Franquia do jeito errado

Franqueado brasileiro age como empregado, e não como dono, diz criador da OakBerry

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Arte/UOL
Marcelo Justo/UOL

O Brasil é um dos maiores mercados de franquia do mundo, mas o franqueado brasileiro ainda age mais como empregado do que empreendedor, diz Georgios Frangulis, 31, fundador e CEO da OakBerry, uma rede de fast food de alimentação saudável, em entrevista na série UOL Líderes. O modelo de franquia no Brasil foi pensado de um jeito certo, mas executado de forma não ideal, diz Frangulis.

Sua família tem uma história pessoal difícil: a avó foi obrigada a se tornar uma soldado nazista. O avô era um grego aliado, que lutou contra os nazistas na Segunda Guerra.

Frangulis expandiu seu negócio para Europa, Estados Unidos, países árabes, Austrália e neste ano quer conquistar a China. Para melhorar o ambiente empreendedor no Brasil, afirma que os impostos deveriam ser cobrados sobre o rendimento efetivo, e não sobre o consumo.

Franqueado tem relação de empregado com franqueador

Ouça a íntegra da entrevista com o CEO da OakBerry, Georgios Frangulis, no podcast UOL Líderes. A entrevista completa em vídeo com o executivo está disponível no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto.

Franquia não é emprego

UOL - A OakBerry tem mais de 170 franquias no Brasil. Como é a relação do franqueador com o franqueado brasileiro? É mais de empregado ou de empreendedor?

Georgios Frangulis - O mercado de franquia é muito novo ainda no Brasil e ele foi pensado do jeito certo, mas executado de um jeito, talvez, que não seja o ideal, justamente por existir um posicionamento de empregado e empregador.

Acredito que a pessoa precise estar feliz trabalhando no negócio dele que carrega uma marca de uma empresa terceira. Mas ele precisa tomar conta da gestão, trabalhar como patrão, como gerente, e ter certeza de que está tudo funcionando da maneira que o público espera.

Caso contrário, não vai ter sucesso, mesmo tendo uma cadeia de fornecimento garantida, preço negociado, marketing, marca, todo um leque de produtos predefinidos e pré-aprovados pelo público.

Se não começarmos a ensinar que é ele quem tem as rédeas da situação, esse relacionamento vai continuar dessa forma de empregador-empregado para sempre. Isso é ruim. Nós sofremos, o franqueado também sofre, porque chega preparado para uma coisa, e isso acaba não sendo a verdade.

O que é "OakBerry"?

Não é nada. "OakBerry" não existe. "Oak" é carvalho em inglês, e "berry" é fruto pequeno. O carvalho não dá fruta, então não existe "OakBerry". Mas, quando começamos a estudar, vimos que o carvalho, para o americano, tem um sentido de energia, de confiança, de robustez.

Há bancos, fundos de investimento, ruas, cidades que têm "oak" como prefixo ou sufixo. E o "berry" foi para trazer imediatamente na cabeça do cliente que estamos falando de algo natural, de fruta.

Como nasceu a empresa?

Logo depois que eu me formei na faculdade (direito), em 2013, vi que o mercado no Brasil estava travado. Os Estados Unidos tinham acabado de passar por uma crise, o dólar estava em um valor confortável comparado ao real.

Tentei, mas não consegui trabalhar nos Estados Unidos. Em 2014, o dólar começou a dar uma estilingada, e as contas que eu tinha feito para conseguir construir alguma coisa nos Estados Unidos, acabaram dobrando de preço. Saí de Miami e fui para a Califórnia para olhar o mercado de uma forma mais aberta.

Na Califórnia, fiz um laboratório. Ficava sentado em um banco durante dias vendo as coisas acontecerem. Senti que havia uma grande dificuldade para se alimentar de uma forma saudável, que coubesse no bolso e que fosse rápido, padronizado (fast-food).

