Desigualdade sem remédio

Depender do governo para distribuição de renda é praticamente aposta perdida, diz chefe do dr.consulta

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação e Arte/UOL
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Thomaz Srougi, fundador e presidente do conselho do dr.consulta, diz em entrevista exclusiva na série UOL Líderes que, "se depender do governo para que tenhamos mais equidade e distribuição de renda, é praticamente uma aposta perdida". Ele falou em geral, não se referindo a nenhum governante específico.

Na entrevista, o executivo destacou o início da empresa na comunidade de Heliópolis (zona sul de São Paulo), a importância da autossuficiência dos negócios sociais e como é possível reduzir o custo da saúde usando os algoritmos.

Segundo ele, o brasileiro tomou um choque durante a pandemia e entendeu que estar saudável é importante para sobreviver. Em contrapartida, diz, o sistema de saúde pouco evoluiu, e há uma preocupação com o envelhecimento da população.

Algoritmos podem diminuir custos de planos

Ouça a íntegra da entrevista com Thomaz Srougi, fundador e presidente do Conselho do dr.consulta, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Aposta perdida

UOL - Quais os impactos da falta de investimento em ciência e tecnologia para o futuro da saúde pública no Brasil?

Thomaz Srougi - Colossal. Os melhores cérebros vão embora porque não são valorizados. Se não existe pesquisa, não existe inovação. Ficamos presos ao passado colonial, especializados em trabalho manual, em produzir produtos e serviços de baixíssimo valor agregado e importando de outros países, pagando caríssimo.

E como a política está envolvida em tudo isso?

É central e fundamental. Sem a liderança correta, não existe planejamento nem execução. Vemos pessoas descomprometidas com o bem social, individualistas. Existem muitas exceções, na própria saúde pública, mas são minoria, ilhas de excelência que sobrevivem não sei como.

O político hoje é eleito e só pensa na próxima eleição. A solução dentro desse contexto são as companhias privadas. Se depender do governo, para que tenhamos mais equidade e distribuição de renda, é praticamente uma aposta perdida*. Torcemos para que o governo não atrapalhe e ajude regulando, trabalhando em conjunto.

*Depois da entrevista gravada, Srougi explicou que não se referia a um governo específico

O empresariado brasileiro está interessado em fazer essa mudança?

Acredito que os empresários brasileiros são uns heróis de terem arriscado em um lugar absolutamente disfuncional, corrosivo onde até o passado muda.

O dr.consulta é assim:

  • Fundação

    2011

  • Funcionários

    740

  • Médicos

    1.200

  • Especialidades médicas

    60

  • Consultas online

    270 mil (desde março 2020)

  • Unidades

    32

  • Clientes

    2,5 milhões

  • Receita Líquida (2021)

    R$ 310 milhões

  • Principais concorrentes

    Hapvida, Intermédica, Alice e QSaúde

Espiral da morte

UOL - Como nasceu a ideia de criar o dr.consulta?

Thomaz Srougi - Percebemos que os médicos trabalhavam muito e que as pessoas não conseguiam acesso a eles. Mais de 165 milhões de pessoas não têm plano de saúde e estão desprotegidas e expostas a uma situação muito delicada, é uma espiral da morte. Sem plano de saúde, dependem do sistema público, que infelizmente não tem recurso para atender toda a população.

É muito importante quebrar essa espiral da morte, e o dr.consulta surge dessa ideia: trazer acesso qualificado, ágil para pessoas que estão desprotegidas. Para fazer isso, o custo precisa ser muito baixo e o relacionamento direto com o paciente. Construímos um sistema de saúde independente, do zero. Aprendemos a utilizar os dados dos próprios pacientes, um modelo preditivo, para conseguir entender o que vai acontecer com as pessoas.

E como foi o começo?

Começamos com um centro médico na comunidade de Heliópolis [localizada na zona sul de São Paulo].

E quais foram os desafios em Heliópolis?

Tivemos vários, como levar médicos, profissionais de saúde e prestadores de serviço para dentro da comunidade, sempre com desconfiança em relação à segurança; criar confiança, entendimento do nosso trabalho, levando em consideração que essas pessoas estão acostumadas a ser enganadas e amassadas o dia todo.

Índice de felicidade médica

UOL - Apesar de não ser da área de saúde, o fato de ter pai médico motivou a sua escolha?

Thomaz Srougi - Meu pai e meu irmão são médicos, minha mãe é professora. Somos uma família de idealistas, inconformados com a realidade brasileira e empoderados para fazer alguma coisa, e não simplesmente viver a vida como se o Brasil fosse um país perfeito.

Médico feliz é igual paciente feliz. Para resolver os problemas das pessoas na saúde, a solução obrigatoriamente tem que ser construída com os médicos. Atualmente 55% deles hoje no Brasil estão infelizes. Há médicos estressados, desrespeitados, com pouca remuneração.

Há uma dinâmica perversa no setor de saúde em que os médicos não conseguem resistir à pressão das grandes empresas. Vindo de uma família de médicos, isso sempre me incomodou.

E eles são mais felizes no dr.consulta?

