Menos custo e mais ambiente

Brasil precisa cortar custos e emissão de carbono para transformar indústria, diz chefe da Toyota

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação/Arte UOL
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Rafael Chang, presidente da Toyota do Brasil, diz, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, que o Brasil precisa cortar custos e a emissão de carbono para transformar a indústria. "Olhando para o futuro, a questão do carbono neutro é uma variável que precisa entrar nas discussões das políticas de Estado porque é algo transversal", afirma.

Segundo o chefe da Toyota, se a reforma tributária não discutir a alocação de recursos para atingir o carbono neutro, possivelmente "vamos ficar com um pacote que se esgotará no curto prazo". Além disso, Chang defende uma reforma que simplifique o sistema tributário brasileiro, reduzindo o custo Brasil.

Peruano e filho de pais chineses e japoneses, o CEO da Toyota é responsável também pela fábrica na Venezuela. Na entrevista, ele fala da necessidade de uma definição da futura matriz energética, do apagão de matéria-prima e do alto preço dos veículos.

Reduzir o custo Brasil

Ouça a íntegra da entrevista com Rafael Chang, presidente da Toyota do Brasil, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Prioridades: impostos, custos e emissão de carbono

UOL - O ministro Paulo Guedes pediu que os empresários apoiassem a proposta de reforma do governo, inclusive no aumento de impostos sobre dividendos. Qual sua opinião?

Rafael Chang - É uma responsabilidade das empresas e também de todos nós como pessoas pagar os nossos impostos. Agora, os detalhes técnicos de como será, se vai ser mais 1% ou não é uma questão de discutir, mas uma vez que nós entendermos a direção, vamos em frente.

Independentemente do aumento ou da diminuição de imposto? Desde que seja previsível nos próximos anos?

Exatamente. Um pacote geral tem que ter essa previsibilidade e competitividade. Para nós, essas são as duas palavras-chave que estamos manejando muito. E tem que ter isonomia, tem que ser para todos.

E olhando para o futuro falamos muito sobre a questão do carbono neutro, é uma variável que tem que entrar nas discussões das políticas de Estado porque é transversal.

Se isso não entra na reforma tributária, possivelmente vamos ficar com um pacote que se esgotará no curto prazo.

Quais são as reformas de que o Brasil precisa?

A primeira é a reforma tributária. Independentemente dos detalhes, todos nós concordamos que a reforma deve simplificar o sistema tributário brasileiro.

O segundo ponto é atacar o custo Brasil, os gargalos que existem em infraestrutura, os sobrecustos na parte logística, e tudo isso.

Precisamos também de uma política mais clara e articulada sobre como o país irá neutralizar o carbono. Esses são os três pilares importantes para acelerar esse processo de transformação.

A Toyota do Brasil é assim:

  • Fundação

    1937 (mundo); 1958 (Brasil)

  • Funcionários

    340 mil (mundo); 5.600 (Brasil)

  • Veículos vendidos (2021)

    9 milhões (mundo); 170 mil (Brasil)

  • Venda de veículos eletrificados (2021)

    19.767 unidades; 56,5% das vendas de eletrificados no Brasil

  • Faturamento (2020)

    R$ 1,46 trilhão (mundo)

  • Lucro (2020)

    R$ 115,9 bilhões (mundo)

  • Participação no mercado brasileiro

    10,5% (mundo); 8% (Brasil)

  • Principais concorrentes

    Volkswagen, Hyundai, Ford, Honda, Chevrolet e Stellantis

Empresa precisa de previsibilidade para investir

UOL - Quais os investimentos que a Toyota pretende fazer em 2022 no Brasil?

Rafael Chang - No ano passado, com o lançamento do Corolla Cross, finalizamos um ciclo de investimentos no Brasil de R$ 6 bilhões. Desde então, iniciamos a discussão com nossa matriz no Japão sobre o próximo ciclo de investimentos. Ainda não posso fazer nenhum anúncio, mas estamos neste processo.

Avaliamos as reformas que estão andando no país. Não estamos falando que tudo deve estar definido para tomarmos as decisões de investimento, mas pelo menos [deve haver] um caminho que permita ter alguma previsibilidade sobre o que acontecerá nos próximos anos.

Em um ano de eleição e pandemia, é possível o governo federal promover algum tipo de reforma e ter alguma previsibilidade?

Obviamente que, quando falo de previsibilidade, é ter um roteiro. Há o plano A, o plano B, o plano C, e é sobre esses planos que tomamos as decisões. No curto prazo, ainda existem alguns impactos. Por exemplo, com a ômicron caiu um pouco a nossa operação nesses primeiros meses do ano.

Uma segunda questão é a de falta de peças. Vamos lembrar também que a Toyota tem mais de 60 anos no Brasil e sabemos de todas as subidas e descidas políticas e econômicas. Como empresa, temos que saber surfar essas ondas, seja para cima ou para baixo.

Estamos em uma onda baixa ou alta?

Estamos saindo. Quando começou a pandemia, as expectativas eram bastante pessimistas, mas a recuperação foi muito mais rápida.

O futuro da mobilidade já chegou

UOL - Qual será o futuro do setor automotivo?

Rafael Chang - Fala-se muito que o setor está vivendo a maior transformação dos últimos cem anos, com carros conectados, autônomos, elétricos e em linha com a questão da redução do carbono.

Então, não falaria de futuro, mas de presente, pois estamos caminhando para a mobilidade.

O futuro da mobilidade no Brasil é diferente, por exemplo, do que ocorrerá no Japão? O quanto estamos próximos desse futuro?