Havia apenas dois lugares com alimentação saudável: um vendia salada e outro vendia tigelas de superfood, superalimentos. Esse último tinha uma loja legal, bonita, mas cara, demorada, e um produto pouco padronizado e ruim. O outro não tinha uma loja tão legal, mas tinha preço justo.

Pensei: "Se eu unir essas duas coisas, pode ser que eu tenha um negócio interessante". Daí comecei a desenhar o modelo para tentar atender todas essas quinas e modular alguma coisa que fosse plausível.

Qual é o maior desafio hoje do segmento de alimentação no Brasil?

O maior desafio talvez seja transformar a alimentação saudável em algo que vai nortear o relacionamento das pessoas com comida. Há várias ondas que acontecem e que somem, e a alimentação saudável foi considerada por muita gente uma onda passageira.

Precisamos criar e fortalecer marcas de tal forma que consigam se apropriar desse novo conceito de vida, de alimentação.

Como é o panorama no mercado europeu?

O mercado europeu é bem diferente de todos os outros. Na verdade, são vários minimercados dentro da Europa. Hoje estamos na Espanha (Barcelona e Madri) e em Portugal (Lisboa). Portugal é um país estável. O consumidor sabe exatamente quanto custam as coisas.

A Espanha é um mercado um pouco mais complexo, maior, mas que nos últimos anos teve uma recessão muito forte. É um mercado que está amadurecendo de uma forma rápida, mas quase sempre vai ser menos lucrativo para o empresário, porque ele vai ter que entregar um grande serviço com custo baixo.

E a Austrália?

Temos três unidades em Sydney. Austrália é uma loucura. É um público ultrapreparado para o nosso produto. O público foi muito receptivo e captou a mensagem muito rápido. A Austrália é um país grande em território, pequeno em população, mas 100% desses habitantes têm capacidade financeira para comprar um "OakBerry".

No Brasil, a grande maioria da população, infelizmente, não tem como comprar alguma coisa no shopping center que custe R$ 20.

Quem é o público mais exigente em relação à qualidade o açaí?

Hoje cada vez mais parecido. O Brasil é muito grande também. São Paulo é uma exceção porque estamos acostumados com a qualidade do serviço. Talvez o público americano seja um público hoje mais fácil de fidelizar, mas mais difícil de converter em venda a primeira vez.

A OakBerry é assim

  • Fundação

    2016

  • Funcionários

    750

  • Empregos indiretos

    1.500

  • Clientes

    450 mil/mês

  • Unidades franqueadas

    175 (Brasil) e 12 (exterior)

  • Faturamento (2018)

    R$ 30 milhões

  • Previsão de faturamento (2019)

    R$ 90 milhões

Biodegradável é caro

UOL - Qual a sua opinião a respeito da Lei dos Plásticos e como vocês estão se adaptando?

Georgios Frangulis - Eu sou contra [a lei]. Estamos muito atrás dos países que estão fazendo isso com sucesso. Aqui você paga mais imposto para comprar um copo de plástico biodegradável do que para comprar um copo de plástico comum. Isso acaba penalizando o empresário. E quando se fala de empresário, ficamos imaginando o megaempresário rico, que está rindo com o copo de plástico na mão e tartaruga com canudo no nariz.

Na verdade, não é esse cara. É o tiozinho que está na esquina vendendo o brigadeiro ou o café com copo que tem de ser biodegradável. Isso pode inviabilizar a maneira como ele trabalha porque a margem é muito pequena.

Na Austrália, por exemplo, usamos copo biodegradável porque custa o mesmo preço do copo normal. Tentar forçar a barra sem dar possibilidade vai acabar estourando no colo do consumidor, que é quem vai ter que pagar mais caro nos produtos.

E como funciona hoje a logística reversa na empresa?

Na verdade, temos um selo chamado "Eu reciclo". Compramos créditos de reutilização, de reciclagem de plástico. É claro que não é exatamente o copo de OakBerry que está sendo reciclado, mas garantimos que uma quantidade equivalente ao que a gente produziu de plástico está sendo reciclada e reutilizada a todo o tempo, permanentemente.