Temos pesquisas que mostram que, se no Brasil, 55% dos médicos estão infelizes, no dr.consulta 15% são infelizes. É importante entender que os médicos não trabalham só em uma instituição. Eles circulam entre hospitais, consultórios, clínicas privadas. Isso foge um pouco do nosso controle, mas ficamos contentes em saber que o nosso índice de felicidade é quase três vezes maior do que o do mercado.

Mas nem sempre foi assim. É importante fazer um "mea culpa" porque não foi uma jornada fácil. Houve alguma frustração no começo, pois estávamos iniciando do zero.

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É importante reconhecer que o sistema público salvou muitas vidas, fez um papel absolutamente sensacional. Funcionou, mas a que custo? Tudo o que o governo fez até aqui tem um custo, e agora vamos lidar com as consequências.

Thomaz Srougi, fundador e presidente do conselho do dr.consulta

Algoritmos ajudam no diagnóstico

UOL - O que faz a sua empresa se diferenciar da concorrência?

Thomaz Srougi - Focando na atenção primária e secundária; tirando os intermediários para conseguir achatar as margens e reduzir preços; desenvolvendo linhas de incentivo e criando recompensas e tendo uma estratégia centrada em dados. Assim, conseguimos praticamente o impossível, que é reduzir o custo médico de atendimento por visita.

Como funcionam os incentivos e recompensas?

Na prática, criamos dentro do prontuário eletrônico algoritmos que falam para o médico o que ele tem que pedir. No final, ele concorda ou não, mas ele sabe exatamente que naquela situação, para aquele paciente, outros médicos pediram e qual a estatística correta. Quando ele adere ao algoritmo clínico, a remuneração aumenta.

O nosso índice de aderência é de 97%, conseguimos garantir um padrão de decisão clínica e ter previsibilidade de custo. Na saúde suplementar, o médico pede de cinco a 12 exames por consulta. No dr.consulta, pedimos, em média, dois exames por consulta. O paciente economiza 60% de dinheiro quando faz uma consulta conosco.

A autonomia médica é um ponto sensível. Ela funciona no dr.consulta?

Os médicos estão seguindo protocolos bons, estamos salvando muitas vidas, dando um ótimo atendimento e reduzindo custo. Quem criou esses protocolos e algoritmos? Foram os próprios médicos, baseados em toda a literatura médica, de todas as especialidades médicas.

Sistema de saúde não evoluiu

UOL - Na pandemia, qual a sua opinião sobre o desempenho do SUS [Sistema Único de Saúde]?

Thomaz Srougi - É importante reconhecer que o sistema público salvou muitas vidas, fez um papel absolutamente sensacional e deu exemplo para o resto do mundo utilizando a rede de distribuição.

Funcionou, mas a que custo? Se o governo não gera um lucro, quem vai pagar essa conta? Porque tudo o que o governo fez até aqui tem um custo, e agora vamos lidar com as consequências.

Mas evoluímos em aprendizagem?

Acho que o brasileiro evoluiu, mas o sistema não. O brasileiro tomou um choque e entendeu que estar saudável é importante para sobreviver e está prestando mais atenção na sua saúde e quer se proteger.

Por outro lado, quando olhamos para o sistema público, vemos redução de orçamento, falta estratégia de dados, de digitalização. Olho com preocupação o aumento da demanda do sistema público porque a população brasileira está envelhecendo rapidamente.

Deveríamos nos preparar para absorver essa carga adicional. Não vejo isso acontecer. Muito pelo contrário, vejo discussões que são tangenciais, morosidade gigante e discussões superficiais e conjunturais e não estruturais.

E a empresa, o que aprendeu?

Preparamos a companhia para sobreviver dois anos sem pacientes. Passamos por esse exercício e amadurecemos dez anos em um. Saímos fortalecidos e tivemos a oportunidade de acelerar muita inovação, o que reverteu em valor para os pacientes.

Negócio social precisa de lucro

UOL - É possível seguir um propósito gerando lucro?

Thomaz Srougi - É possível e é necessário. Não existe dinheiro suficiente em doações nem em subsídio público para resolver os grandes problemas sociais em escala. A palavra lucro é polêmica e varia de cultura para cultura, de religião para religião, mas tem um papel fundamental que é a autossuficiência.

Seria ótimo não precisar gerar excedente, mas é absolutamente necessário, sem isso ficamos na seara das organizações não-governamentais, que são fundamentais, mas todo ano a equipe precisa de doações, e isso é muito difícil.

O que o plano de saúde da organização difere dos demais?

É tudo diferente. É um plano verticalizado. Toda a jornada do paciente é conduzida por nós. Isso é importante por dois motivos: primeiro, porque eu controlo o nível de serviço e eu garanto uma experiência dentro do nosso padrão de qualidade.

O segundo, são os dados. A maioria dos planos terceiriza o atendimento e, com isso, não tem os dados do paciente e não consegue trabalhar o modelo preditivo, que prevê se a pessoa tem maior ou menor chance de ficar doente no futuro.

Quando sabemos disso, ela é classificada dentro de um grupo que vai receber mais atenção. Os recursos clínicos são utilizados de forma a permitir mais suporte a essas pessoas. As que têm menos necessidades imediatas e futuras não precisam ter recursos mais dedicados.

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