Bife de laboratório

Para alimentar bilhões, será preciso criar carne a partir de células de animais, diz chefe da BRF

Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação e Arte/UOL
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Lorival Luz, CEO global da BRF, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, dona de marcas como Sadia, Perdigão e Qualy, estima que nos próximos 20 anos a carne produzida em laboratório, a partir de células de animais, deverá ser a grande responsável pela produção de proteínas no mundo. A BRF acaba de anunciar investimentos nesse setor.

Em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, Luz fala também sobre os novos hábitos de consumo, como "vegetarianos flex", que comem carne de vez em quando. Ele também destaca a busca cada vez maior por pratos prontos. O chefe da BRF alerta para o que chama de "emergência climática" e diz como a política internacional do governo impacta nos negócios da empresa.

Ouça a íntegra da entrevista com Lorival Luz, CEO Global da BRF, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir à entrevista em vídeo com o executivo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto dos destaques da conversa.

Cultivo de células animais em laboratório

UOL - Como será a produção de "carne cultivada"?

Lorival Luz - Essa será uma das maiores transformações no hábito de consumo do mundo. Estamos no começo, engatinhando. Muita tecnologia tem sido implementada em todos esses alimentos, com diferentes matérias-primas.

Recentemente anunciamos uma parceria com a Aleph Farms, uma empresa israelense que faz o cultivo de células. Olhando para o futuro, lembro como o desenho dos "Jetsons" [desenho animado da década de 60 sobre o futuro] parecia irreal, mas estamos praticamente vivendo isso.

*A produção de carne cultivada utiliza células de alta qualidade de animais, porém sem o abate. As células são cultivadas fora do corpo do animal com o fornecimento de nutrientes e ambiente propício para o desenvolvimento. O processo automatizado e o ambiente estéril eliminam a necessidade de antibióticos e reduzem muito o risco de contaminantes, segundo informações adicionais enviadas pela BRF após a entrevista.

Não tenho dúvida de que daqui a 20 anos isso será muito importante e será o grande responsável pela matriz de produção de consumo de proteínas no mundo.

UOL - No futuro, haverá um grande impacto na cadeia agropecuária?

Lorival Luz - Acredito que não. A população mundial continua crescendo e chegará a 10 bilhões de pessoas. Precisamos discutir como vamos produzir toda a proteína para alimentar essas pessoas. Haverá espaço para a agropecuária, mas também para essa nova área do cultivo de células.

A BRF é assim

  • Fundação

    2009

  • Funcionários

    97 mil (Brasil e mundo)

  • Indústrias

    34 (Brasil), 7 (mundo)

  • Centros de distribuição

    22 (Brasil)

  • Receita Líquida

    R$ 39,47 bilhões (2020)

  • Lucro líquido

    R$ 1,39 bilhão (2020)

  • Investimentos/Brasil

    R$ 2,5 bilhões (2020)

  • Porcentagem de mercado dominada pela empresa

    42,8% (Brasil)

  • Principais concorrentes

    JBS, Marfrig e Aurora (Brasil), Tyson Foods, JBS, Hormel, Doux, Arasco, CP Group, Almarai e MHP (mundo)

"Vegetarianos" que às vezes comem carne

UOL - Essas mudanças de consumo impactam as novas gerações?

Lorival Luz - Acreditamos muito nessa transformação. Vemos nas novas gerações muito da indulgência. As pessoas não querem só o light, o vegano.

Eles são os flex veganos ou os flex vegetarianos. Eles comem às vezes o vegetal, mas se permitem uma indulgência em determinados momentos e comem a proteína animal.

Há diferenças entre os tipos de produto consumidos no Brasil e os exportados para outros países?

Existem diferenças, sim. Nos Emirados Árabes e região, por exemplo, eles comem o que se chama de "griller", que é o galeto, que por uma questão cultural não passa de 1,4 quilo. No Brasil, estamos acostumados com frangos de coxa grande, peito grande. Aqui temos frangos de três quilos.

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A população mundial continua crescendo e chegará a 10 bilhões. Precisamos discutir como vamos produzir toda a proteína para alimentar essas pessoas.

Lorival Luz, CEO global da BRF

Cuidar do ambiente abre portas para os negócios

UOL - Como o senhor vê a relação da produção de alimentos com o desmatamento e as queimadas na Amazônia?

Lorival Luz - Nós temos a total consciência, acreditamos que o tema de emergência climática exige a responsabilidade de todos nós. Cada um tem que fazer a sua parte. Estamos trabalhando com todos os [parceiros] integrados para colocarem energia solar, trabalhando nos veículos.

Eu não tenho dúvida de que todas as empresas têm que atuar dessa forma, e os governos também. É uma responsabilidade de todos.

Agora, quanto mais o país como um todo fizer, melhor é para a reputação do país. Isso abre portas obviamente para um comércio exterior ainda maior.

A Europa continua sendo um grande mercado para a BRF?

Já foi extremamente relevante, mas hoje para a BRF não é mais. Quando surgiram as questões da Operação Carne Fraca, a Comunidade Europeia suspendeu a importação.

Existia um plano de integrantes da Comunidade Europeia visitarem o país, mas não vieram por causa da pandemia. Eu tenho tranquilidade absoluta sobre os procedimentos da BRF.

Diplomacia internacional do governo impacta

UOL - A política internacional do governo interfere diretamente nas negociações de vocês com outros países?

Lorival Luz - Sem dúvida impacta. Toda relação comercial que temos se inicia de uma relação diplomática entre os países para fazermos acordos bilaterais. Quanto melhor for a relação com um maior número de países, mais as portas se abrem, não tenha dúvida disso. Temos clientes de longuíssima data com vários países. Não fazemos um relacionamento oportunista.

A BRF fechou 2020 com lucro líquido de R$ 1,39 bilhão depois de amargar um prejuízo em 2019 de R$ 4 bilhões. O que vocês fizeram de diferente?

Trabalhamos em várias dimensões, como cultura da companhia, princípios de qualidade, de integridade, de segurança, inovação, adequação de produtos. Aumentamos a base em mais de 140 mil clientes. Com isso, reduzimos a alavancagem, aumentamos a margem, e diminuímos a saída das lideranças da companhia.

Quais são os desafios do segmento de alimentação no país?

Atualmente, o grande desafio que toda indústria está enfrentando é em relação aos insumos de forma geral. Os preços de commodities [matérias-primas], diesel e outros insumos tiveram um aumento significativo nos últimos seis meses. Estamos trabalhando para conseguir neutralizar todos esses aumentos.

E, sem dúvida, a carga tributária e a complexidade do sistema tributário brasileiro são diferenciadas do resto do mundo -para o lado negativo. Precisamos de uma simplificação, que evite múltiplas interpretações.

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