Marcelo Justo/UOL Marcelo Justo/UOL

Eu sou contra [a lei dos plásticos]. Aqui você paga mais imposto para comprar um copo de plástico biodegradável do que para comprar um copo de plástico comum. Isso acaba penalizando o empresário. Vai acabar estourando no colo do consumidor, que é quem vai ter que pagar mais caro nos produtos.

Georgios Frangulis

Açaí é comida ou sobremesa?

UOL - Na sua opinião, comemos melhor hoje do que os nossos pais e os nossos avós?

Georgios Frangulis - Difícil de responder. Eu acredito que comemos melhor, mas ao mesmo tempo há vários processos industriais que antes eram, talvez, menos nocivos. Mas hoje você consegue saber um pouco mais se aquele alimento é orgânico ou não, teve agrotóxico ou não, se ele é tem glúten ou não.

Não sei se comemos de forma mais saudável que eles, mas pelo menos achamos que estamos escolhendo melhor.

O açaí é um superfood ou é uma sobremesa?

O açaí é tudo. Eu não coloco rótulo nem no açaí nem no público. Para mim, todo mundo que está na rua e que tem R$ 20 no bolso é meu consumidor. Para mim, açaí cabe como café da manhã, como almoço, como jantar, como sobremesa, como lanche, e ele é essencialmente um superfood.

Mas o estereótipo da sobremesa já foi um problema para nós porque o açaí ou era tratado como sobremesa, como se fosse um sabor de sorvete, ou ele era tratado como um alimento para quem é lutador de jiu-jítsu ou surfista.

Queríamos quebrar esses paradigmas, tirar esses estereótipos. Tivemos que construir um negócio que tivesse justamente a marca como a coisa mais importante. Ele está comprando um "OakBerry" e não um açaí. Conseguimos transformar a marca em um player de alimentação que funciona muito bem no almoço, que funciona no café da manhã, mas que pode funcionar como sobremesa também.

Essa percepção de sobremesa também funciona em outros países?

Fora do Brasil ninguém nem imagina açaí como sobremesa. Porque o açaí surgiu como um superfood fora do Brasil, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e na Austrália. Ele é diretamente relacionado como um alimento ou um substituto do almoço ou um lanche importante da tarde ou jantar.

Brasileiros e estrangeiros comem o mesmo açaí da OakBerry?

Tem algumas diferenças de receitas, mas para a adaptação do paladar local, mas é o mesmo açaí.

E quais são essas diferenças de paladar?

Para ser prático, produto exportação é menos doce.

O brasileiro gosta de mais doce...

Gosta. E está acostumado com o açaí doce. A minha preferência pessoal é o produto exportação.

Imposto para quem ganha mais

UOL - O que a reforma tributária deve contemplar?

Georgios Frangulis - Acredito que o principal é conseguir desvincular o consumo da cobrança de imposto, porque é isso que acaba fazendo o mais pobre pagar mais imposto. Pagamos imposto quando compramos água, supermercado, combustível.

O imposto deve ser cobrado em cima do teu rendimento efetivo porque hoje, na verdade, não pagamos Imposto de Renda. Pagamos imposto de faturamento. Independente de quanto você ganhe e de quanto você gaste, você paga pelo que você ganha, com descontos que são irrisórios.

Se conseguirmos desvincular o consumo de ser o maior gerador de imposto no Brasil, aí sim a desigualdade começa a baixar de uma forma automática, porque quem ganha mais e lucra mais paga mais.

Se houvesse uma diminuição da carga tributária, o cliente da OakBerry pagaria menos pelo produto?

Pagaria. Nós colocamos todos os impostos que todo mundo pagou nessa cadeia. O primeiro o fornecedor comprou do ribeirinho. Ele vendeu para alguém que vai trazer isso para outro Estado e vai processar. Pagou imposto de novo. Eu, quando comprar, vou pagar imposto de novo, eu ou meu franqueado. E o consumidor mais uma vez, justamente porque está baseado no consumo.

