CLT é coisa do passado

Esquerda defende direitos, mas CLT não cabe mais, diz CEO da Sorvetes Rochinha

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação e Arte/UOL

Lupercio Fernandes de Moraes, CEO da Sorvetes Rochinha, tradicional marca do Estado de São Paulo, disse em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) ficou velha e não cabe mais no Brasil de hoje.

Ele afirma que a social-democracia na Europa se perdeu pelo excesso de leis e taxações nas relações de trabalho e aposentadoria e defende um modelo mais próximo ao do liberalismo americano.

Para ele, não existe sorvete brasileiro e não há uma cultura local de consumo como nos Estados Unidos e Europa. Por isso, a empresa busca ser referência de um sorvete com a cara do Brasil.

Moraes diz que o mercado está de olho nos consumidores de produtos saudáveis e veganos e considera o mundo "meritocrático" (reconhece e promove as pessoas por merecimento).

Ouça a íntegra da entrevista com o CEO da Sorvetes Rochinha, Lupercio Fernandes de Moraes, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir à entrevista em vídeo com o executivo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto dos destaques da conversa.

É maluquice se apegar a dogmas de leis trabalhistas de 50 anos

UOL - O que ainda precisa melhorar na reforma trabalhista e qual sua opinião sobre os direitos conquistados?

Lupercio Fernandes de Moraes - O mundo mudou demais. É uma maluquice ficar pensando em dogmas de 50 anos atrás. A expectativa de vida aumentou. A mesma coisa acontece com a questão do emprego formal. Os ativistas de esquerda continuam discutindo sobre essa questão dos direitos fundamentais ou adquiridos, como se nós morássemos em um país em que 70% da população economicamente ativa trabalhasse em emprego formal.

Desta forma, seria justo discutirmos. Estaríamos funcionando bem, o fluxo econômico estaria bom, teríamos uma grande classe média e não vamos tirar dinheiro dessas pessoas. Mas não é assim. Há uma minoria trabalhando em emprego formal e, cada vez mais, uma maioria que não está nem procurando emprego porque já desistiu oficialmente.

Há uma parcela que não se adapta mais ao emprego formal porque, na informalidade, consegue uma renda legal, com maior flexibilidade. Pergunte para um camelô ou um vendedor de sorvete na praia se ele quer um emprego formal.

Um exemplo é a massa de trabalhadores de aplicativos de entrega ou de transporte. Se eles forem CLT, acabou a relação, porque a maioria quer trabalhar com flexibilidade. A CLT não preconiza isso. Quando você registra pela CLT são oito horas contínuas no trabalho e você começa a gerar um problema que ninguém quer. Claro que precisa haver uma melhoria contínua das relações de trabalho, mas a CLT não cabe mais, ela ficou velha.

A maioria dos informais não quer ou não tem oportunidade de emprego?

Não tenho este tipo de relação de trabalho na minha empresa, mas vou falar a minha opinião. A única relação temporária que existe na empresa, ligada aos nossos distribuidores, são os vendedores de praia que vendem só no verão.

Muitos vêm do Nordeste para passar quatro meses aqui e voltar depois. Levam o dinheiro do ano para a família. Eles não querem ser contratados, então há uma relação de MEI para que eles possam assinar como autônomos. As prefeituras entendem que é uma relação de autônomo.

Este trabalhador não quer ter um emprego formal. Ele quer gerir aquele próprio negócio que é o carrinho no verão. Eles dependem do sol, da chuva. Como você coloca isso na CLT? É impossível. Obviamente, quando você não tem direitos trabalhistas como autônomo, é preciso organizar a vida, recolher o MEI, ter uma previdência privada.

Em países evoluídos, isso é normal, mas não com os social-democratas dos governos europeus, que estão pagando uma conta monstruosa agora. Eu sou simpático às sociais-democracias, mas penso que se perderam em algumas questões. Uma delas é o excesso de regulação e de taxação em cima das relações de trabalho e aposentadoria.

