Tênis verde e sob medida

Calçado do futuro será diferente para cada pé e feito com preocupação ambiental, diz chefe da Asics

Mariana Bomfim Do UOL, em São Paulo Carine Wallauer/UOL e Arte/UOL
Carine Wallauer/UOL

Corrida por sustentabilidade

A preocupação com o meio ambiente não prejudica o crescimento econômico e deve ser tratada com prioridade pela indústria.

É o que diz o presidente e COO (chief operating officer, diretor de Operações) da marca de tênis e artigos esportivos Asics, o japonês Yasuhito Hirota, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes.

Ele destaca o desenvolvimento tecnológico como aliado na busca pela sustentabilidade e diz que o tênis ideal é aquele produzido preservando a natureza.

Hirota afirma que o Brasil é um importante mercado para a Asics porque os brasileiros têm o hábito de praticar corrida e outros esportes e diz acreditar que as reformas da Previdência e tributária irão beneficiar os negócios.

Tênis devem ser personalizados

O vídeo acima também está disponível no canal do UOL no YouTube.

Tênis ideal será feito sob medida e com preocupação ambiental

UOL - A Asics divulga possuir uma política específica para a sustentabilidade e o meio ambiente. Por que resolveu adotá-la

Yasuhito Hirota - Nos preocupamos com o meio ambiente porque a sustentabilidade é muito importante. Temos a obrigação de proteger o planeta, deixando a Terra bem preservada para as próximas gerações. Essa é uma responsabilidade social da empresa. Em relação à energia, por exemplo, o Brasil tem várias fontes renováveis, que empregamos nas fábricas parceiras. E em algumas fábricas, nós usamos fibras de celulose da cana-de-açúcar como matéria-prima para a fabricação de tênis.

O presidente Jair Bolsonaro defende que as políticas ambientais prejudicaram os negócios. O senhor vê oposição entre preservação do meio ambiente e desenvolvimento econômico?

Não. É possível a coexistência de crescimento e proteção ambiental, ainda mais com as tecnologias que temos atualmente. Não se deveria fazer negócios destruindo o meio ambiente. Precisamos evitar isso e pensar nas próximas gerações.

Como o senhor imagina o tênis ideal, o tênis do futuro?

Imagino um tênis que a pessoa calça e se sente confortável, se sente mais saudável. O ideal seria cada pessoa ter um tênis feito sob medida para ela porque cada uma tem um formato de pé. Além disso, o tênis ideal será fabricado com preocupação ambiental e a produção será amigável com a natureza.

Estamos perto de conseguir isso?

Estamos tentando. No laboratório de Kobe [Japão], temos mais ou menos cem pesquisadores que estão buscando esse tênis ideal.

No Brasil, são frequentes casos de trabalho escravo em indústrias como a de confecções. Como a Asics monitora a produção para evitar que isso aconteça?

Como boa parte do processo de fabricação de calçados é manual, temos bastante mão de obra. Para evitar situações desse tipo, tenho o hábito de visitar nossas fábricas no mundo todo pelo menos uma vez por ano e conversar com os gestores delas.

É comum empresas desse setor enfrentarem problemas com pirataria. A Asics também é afetada?

Sim, nossos produtos também são pirateados. Temos um departamento que cuida especificamente disso, de proteger a propriedade intelectual. Ficamos muito atentos para identificar a origem do produto pirata. Assim que a encontramos, tomamos as devidas providências legais.

O senhor se refere ao Brasil ou ao mundo, em geral?

Ainda não tenho conhecimento de pirataria no Brasil. Há alguns países que concentram a produção de tênis piratas.

Quais países?

Sinto muito, não posso dizer.

Reformas tributária e da Previdência vão beneficiar os negócios

UOL - Que desafios uma empresa como a Asics enfrenta no Brasil?

Yasuhito Hirota - Temos a vantagem de fabricar produtos de acordo com o gosto do brasileiro por causa de parcerias com fábricas daqui. Também temos lojas próprias no Brasil e gostaríamos de expandir o número delas e aumentar a sua rentabilidade. O Brasil é bastante representativo dentro da América do Sul, por isso, gostaríamos de expandir nossos negócios para outros países do continente a partir daqui.

Para atingir esses objetivos, que desafios o país coloca no caminho?

Em relação à conjuntura econômica, tenho ouvido falar sobre as reformas tributária e da Previdência e acredito que elas vão trazer benefícios para os nossos negócios. Uma redução no imposto de importação, por exemplo, nos beneficiaria. É importante, claro, ter produtos nacionais, mas temos produtos feitos fora do Brasil que são excelentes e [com o custo menor] poderíamos trazê-los para as lojas.