Então, a carga tributária em cima do faturamento da empresa é de 15%, mas a margem de lucro seria quase 50% maior, se tivéssemos o imposto só na última linha.

Como é que a política interfere nos negócios?

Diretamente. A política interfere no psicológico de todo mundo. Às vezes, por achar que o negócio não está tão bom, a pessoa deixa de sair de casa para ir ao shopping, prefere cozinhar a sair para comer.

Acredito que o Estado deve se concentrar no que ele precisa fazer em segurança pública, em saneamento básico, em educação, e o resto deixa que a gente se vira.

Acredito muito na boa vontade das pessoas para fazer o mercado se autorregular, se autocontrolar. Quanto mais a política estiver caminhando para esse lado, melhor vai ser para o empreendedor e, consequentemente, para o empregado e para o Estado, que vai acabar recebendo mais impostos.

Quais são as vantagens e desvantagens do mercado brasileiro em relação a outros países?

Os Estados Unidos são um país pró-business, ultraliberal no sentido de empurrar o empreendedor abrir empresa e começar a trabalhar de forma rápida, mas ao mesmo tempo é um país que tem uma concorrência muito forte, muito acirrada.

No Brasil, o inverso é verdadeiro. Temos muita coisa melhorando. O poder público começou a dar um pouco mais de valor para a pequena e microempresa. As relações trabalhistas estão um pouco mais flexíveis.

Mas, de outro lado, temos uma insegurança jurídica fiscal muito grande. Você não sabe efetivamente quanto você deve, quanto você paga e quanto é o imposto para cada etapa. Ninguém sabe isso no Brasil. Por isso, a figura do contador aqui é algo tão necessária, nem ele sabe direito o que ele está te mandando pagar.

Outra desvantagem que temos é justamente a quantidade de fornecedores, quase que oligopólio na grande maioria dos mercados de commodities, e você acaba ficando refém de preços que são controlados por poucas empresas.

Algum país novo para expansão do negócio?

Estamos nos Estados Unidos, na Europa (Espanha e Portugal), na Austrália e nos Emirados Árabes -em Dubai temos duas lojas e mais duas para inaugurar. Devemos inaugurar Arábia Saudita e no Peru temos uma loja também. Tudo indica que chegaremos à Ásia no final do ano também.

O que vocês esperam do mercado asiático?

Espero muito da China. É um país talvez um pouco como o mundo árabe. Está pronto para receber os players ocidentais de uma forma mais fácil, mais prática. Esse trabalho já foi feito pelas grandes redes americanas nos últimos 10, 15 anos, na China. Starbucks, por exemplo, que sofreu para entrar, conseguiu agora e está "sitiando" o país de café, e o chinês não tomava café.

O chinês é um povo que toma chá, e eles conseguiram converter. E conseguiram converter cobrando caro, servindo um produto que talvez não seja o melhor que está disponível no mercado. Eles conseguiram passar o que é a marca, o que é a experiência Starbucks.

Sua ascendência é de gregos, judeus, austríacos. Existe muita polarização política?

Legal essa relação. Na verdade, as pessoas são muito próximas, e elas se amam, mas se você não parar para pensar pode deixar a política, por exemplo, se tornar um problema.

Minha avó era uma soldado nazista, forçada a ser soldado porque mataram o pai e falaram: "Você tem 16 anos, ou você vem com a gente ou você vai com ele. O que você prefere?".

E meu avô era soldado grego aliado. Foi preso na Áustria e conheceu minha avó quando estava preso na Áustria. Loucura. Fugiu com US$ 5 no bolso e um filho recém-nascido para o Rio de Janeiro.

Eu pelo menos faço esse exercício para não me deixar levar por nenhum tipo de furor político em nenhum momento.

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