Estado social, mas lucrativo

Chefe da CVC diz que programa social é necessário, mas "conjunto da obra" não pode dar prejuízo ao governo

Do UOL, em São Paulo Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL
Simon Plestenjak/UOL

Viajar é preciso

O presidente da agência de viagens CVC, Luiz Eduardo Falco, é um defensor entusiasmado do Estado mínimo, com privatizações e mais eficiência. Afirma que é favorável aos programas sociais do governo, mas que eles não podem dar prejuízo.

"A receita tem que ser maior que o custo, e ponto", diz, em entrevista da série UOL Líderes. O executivo afirma que a produtividade do país é baixa porque o governo "gasta com coisas com as quais não deveria gastar".

Para ele, a crise econômica dos últimos anos tirou dinheiro do bolso do turista, mas não o seu sonho de viajar. O executivo afirma que as pessoas ainda precisam das agências de viagem quando definem um destino turístico, e revela a estratégia da CVC de múltiplas plataformas para atender seus clientes. Em relação às transformações tecnológicas, declara que as inovações ajudam, mas não criam clientes.

Governo mínimo, programa social eficiente

UOL - Que propostas são importantes para o Brasil?

Luiz Eduardo Falco - Sou um cara um pouco minimalista com as questões de governo. A minha formação é de engenharia, então acho que receita é receita, custo é custo, e que a receita tem que ser maior que o custo. E ponto. Tenho complicações para entender qualquer coisa que seja diferente disso. 

Claro que há o social, que é um pouco diferente, mas o conjunto da obra não pode dar prejuízo, se não você não sustenta isso ao longo do tempo. Tem que colocar os programas sociais, mas tem que fazer o negócio dar lucro.

Nós temos um governo que é gigante, temos estatais que estão em caminhos que não interessam em nada. Para que interessa ter uma estatal construindo um submarino nuclear? A mim, como cidadão, não interessa em nada.

O governo ficou grande demais por razões que, na época, poderiam justificar. Hoje em dia, num mundo que quer mais eficiência, não faz nenhum sentido. Pega uma Eletrobras: gigante. Pega a Telebras --eu trabalhei no sistema [Telebras]. Quando era estatal, não havia telefone; hoje em dia, você nem sabe onde colocar tanto telefone que você tem. E os preços caíram.

Então o senhor é a favor das privatizações?

Sou a favor da diminuição do governo, das privatizações e da eficiência.

Você não pode ter um país em que faz 30 anos que a produtividade do seu trabalhador não muda. É inaceitável.

Não muda porque você não investe e não tem dinheiro para investir. E não tem dinheiro para investir porque gasta com coisas com as quais não deveria gastar. Então, pare de gastar com as coisas com que não deveria gastar, coloque o dinheiro no investimento e ganhe produtividade. E aí vai competir no mundo.

Como a reforma trabalhista impactou a CVC, que hoje tem 3.000 funcionários?

Como qualquer brasileiro, [acredito que] temos que andar para a frente. Não podemos ficar presos ao passado. A CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] foi uma boa lei para a época dela, e agora estamos em outra época. Hoje, decidimos se o cara pode trabalhar de bermuda e se pode fazer home-office para ser mais produtivo.

Não dá para pegar uma lei de 1940 e tentar adaptar porque não funciona. Eu acho que o Brasil tem de evoluir. O passo que foi dado na reforma trabalhista é bom porque move, e é preciso dar muitos outros. Assim como adaptamos produtos para o consumidor, nós temos que colocar as nossas regulações como o mercado quer.

Conheço muita gente que produz mais trabalhando em casa. Sou da tese de que o mundo não pode parar, de que quem muda o mundo são os jovens. "Jovem" não quer dizer quem tem 20 anos, mas quem é jovem de cabeça. Você pode ter 80 anos e ser jovem. Você tem que querer mudar, não pode ficar parado.

E a Previdência?

Com relação às reformas estruturantes da Previdência, precisamos andar. Temos um desequilíbrio fiscal. Ninguém pode gastar mais do que ganha nem na sua casa, nem na padaria da esquina, nem no governo federal. Isso não existe. As previsões da Previdência daqui para a frente são ruins, não são boas.

Lembrando que o governo não produz nada. O governo só tira da sociedade para pagar contas que cada vez menos as pessoas concordam em pagar. As pessoas começam a se questionar por que estão pagando essas contas.

Então você vê um governo federal que tem R$ 1,3 trilhão de Orçamento e investe R$ 95 bilhões. É uma piada, porque o que restou é custeio. [Tem de] cortar pela metade, como qualquer empresa faria, qualquer pai de família faria, ou como qualquer padaria faria. É por aí que toca a banda.