A Asics substituiria os tênis produzidos aqui por importados?

Não é nossa ideia substituir, vamos continuar com as duas frentes. O importante é oferecer produtos de qualidade. Até porque as fábricas dos nossos parceiros aqui têm a vantagem de conseguir fabricar produtos mais alinhados com as características do brasileiro.

O Brasil está patinando para sair da crise econômica. Como uma crise afeta os hábitos do consumidor?

A tendência é a mesma em quase todos os lugares. Quando uma sociedade está passando por uma crise, compra menos e procura preços mais baixos. Mas eu acho importante manter a qualidade, mesmo que as vendas caiam, porque não podemos trair a confiança dos clientes.

As vendas caíram aqui?

Não caíram, houve estagnação. Mas neste ano o faturamento está aumentando, e queremos manter essa tendência de crescimento.

O senhor costuma acompanhar a situação política no Brasil? Como ela interfere nos negócios?

Conheço muito pouco o aspecto político, mas tenho ouvido falar que o presidente atual tem uma forte liderança e está promovendo reformas econômicas que devem trazer resultado.

O Japão é conhecido por ser um país inflexível com corrupção. Como o senhor vê os casos recentes de corrupção no Brasil? Como eles afetam os negócios?

A corrupção não pode ser tolerada. Há diversos países em que os corruptos são punidos, não é só o Japão. Na Asics, evitamos fazer negócios em países que são muito instáveis e têm muitos problemas com corrupção.

Então o senhor não considera que o Brasil tem muitos problemas com corrupção?

Acho que nossos negócios estão muito distantes da corrupção que existe no Brasil, então não temos problema nenhum em operar aqui.

O que um governo deve fazer para criar o melhor ambiente de negócios possível e estimular a inovação?

Em primeiro lugar, tem que ser um país onde haja lei, e a lei seja cumprida. Em segundo, ter o mínimo de infraestrutura para o ambiente de trabalho.

A corrida de rua começou nos EUA e na Europa e se espalhou pelo mundo inteiro. Mas, para você poder correr na rua, é preciso haver paz no local. Em alguns lugares, isso não é possível.

Yasuhito Hirota, presidente e CEO da Asics

Não dá para competir em todas as modalidades, então focamos em corrida

UOL - A Asics começou com tênis para basquete, mas hoje não tem presença forte em esportes de equipe. Foi uma opção da empresa?

Yasuhito Hirota - É verdade que começamos com basquete, e não é que tenhamos desistido [dessa modalidade]. Vendemos tênis para esportes de equipe para países da Ásia —China, Japão e outros. Mas, em termos mundiais, não temos tanta presença. Nosso plano é nos consolidarmos um pouco mais no mercado de corrida para depois ampliar nossa presença mundial.

Os tênis da Asics são citados como os melhores para corrida, mas o mercado esportivo ainda é dominado por marcas como Nike. Como enfrentar a competição de uma gigante como essa?

Nós nos posicionamos no mercado em segmentos específicos. No de corrida, somos os melhores do mundo e temos a maior fatia de mercado. Mas não dá para competir de igual para igual com nossos concorrentes em outras modalidades, então focamos primeiro na corrida e, depois, em vôlei e outros esportes.

O plano de negócios da Asics para os próximos anos foca nos Estados Unidos e na China, países envolvidos numa guerra comercial. Como essa disputa afeta os negócios da Asics?

Os Estados Unidos são o país dos esportes. Sendo reconhecidos lá, somos reconhecidos no restante do mundo. Então temos a estratégia de não perder a posição de marca número um de tênis de corrida nos EUA. Em relação à China, é um país com uma população enorme e onde existe uma tendência de se preocupar mais com a saúde e de correr. Por isso, queremos aumentar nossa participação de mercado lá. A guerra comercial não afeta nosso negócio porque nós trabalhamos separadamente e de maneiras diferentes com cada um dos dois países.

O senhor acredita que o mundo todo está se movendo rumo a mais protecionismo?

Não vejo essa tendência. Ela pode até existir em alguns setores, mas os produtos esportivos vendidos nos EUA, por exemplo, são quase todos fabricados na Ásia. Não acho que haverá qualquer barreira em relação aos produtos que vendemos aos norte-americanos.

Quais são os planos da Asics neste ano, em termos de investimento e produto?

Daremos bastante atenção ao marketing, principalmente por estarmos às vésperas dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2020. Somos uma empresa parceira do evento, a única de material esportivo, e queremos crescer aproveitando essa parceria. Estamos destinando 9% do nosso faturamento ao marketing.