Os países da Europa quase todos quebraram nas últimas décadas. Precisamos pensar em desregular mais para o modelo do liberalismo americano, no qual o trabalhador que trabalha três horas em uma lanchonete, depois quatro na outra, organiza a sua vida e consegue ter um padrão de classe média digno.

Qual o maior desafio do segmento de alimentação em relação à carga tributária?

A principal questão da reforma tributária é acabar com a guerra fiscal entre Estados. Especificamente no nosso setor tem um agravante que é a substituição tributária baseada em uma tabela de preços sugerida ao consumidor. Acredite se quiser, mas o setor de sorvetes está no tempo da Tabela Fipe. Os jovens não têm a menor ideia do que eu estou falando. É um negócio bem antigo, quando o governo regulava os preços dos produtos.

As grandes marcas do nosso setor têm preço regulado pelo governo do Estado de São Paulo, por exemplo. Eu sou obrigado a entregar duas vezes por ano ao governo uma tabela de preço sugerido para que o varejo possa vender ao consumidor. Desta forma, eu recolho impostos antecipadamente por toda a cadeia.

Em um ano como este, de pandemia, em que tivemos uma inadimplência recorde, eu recolho por todas as padarias e supermercados, até aqueles que eu vendi e não me pagaram. Antecipei o imposto de uma empresa que vendeu o meu produto e não me pagou. A padaria fica totalmente isenta de qualquer responsabilidade. Não há fluxo de caixa que suporte isso.

São invenções criadas em cima deste tributo cruel que é o ICMS [Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. Precisamos de uma política igualitária de ICMS em todo o país. Sem falar dos outros [impostos]. Você recolhe todos os impostos e ainda corre o risco de ser acusado de ter recolhido errado. É uma confusão que não tem fim.

Há também as empresas à margem do sistema. Na indústria de sorvetes no Brasil, calcula-se que existam mais ou menos 1.100 empresas, destas 100 são empresas de pequeno, médio e grande porte. O restante são empresas à margem de qualquer sistema tributário. O Estado fiscaliza 100 que representam 70% do faturamento do mercado e você vive uma situação de competitividade muito complicada.

A Sorvetes Rochinha é assim:

  • Fundação

    1982

  • Funcionários

    100 diretos e mais de 500 indiretos

  • Pontos de venda

    3.000 (SP, PR e SC)

  • Franquias

    23

  • Principais concorrentes

    Kibon e Bacio di Latte

  • Ações durante a pandemia

    Rochinha Sem Fome arrecadou 300 toneladas de alimentos que foram trocadas por sorvetes em São Paulo e Curitiba

Não existe sorvete brasileiro

UOL - O sorvete no Brasil é caro?

Lupercio Fernandes de Moraes - Não. O que acontece é que aqui o sorvete está vinculado a alguns momentos de consumo. Nunca entrou na cultura da casa brasileira. Você não se lembra de nenhuma marca de infância de sorvete brasileiro, com cara de brasileiro. O Brasil não é a terra do sorvete.

Você pode até falar que quando era criança se lembra muito do sorvete da Kibon, mas ela não é uma empresa brasileira. Este tipo de sorvete tem em qualquer lugar do mundo. Eu acabei de vir da Rússia e é igualzinho, no Japão, em Portugal. Há alguns produtos alinhados com a cultura nacional, mas a grande maioria é sorvetes mundiais.

A Itália é a referência mundial de sorvete e exporta modelo para o mundo todo. Uma parte das empresas copia a forma de se produzir da Itália e outra parte do mundo copia a forma de produzir dos Estados Unidos, que são os sorvetes com crocâncias -muito carregados de chocolate, extremamente indulgentes, com marshmallow, caramelo.

Não existe o sorvete brasileiro. Nós somos uma marca extremamente brasileira e nos posicionamos claramente assim. Buscamos esse caminho de ter um sorvete com a cara do Brasil, o sorvete que você tomava na sorveteria da praça do interior onde morava a avó, produzido artesanalmente, com pedaços de coco, frutas e chocolate.