O que espera de um novo ministro do Turismo?

O que eu espero de qualquer ministro nessa área específica é que, dada a natureza do serviço, só tente facilitar. Não precisa fazer nenhuma grande política nacional, mas facilite para que o turismo vá [para a frente]. Porque, se facilitar, o turismo vai cumprir o seu papel. Teremos cidades inteiras que vão viver de turismo. O turismo é um grande indutor de emprego.

Seria bom que ele fosse do ramo?

Não necessariamente, mas precisaria entender o poder de indução. Ele tem de entender que o turismo cria e distribui riqueza. O melhor Bolsa Família que existe é o turismo. Se você pegar todos aqueles caras que têm Bolsa Família e der um emprego no turismo, está resolvido o problema. É inacreditável o que o Brasil tem de destinos.

Que dicas daria para alguém que vai começar a construir uma carreira?

Uma dica importante e muito simples é escutar mais do que falar, porque você está aprendendo. A segunda dica é não se prender à sua opinião. A melhor opinião é a melhor opinião. Se ela é sua, boa. Se ela não é sua, inteligente é você segui-la.

Como é a sua relação com as companhias aéreas? Como avalia o serviço delas?

Eu já estive por 20 anos do lado de lá [trabalhando em companhia aérea]. É uma indústria bastante complexa, primeiro pela volumetria [quantidade de produtos oferecidos]. Segundo, o Brasil não é um país que possa se gabar de ter boa infraestrutura. Não temos aqui nenhum aeroporto com oito pistas, não há nenhum em que se encoste um avião e haja "finger" [ponte de embarque/desembarque] disponível e onde a bagagem consiga chegar rapidamente.

Depois, como qualquer empresa do Brasil, elas têm uma carga tributária louca. O Brasil é o único país que eu conheço que coloca imposto no combustível. Você não taxa logística por definição, porque logística é meio, e não fim.

Como é que resolve? Começando a fazer investimento em infraestrutura, tirando impostos de onde não fazem sentido.

Ainda assim, se você olhar o país [comparando] com o mundo, o Brasil é bem razoável no que ele presta. O brasileiro é crítico, mas isso é um pouco [característica] do brasileiro.

Como deve ser um bom governo?

Mesmo sem dinheiro, todos sonham com as férias

UOL - Como a crise econômica impactou a CVC? Mudou o hábito do turista brasileiro?

Luiz Eduardo Falco - Temos 50 anos, então já vimos de tudo: juros, dólar e inflação subindo e descendo muitas vezes. E vimos uma combinação dos três nessa última crise.

O cara sonha em viajar. Vem uma crise e ele perde o sonho? Não, ele continua com o sonho, mas perde o bolso.

Nossa função é tentar, de novo, acertar o sonho dele com o bolso que sobrou. Nós vamos correr atrás desse consumidor para que ele possa juntar o sonho com o bolso de novo.

Ninguém que entra em crise pensa que só vai viajar daqui a cinco anos. As pessoas entram em crise e dizem: estou sem dinheiro, mas, se eu pudesse, eu viajaria. Se você consegue realizar [o sonho], ele viaja. Claro que [viaja] mais economicamente, mas com conforto.

Houve mudança na procura por destinos mais baratos?

Acontece muito por causa do câmbio. Quando ele dá uma "estilingada" [dispara], a turma dá uma "sustada" para o exterior [deixa de viajar para fora]. Quando o câmbio volta [a cair], as pessoas voltam [a viajar para o exterior].

Isso acontece porque, se você prometeu para o seu filho que vai à Disney, você tem quase um passivo familiar. Claro que, se não der, você vai falar que não dá, mas vai tentar não falar isso. Se aparece um cara que o ajuda a não falar isso, você escuta, porque, se conseguir realizar aquilo, vai ser uma coisa bacana.

Ninguém volta de férias sem pensar nas próximas. É um negócio tão legal que você não quer mais parar de tirar férias.

Claro que todos têm as suas limitações, têm seus bolsos, mas, se há um agente para facilitar as férias, você vai tentar de tudo para manter esse cara com você.

Há muita inadimplência?

É muito baixa se você comparar com o mercado de consumo. É um mercado bem interessante, que permite uma previsibilidade bastante boa.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assustou o brasileiro?

Ninguém nem fala no Trump aqui. É capaz de fazermos um pacote para ir lá e ver onde é que o Trump mora, tirar uma selfie, colocar no Facebook e irmos embora. A verdade é que ninguém dá bola para o Trump no turismo.