O que faz o consumidor comprar um Asics? Do que ele gosta e do que não gosta na marca?

Acredito que quem compra produtos da Asics compra pela qualidade, pela segurança e pelo conforto. Nunca perguntei as razões de quem não compra, mas pode ser por causa do design. Talvez nossos tênis tenham um design mais simples, com cores mais discretas. O público feminino, que é importante, costuma gostar de produtos mais coloridos. Então pode ser por isso.

A empresa registrou prejuízo de US$ 230 milhões no ano passado. A que se deve essa perda?

Não tivemos problema no aspecto comercial. O que aconteceu foi que fizemos vários investimentos ao longo dos anos, e o retorno não foi o esperado. Então tivemos que contabilizar a depreciação, o que gerou esse resultado em 2018.

A Asics é assim:

  • Fundação

    1949

  • Início da operação no Brasil

    2007

  • Funcionários diretos no Brasil

    Cerca de 300

  • Funcionários diretos no mundo

    8.823

  • Unidades no mundo

    899 lojas em 33 países

  • Unidades no Brasil

    15 lojas

  • Vendas em 2018

    US$ 3,5 bilhões

  • Resultado em 2018

    Prejuízo de US$ 184,7 milhões

  • Faturamento previsto em 2019

    US$ 3,6 bilhões

  • Principais concorrentes

    Nike, Adidas, Mizuno, Fila, Olympikus, Reebok, Saucony, Under Armour e Puma

Para corrida de rua ser popular, país precisa ter segurança pública

UOL - O consumidor brasileiro tem alguma característica que o distingue dos outros?

Yasuhito Hirota - Hoje de manhã fui correr no parque Ibirapuera [em São Paulo] e fiquei impressionado com a quantidade de pessoas correndo e caminhando. O Brasil é muito forte em alguns esportes, como futebol e vôlei, então é um país muito importante para nós. E tenho ouvido falar também que os brasileiros têm o hábito de comprar coisas boas, de qualidade —é o que procuramos oferecer.

E em termos de produto, que tipo de tênis o brasileiro prefere?

Coloridos. Ontem visitei algumas lojas e vi tênis com muito verde e muito amarelo. Talvez seja por causa das cores da bandeira nacional.

A Asics tem planos especificamente para o Brasil?

O Brasil é um mercado muito importante porque tem uma população de 200 milhões de habitantes e aqui se pratica muito esporte. Temos fábricas parceiras na região Sul do país, então podemos vender o que produzimos aqui mesmo. Nossa ideia é investir mais no Brasil para aumentar nossa participação no mercado.

A corrida de rua amadora tem se popularizado por aqui. O senhor também observa isso em outros países?

A corrida não se trata só de participar de competições e ganhar medalhas.

Claro que há pessoas que miram nisso, mas acredito que, em geral, elas correm porque se sentem felizes fazendo isso. Correr é uma atividade que se torna um hábito, passa a fazer parte da vida da pessoa. Eu também corro e fico feliz quando vejo pessoas no mundo inteiro fazendo isso.

Então o senhor notou essa tendência também em outros países?

Sim, acho que é uma tendência mundial. A corrida de rua começou nos EUA e na Europa e se espalhou pelo mundo inteiro. Mas, para você poder correr na rua, é preciso haver paz no local. Em alguns lugares, isso não é possível.

A tendência então está ligada à questão da segurança pública?

Exatamente. A segurança nas ruas é importante, e meu desejo é que haja muito mais lugares seguros.

O senhor avalia que o Brasil é um lugar seguro? Há problemas de violência e, mesmo assim, as pessoas saem para correr.

Não conheço o país a esse ponto, mas hoje, no parque, me pareceu que as pessoas se sentiam seguras.

Brasil e Japão são muito diferentes em termos culturais e de negócios. O senhor vê alguma semelhança entre os países?

Acredito que há respeito e compreensão mútuos sobre as diferenças culturais entre os dois países, não só porque aqui residem muitos descendentes de japoneses como porque no Japão há muitos brasileiros.

Há, sim, uma grande diferença, mas os dois se entendem. É possível desenvolver negócios dentro dessas diferenças.

Que conselho o senhor daria para construir uma carreira de sucesso?

Gostar do que faz. Quando você gosta, se dedica mais. Quando se dedica mais, vai ficando melhor naquilo, recebe reconhecimento e vai adquirindo outras habilidades. Tudo começa daí: gostar do que faz.

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