. Este é o propósito do Inter. Tentamos simplificar e tirar mitos. É uma indústria como outra qualquer outra. Um ambiente complexo, mas encantador, e precisamos mostrar como várias pessoas podem fazer parte disso.

Quais as dicas para ter uma mulher como CFOs no comando da empresa?

Abra o olho. Aposte, tente encontrar grandes talentos. Dê a chance, desenvolva, deixe que essas pessoas apareçam, dê abertura para que se posicionem. Essa é a principal forma de encontrar novas lideranças, dando oportunidade.

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