Vamos entender: para os Estados Unidos, é muito bom chegar um turista lá, é quase uma exportação. Você vai lá e paga US$ 10 para tirar uma foto com o Mickey. Os EUA exportaram US$ 10 da imagem do Mickey. Então o Trump só pode ser a favor disso. Como ele vai ser contra? Agora o Mickey vai parar de faturar?

Crise faz brasileiro deixar de viajar?

As pessoas ainda precisam das agências de viagem

UOL - Hoje muitas empresas oferecem serviços só pela internet. Quando há um problema, o consumidor fica sem ter com quem falar. Como resolver?

Luiz Eduardo Falco - Cada consumidor escolhe onde comprar, mas o que vemos é uma divisão de produtos. Se quer ir passar um fim de semana no Rio, aperta lá dois botões e vai para o Rio. Mas se quiser uma viagem de 25 anos de casado com a mulher para o Taiti, é melhor pagar alguém para ajudar, porque você só vai uma vez na vida para o Taiti.

Na internet, uma em cada 500 pessoas [que consultam pacotes] compra. Na loja, é uma em cada dez. Então, a qualidade de informação que vem da loja não pode ser igualada com a da internet porque as taxas de conversão são muito diferentes.

Em números: 40% de clientes que entram em lojas e aceitam sugestão de viagem mudam o destino, porque é possível fazer melhor um "match" [combinação], o melhor custo-benefício para ele.

A pessoa entra lá com um destino escolhido, que pode ser mais caro, estar em época de chuva ou ter algum outro problema naquele período. Mas ele só tem aquele momento para tirar férias. Orientamos, mostramos que não é a melhor época e sugerimos outro destino. E as pessoas aceitam. Como vai fazer isso em um canal como a internet? Vai falar com quem? Isso gera frustração.

Como é o consumidor brasileiro em relação aos viajantes estrangeiros?

Ele não é muito diferente na concepção, mas diferente estruturalmente. Tem muito menos renda per capita e não fala inglês. E isso não é possível resolver. Então, é preciso proporcionar esse acesso de alguma maneira, tanto no crédito como nas explicações, nos serviços.

Quais são as tendências de produtos?

Produtos "all inclusive" [tudo incluso]. Navios e resorts estão virando "all inclusive", mas as pessoas querem isso também em produtos de experiência, como shows. Rock in Rio, por exemplo.

Você pode conseguir comprar o ingresso do show: esse é só o primeiro problema. Depois vêm outros: como é que nós vamos, que horas vamos sair? As empresas estão dispostas a fazer o seguinte: te pegar na sua casa, te levar para o show e te devolver na sua casa mesmo que você more em Juiz de Fora (MG).

As pessoas pagam um pouquinho a mais por isso. Elas só querem ver o show, e não ficar PhD em como se faz a logística perfeita.

Dá para conseguir na internet serviços de várias empresas para chegar ao que você está descrevendo. A agência física é mesmo necessária?

Acho que as pessoas buscam, sim, sozinhas a informação. Está tudo disponível. Mas na hora da compra... Você vai fazer uma coisa que tem cinco fornecedores diferentes, você pesquisa tudo, compra dos cinco fornecedores e começa a entrar num mundo nebuloso.

Chega às 4h da manhã ao aeroporto, a empresa de aluguel de carro só abre às 7h, mas você não sabia disso. Vai haver problema com sincronização, com reserva que não aparece lá. As pessoas buscam, sim, informação dessa forma, e continuarão buscando, mas elas querem se divertir nas férias, não ficar descobrindo as coisas.

Aos 20 anos, é uma delícia ir para um lugar e não saber como é que se escreve "banheiro". Aos 30 anos, você já fez isso e quer um pouco mais de serviço. Isso vale em todas as indústrias. Se alguém que conhece o produto puder fazer isso por você e não te custar mais nada por isso, por que você não faria?

E não custa?

Não custa porque a grande agência tem muita escala e atua em segmentos nos quais os fornecedores não atuam. Nós somos especializados no cliente que precisa de um pouco mais de serviço, financiamentos, orientações, sincronizações, mudanças de última hora [no caso de viagens corporativas].

As pessoas viajam mais hoje do que décadas atrás?

Muito mais. Os nossos pais tinham um sítio ou uma casa na praia, mas depois descobriram que isso era um problema. Ter uma casa na praia faz você ir sempre para o mesmo lugar. Antigamente, era a sua segunda casa.

E por que as pessoas estão trocando essa casa na praia pela viagem? Porque em vez de ir para um lugar só, vão para muitos outros, e isso é melhor.

É um mercado que cresce. Dou o exemplo do meu pai, que viajou para fora pela primeira vez aos 50 anos. A minha filha hoje tem 20 anos e conhece 30 países.