Temos uma oportunidade fantástica porque o consumidor nos percebe como marca brasileira, natural, da família, que faz parte das histórias legais. Não queremos nos vincular a nenhum tipo de onda de sorvete, nem americana, nem mexicana, muito menos italiana. Lançamos recentemente sorvetes com frutas da Mata Atlântica, apoiando pequenos produtores familiares, dando ao consumidor a oportunidade de conhecer frutas que ele nunca viu na vida dele.

A Mata Atlântica vem sendo castigada há muito tempo. Apoiamos não só produtores, mas os transformadores de frutas em geleias.

A Rochinha nasceu no litoral de São Paulo. Quais são os planos de expansão?

Estamos no Paraná e, em Santa Catarina, entramos em todas as praias este ano. Vamos também fortalecer muito a nossa posição na capital paulista e expandir bastante a rede de franquias que hoje possui 23 lojas. Queremos ir para o interior de São Paulo e cravar a nossa bandeira nesses polos de consumo onde ainda não estamos presentes. Somos a quinta maior empresa de sorvetes do Brasil, atuando principalmente em São Paulo.

Quais são os planos da Rochinha para 2021? Como vocês estão enfrentando a pandemia?

A Rochinha vem crescendo nos últimos tempos a uma taxa de 25% ao ano. Quando compramos a empresa, bem na época do impeachment da Dilma [Rousseff, em agosto de 2016], pegamos uma crise enorme, mas a marca tinha uma oportunidade de crescimento tão grande que, mesmo com o mercado em retração, conseguimos crescer de uma maneira bastante vigorosa.

No ano passado, também tínhamos uma meta para crescer 25% e obviamente não conseguimos, mas crescemos 2% mesmo diante dessa crise. Este ano, estamos fazendo uma revisão do primeiro semestre porque, até que a vacinação se consolide, vamos ter situações de retração de consumo, com prefeituras mudando as fases de abertura dos negócios.

Pretendemos crescer na casa dos dois dígitos neste ano de novo. Estamos muito otimistas, fundamentalmente na praça da grande São Paulo e todo o interior de São Paulo. Vamos compensar este primeiro semestre diluindo nos próximos dois anos e meio.

Sorvete é luxo para os mais pobres

UOL - Durante a pandemia, houve alguma mudança no comportamento do consumidor?

Lupercio Fernandes de Moraes - É pouco tempo para avaliar esse tipo de comportamento. O que houve na pandemia foi uma mudança de canal de compra. O que era feito no varejo físico passou para o online. Mas a compra online, dependendo do segmento, como é o nosso caso, não compensa nem de longe as vendas.

Eu preciso do mundo físico porque a minha categoria está no inconsciente coletivo no mundo físico.

No Brasil, temos [um consumo de] 5,5 litros de sorvete per capita contra 20 litros nos Estados Unidos, 22 litros nos países nórdicos, 18 litros na Itália. É um mercado que ainda engatinha nos volumes. O sorvete no Brasil está muito vinculado à praia.

Nos últimos 15 anos, o consumo per capita saiu de 3,5 litros para 5,5 litros porque 30 milhões de pessoas saíram da classe D para C. O sorvete passou a entrar na cesta de consumo dessas famílias, assim como o creme de barbear, iogurte, até o segundo governo Lula [Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de 2003 a 2011]. Depois disso, estagnou o consumo de sorvete no Brasil. O sorvete acaba sendo um luxo para a classe mais pobre.

Quais são as mudanças no comportamento do consumidor nos últimos anos?

Nestes últimos anos, fundamentalmente, o que vem mudando é o hábito de alimentação saudável. Há sinalizações, uma ainda embrionária, mas que a indústria está olhando, que é a questão do veganismo. Essa é uma questão mais conceitual, mas que acaba se tornando uma consequência alimentar.