Obviamente, precisamos de muitas coisas para acelerar esse processo, mas poderia dizer que ele já começou. Iniciamos a produção no Brasil do carro híbrido flex, que combina duas tecnologias: eletricidade e etanol.

Esse é um exemplo de que esse futuro já está aqui. No ano passado, abrimos uma nova empresa no Brasil, a Kinto, e é precisamente a nossa empresa de mobilidade, com produtos como aluguel de carros para pessoa física e gestão de frotas para pessoa jurídica.

A prestação de serviços poderá ser o negócio principal das montadoras?

O mundo e as pessoas vão continuar precisando de carros. Por isso, vamos manter o nosso negócio principal. Agora, como esse carro chegará ao nosso cliente final, será diferente.

Haverá o cliente que usará o carro possivelmente por apenas um dia para o lazer, e nós vamos oferecer essa oportunidade.

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O mercado precisa ter previsibilidade, competitividade e isonomia. Essas são as palavras-chave para nós. Precisamos também de uma política mais clara e articulada sobre como o país irá neutralizar o carbono. Esses são os três pilares importantes para acelerar esse processo de transformação.

Rafael Chang, Presidente da Toyota do Brasil

Cada país vai escolher melhor modelo de carro elétrico

UOL - Os preços dos veículos de energia limpa são elevados no Brasil. Quando teremos modelos mais acessíveis?

Rafael Chang - Para 2025, teremos todo o nosso portfólio eletrificado, e isso significa que dentro de cada modelo haverá pelo menos uma versão eletrificada.

O propósito da eletrificação é reduzir as emissões de carbono e, para isso, há muitas rotas tecnológicas, como os carros híbridos, os híbridos com tomadas, os elétricos e os carros a hidrogênio. Esses carros estão rodando no Japão, nos Estados Unidos e em outros mercados.

Cada país, dependendo da situação, da infraestrutura, da matriz energética, irá selecionar qual a melhor tecnologia, mas é preciso de uma política que indique que direção o país tomará, quais são as energias e as indústrias que irá promover.

Neste momento, produzimos carros de combustão interna, mas, se precisarmos mudar para carros elétricos, há uma transição que precisa ser planejada com os nossos fornecedores. Não é tão fácil decidir mudar já amanhã.

O Brasil está preparado para fazer essa transição nos próximos anos?

Acredito que por alguns anos isso continuará. Em novembro do ano passado, nossa rede de empresas fez um movimento de mobilidade sustentável com os Ministérios das Minas e Energia, da Economia e do Meio Ambiente.

Precisamos fazer a transição planejada e ordenada nessa linha de carbono neutro. A conversa está na mesa, mas é preciso acelerar.

Dólar e logística deixam carros caros no Brasil

UOL - Nos últimos meses, os preços dos automóveis subiram. Quais foram os fatores para esse aumento e o que acontecerá com os preços em 2022?

Rafael Chang - Os fatores principais são a alta dos preços das matérias-primas e o custo logístico. Outro fator que impacta em nossas operações é o dólar.

Mesmo que a gente tenha uma produção nacional de 60% ou 70%, dependendo do modelo, ainda há um componente de 30% que está em dólar e, com um câmbio alto, tem impacto.

O senhor considera o carro brasileiro caro quando comparado a outros mercados?

Há custos que poderíamos otimizar. Mas só a complexidade do sistema tributário brasileiro e a ineficiência dos processos da administração têm um custo que está implícito nos produtos feitos dentro do Brasil.

Quais serão as transformações com o 5G?

Sobretudo ajudará a melhorar o nível de segurança das pessoas e pedestres. Muito dos nossos carros têm um pacote de mecanismos que ajudam na segurança do condutor. Por exemplo, quando você sai da faixa, o carro dá um alarme.

Os pacotes de segurança não deveriam ser oferecidos em todos os modelos?

Com o volume de produção e a disseminação da tecnologia, os custos estão baixando. Quando começou a revolução dos telefones celulares, também foi assim. Mas concordo que essas tecnologias devem chegar a esses carros de preços mais acessíveis.

Indústria sofreu atrasos com covid e falta de navios para peças

UOL - Qual foi o impacto da falta de semicondutores para a Toyota e como vocês estão trabalhando para não sofrer com isso neste ano?

Rafael Chang - As paralisações que tivemos em nossas fábricas foram mais pelo impacto da covid-19 em muitos de nossos fornecedores, sobretudo na Ásia, e não tanto pela falta de semicondutores.

Não vou dizer que não tivemos falta. Houve gargalos na parte logística. Por exemplo, às vezes, acontecia um atraso de um fornecedor no exterior e tínhamos que trazer as peças por avião, em vez de navio.

Quais os outros gargalos?

Falta de navios, de avião, de contêineres. Ou, às vezes, o navio está no porto, mas a tripulação pegou covid-19, e o navio fica no porto de cinco a dez dias com nossos produtos lá. É essa realidade que estamos vendo todos os dias.

O senhor é também presidente da Toyota na Venezuela. Como estão as vendas por lá?

O desafio econômico é difícil, mas temos uma visão de longo prazo. Há clientes que compraram nossos carros e há uma responsabilidade como marca de entregar serviços para essas pessoas, de trazer as peças, fazer a manutenção.

Apesar das dificuldades políticas e econômicas, estamos na Venezuela respeitando nossos clientes, gerando empregos e esperando que a economia no futuro volte ao que era antes, de um país muito rico.

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