A internet proporcionou coisas muito legais, como inteligência, modelos matemáticos, [para entender] o comportamento do cliente. Podemos fazer segmentações para atingi-lo de uma maneira mais próxima do que ele está procurando.

Posso ter mil lojas e, se não tiver o produto que você quer, não vendo nada. Agora, se eu tenho o produto que você quer nas mil lojas, vendo bastante. E se eu tiver mil produtos em mil lojas, eu vendo muito mais.

Por que turistas procuram agências?

A CVC é assim:

  • Fundação

    1972

  • Funcionários diretos

    3.000

  • Unidades de atendimento

    CVC Brasil, Submarino Viagens, RexturAdvance, Experimento Intercâmbio Cultural, Trend e Visual Turismo

  • Vendas

    R$ 6 bilhões em reservas de viagem (1º semestre de 2018)

  • Faturamento

    R$ 10,2 bilhões (2017)

  • Lucro líquido

    R$ 250 milhões (2017)

  • Porcentagem de mercado dominada pela empresa

    16% do mercado de viagens a lazer, 29% do mercado de viagens corporativas e consolidadoras aéreas

  • Atendimento diário

    18 mil clientes

  • Franquia

    1.200 lojas

Tecnologia ajuda, mas não cria clientes

UOL - Como se usa inteligência artificial para atrair clientes?

Luiz Eduardo Falco - É um caminho que todo mundo está percorrendo, mas ele não é único. É um pedaço da modernidade. É possível separar os destinos por "clusters" [grupos], mas você precisa de outras informações e de inteligência para criar os produtos.

Vou dar um exemplo simples: o principal produto que se vende na loja da CVC em Boa Vista (RR) é um navio que sai da Venezuela. Mas por quê? O cara pega a caminhonete, vai até a Venezuela, pega o navio e sai. Se tentarmos vender Porto Seguro (BA) para esse cara, há baixa adesão porque Porto Seguro é longe "pra caramba" de Boa Vista. Se o cara quiser praia, há uma saída mais perto.

Por outro lado, se você vai a Minas Gerais e quer vender um navio saindo da Venezuela, vai ter baixa adesão. Se vender a praia de Cabo Frio (RJ) ou Porto Seguro (BA), vai ter alta adesão. Se quiser ter uma loja em Boa Vista e outra em Minas, você tem que ter dois produtos, porque, se tiver só um, um deles não vai vender.

Não é preciso uma inteligência artificial para descobrir que temos um "cluster" em Boa Vista. Mas, se começarmos a subdividir o "cluster" de Boa Vista, vamos precisar de uma inteligência para ajudar. Então o que quero dizer é que esse novo mundo nos complementa. 

Toda essa tecnologia que os varejistas usam é super bem-vinda, mas a tecnologia é meio, e não fim. Temos que entender tudo o que ela faz e pegar todas as informações disponíveis, mas ela não cria clientes. Ela cria informações, que você tem que "trabalhar' para 'fazer' um cliente.

Quando falamos do mundo virtual e do real, o senhor cita o exemplo da Amazon...

Estamos vendo as "high techs" [empresas de alta tecnologia] entrando para o [mundo] offline. Há vários exemplos, como a Amazon. O problema é que prestar serviço é diferente de vender produto.

Você quer comprar o batom número 32 do Boticário, chega em uma loja e pede o batom 32. Se a loja tem, o "match" é muito grande. A taxa de conversão [compra do produto] é gigante, porque você já sabe o que quer.

Quando é serviço, é um pouco mais "gasoso". Você quer ir para a praia, tirar férias, ir para a Disney. Não sabe se por quatro ou cinco dias, não sabe onde é que fica. Há quatro parques [na Disney], e você não sabe qual ingresso comprar.

Essas informações estão na internet, todo mundo olha, mas você só vai para a Disney levar o seu filho uma vez. Nós vamos todos os dias, mandamos mais de 300 pessoas para a Disney todos os dias. Temos as dicas que são legais para o seu perfil, que talvez seja diferente do perfil do próximo cliente.

Como as aquisições que a CVC fez nos últimos anos impactaram no crescimento?

No caso da Rextur Advance, que foi a primeira, ela é uma empresa que atende pequenos empresários, advogados... A Trend é uma equipe especializada em venda de quartos em hotéis corporativos. A Submarino é uma empresa que vende online. Essas aquisições são feitas em outros nichos de cliente, mas sempre com foco em viagem.

Não há perigo de a CVC se transformar num cartel e deixar o cliente sem opções?

Não, porque o mercado é gigantesco. O nosso "market share" [participação no mercado] é muito baixinho, muito mais pulverizado do que as pessoas imaginam. Então, não vemos nenhum problema nisso.

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