UOL - Quais foram os principais aprendizados na pandemia?
Marcelo Oromendia - Tivemos muitos aprendizados. Assim como na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais, o aprendizado para a humanidade foi que não poderíamos continuar sem bancos de sangue, agora aprendemos que não podemos continuar sem banco de máscaras.
Os chineses e os europeus começam a falar de "stockpile", que é ter máscaras armazenadas em grande quantidade em lugares diferentes, como hospitais, laboratórios, governos, empresas, apenas aguardando para a próxima situação. Não tenho nenhuma dúvida -e quem fala é a Organização Mundial da Saúde- de que vamos ter outras pandemias.
Espero que os governantes e as empresas aprendam que é preciso manter um "stockpile". Este é o momento porque temos máscaras disponíveis, não precisamos importar ou fazer loucuras para adquirir.
A beleza é que as máscaras não têm data de vencimento. É uma decisão política, mas também uma decisão pessoal das empresas.
Que setores da empresa foram mais impactados em 2020?
Temos presença em quase todos os países do mundo, com subsidiárias em 65 países. Quando a pandemia chegou ao Brasil, estávamos preparados porque conhecíamos o enredo do filme. Começou na China, quando tivemos o primeiro impacto, seguiu para Sudeste Asiático, Japão, Coreia, Tailândia, depois Europa, Estados Unidos e Brasil.
Em janeiro, quando ninguém falava da pandemia aqui, eu cheguei da China com o desafio de criar um comitê de crise e definir as nossas prioridades.
Identificamos duas prioridades críticas: proteger nossos funcionários e a cadeia de fornecimento para proteger os clientes. Isso foi um golaço. Imediatamente, antes da imposição da quarentena, fizemos mudanças nas fábricas, como distanciamento de pessoas, aumento da produção de respiradores e máscaras N95 —somos líderes mundiais de N95— e nos preparamos para enviar 1.500 funcionários para casa.
Abastecemos a cadeia de produção com matérias-primas. Sabíamos que as fitas de empacotamento seriam muito procuradas por causa do e-commerce.
Mais de 80% das caixas no Brasil são fechadas com fitas 3M. A fabricação das nossas fitas em Manaus [AM] e Itapetininga [SP] disparou, mas tínhamos as matérias-primas para fornecer isso.
Isso aconteceu também com esponjas, materiais de limpeza. As pessoas que antes compravam Scotch Brite só para limpar mudaram o conceito e passaram a comprar para proteger a família.
Por que então faltaram máscaras no mercado brasileiro?
Para montar uma fábrica de máscaras, são necessários cerca de 18 meses e muitos milhões de dólares. Com pequenas modificações, com inovação, criatividade e com mais funcionários, triplicamos a nossa produção. Não foi suficiente? Claro que não foi suficiente.
Imagine que convido você para ir jantar em casa com a sua família, sem pandemia. E você aceita. Em cima da hora, você pede para levar os vizinhos, e eu aceito. Porém, você chega com todo o seu condomínio, com 500 famílias. Não tenho a capacidade de alimentar tanta gente, nem sequer com petiscos.
Foi isso que aconteceu aqui com as máscaras. A demanda aumentou 20 vezes, e é impossível atender por mais que a fábrica esteja esperando. Nós triplicamos, mas aumentou muito mais. Isso foi uma dor porque foi totalmente impossível de prever.
O governo de São Paulo confiscou produtos da 3M no auge da pandemia. É uma atitude justificável?
Essa é a primeira pandemia da minha vida e deve ser a primeira na vida dos governadores, governantes e de todos os políticos. Só não é a primeira pandemia para a 3M. Com seus quase 120 anos, a empresa passou pela gripe espanhola.
A 3M esteve disponível desde o primeiro dia porque sabíamos o que estava acontecendo no mundo inteiro, principalmente o que já tinha acontecido na China. Conversamos e disponibilizamos os números da nossa produção tanto para o governo federal como para os governos estaduais.
As primeiras semanas foram de pânico. Todo mundo saiu para comprar tudo porque parecia que o final do mundo estava chegando. Imagino que o mesmo tenha acontecido nas áreas governamentais. Por boa intenção, os governantes tentaram proteger a população dos estados que governam.
No caso do estado de São Paulo, tínhamos uma licitação. Em contato direto com o governador, 72 horas antes [do confisco], ele me pediu para incrementar a compra em meio milhão de máscaras. Dissemos a ele que podíamos. Não alteramos nenhum preço desde o início da pandemia até agora. Nem mesmo os respiradores, apesar de o dólar ter subido.
Surpreendentemente, 72 horas depois, tivemos o confisco com a presença de sete canais de televisão. Uma situação desagradável, até porque em nossa fábrica tínhamos 450 mil máscaras prontas para serem enviadas a Brasília. Um pedido do Ministério da Saúde, cujo titular era o ministro [Luiz Henrique] Mandetta. Todos aprendemos com essa pandemia. Os governos também. A prova é que não houve mais confiscos depois disso.
O Brasil está preparado em recursos de saúde para outras ondas do coronavírus?
Estamos preparados. Nossas fábricas do Brasil produzem três vezes mais do que quando começou a pandemia. É importante, porém, fazer os estoques, mas a decisão é de nossos clientes, sejam públicos ou privados. Muitas instituições de saúde, principalmente as privadas, estão preparando seus estoques.
Agora se a demanda crescer 500% ou 5.000%, vamos ter que importar. Sabemos o que acontece, as fronteiras fecham, a demanda é enorme. O aprendizado existe.