Uma outra questão é a saudabilidade. O mercado alimentar vem evoluindo muito forte, até por uma questão regulatória, com mais informações nos rótulos.

A Rochinha possui esse conceito de saudável?

A Rochinha é uma empresa que tem 38 anos e sempre produziu picolés de fruta natural. Esse sempre foi o modelo de negócios da empresa. Durante 25 anos, a família proprietária [José e Rosalinha Lopes] tinha como canal de distribuição somente as praias do litoral de São Paulo. Era um produto de praia feito de maneira artesanal com fruta.

Uma das razões que adquirimos a empresa foi justamente porque carregava esses atributos na sua marca: era vista pelo consumidor de alta renda como uma marca de produto saudável, de fruta pura, que tinha uma memória afetiva enorme com os consumidores.

Desenvolvemos linhas vegana, zero açúcar. A maior razão da compra da empresa talvez tenha sido porque ela já tinha esses valores, e esse é o caminho que o mercado está trilhando sem dúvida nenhuma.

O consumidor da Rochinha, que comprava o picolé na praia, não estranhou essa mudança para um mercado mais premium?

Esse é o barato da história. Rochinha é um caso de uma família lutadora, que "ralou" para construir o patrimônio que construiu, que fez a primeira expansão da marca com todos os méritos de maneira absolutamente empírica. Era uma sorveteria popular do bairro, como eram todas, mas estava em um território altamente sofisticado.

Nasceu no litoral norte de São Paulo, um dos balneários mais sofisticados do Estado. O primeiro foi o Guarujá nos anos 50, 60. Nos anos 90, surgiu o litoral norte que ninguém conhecia Juqueí, Maresias, Camburi, Baleia. Quando as pessoas começaram a frequentar, o Rochinha estava lá, com um carrinho na praia, com uma embalagem simples, mas com um sorvete cheio de coco, abacate feito com abacate, milho verde feito com milho verde, limão com limão espremido.

A família não tinha essa noção clara de que estavam vendendo cada vez mais para o turista que chegava de helicóptero na praia da Baleia. Essa é a memória dos clientes da Rochinha. Eu tenho 53 anos. A primeira vez que fui para lá tinha 17, para surfar com os amigos. Depois eu casei e minhas filhas cresceram comendo Rochinha.

Eu tenho que ter um posicionamento de saudabilidade, sustentar aquela emoção da praia. Só que esse produto quando entra em escala é mais caro do que o da concorrência.

Qual é a produção da Rochinha?

Mais ou menos 50 mil litros de sorvete por mês.

Qual o seu sabor favorito do Rochinha?

É segredo. O sabor que mais vende é o de coco. É a alma da marca. Temos cinco sabores com coco.

Divulgação Divulgação

[O sorvete] nunca entrou na cultura da casa brasileira. Você não lembra de nenhuma marca de infância de sorvete brasileiro, com cara de brasileiro. O Brasil não é a terra do sorvete. Você pode até falar que quando era criança se lembra muito do sorvete da Kibon, mas ela não é uma empresa brasileira.

Lupercio Fernandes de Moraes, CEO da Sorvetes Rochinha

O mundo é meritocrático

UOL - O senhor veio de uma família pobre, mas teve acesso à educação. Como melhorar a educação no Brasil?

Lupercio Fernandes de Moraes - Entendo que, se não qualificar as pessoas, não haverá igualdade de oportunidades. É preciso ajudar as pessoas a chegar em uma situação de igualdade o mais rápido possível. O mundo real é meritocrático.

Se nós queremos ter cada vez mais negros, pessoas de baixa renda, mulheres em cargos de liderança, essas pessoas precisam estar preparadas. Não temos tamanho para criar programas complexos para minorias, mas somos uma empresa extremamente amigável. Dos meus 15 líderes, 70% são mulheres.

Empresas do tamanho da nossa devem fazer isso de maneira espontânea, orientando a área de recursos humanos a pensar de maneira plural. Se cada empresa fizer isso, não precisa ficar fazer algo complexo.

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