Sonhando com cargo público

Com menos vagas e possível reforma administrativa, concurseiros ainda sonham com carreira pública

Ricardo Marchesan Do UOL, em São Paulo Getty Images/iStockphoto

O serviço público é o sonho de muitos trabalhadores brasileiros, atraídos, entre outras coisas, pelos salários mais altos, em comparação com a iniciativa privada, e a estabilidade no cargo, garantida na legislação.

Para passar pela peneira do concurso público, grande parte dedica anos de vida, às vezes abdicando de outras oportunidades e sacrificando a vida pessoal, focando diariamente horas e mais horas aos estudos, simulados e cursos preparatórios.

Este ano, porém, pode representar uma mudança nesta realidade. Além do menor número de vagas, principalmente no âmbito federal, repetindo o que aconteceu nos últimos anos, o governo promete realizar uma reforma administrativa, mudando regras do funcionalismo, limitando a estabilidade e, possivelmente, reduzindo salários.

Por enquanto, detalhes da reforma, que o governo promete entregar no mês que vem, ainda não foram divulgados.

O UOL ouviu alguns concurseiros para saber o que esperam de 2020. Eles ainda sonham com a carreira e querem se tornar servidores públicos, apesar de saberem da desistência de muitos.

Arquivo pessoal

"Muita gente boa parou"

Roberto Salles

"Estou esperando os concursos do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e do Senado. Devo começar a estudar para magistratura do trabalho depois desses, que é meu objetivo final de carreira.

Trabalho no Tribunal de Justiça desde 2016 e, desde que eu tomei posse nesse cargo, que é de nível médio, passei a estudar para concurso de nível superior. Já devo ter feito de 15 a 20 concursos.

Acredito que a tendência é que neste ano abram, sim, muitos concursos, talvez não com muitas vagas.

O pessoal que entrou desde a Constituição, quando começou a ter a exigência do concurso público, já está para se aposentar. Esse material humano vai ter que ser reposto de uma forma ou de outra, apesar da crise e de toda a questão orçamentária que o Brasil tem tido nos últimos quatro ou cinco anos.

A reforma administrativa não me pegou de surpresa porque já era esperado que o atual governo tomasse essas medidas.

Como meu foco é o Poder Judiciário, acredito que, se essas medidas tiverem algum impacto, será menor em comparação ao Poder Executivo. O Judiciário tem autonomia. Não independência total, mas ele ainda pode estruturar suas carreiras da forma que julgar melhor.

Essas notícias não afetaram minha rotina, meu foco nos concursos, porque eu acredito que crises, como tudo na vida, passam. Pelo contrário, elas me deixaram ainda mais motivado.

Muita gente, quando começou a crise e as notícias sobre reforma administrativa, resolveu parar, dizendo: 'As coisas não vão dar mais certo. Não vai mais ter concurso'. A gente viu que não foi bem assim. Continuou tendo concurso. Só que muita gente parou, muita gente boa.

Eu não parei de estudar durante todo esse tempo e acredito que isso foi bom porque, na hora em que os concursos voltarem como antes, e as coisas começarem a fluir novamente, quem não parou vai estar na frente e quem parou vai ter que retomar."

Arquivo pessoal

"Não passa pela minha cabeça desistir"

Juliana Dias Ribeiro

"Já faz um ano que estou nessa rotina de estudos. Fiz três concursos de grande porte, do meio de 2019 até o final do ano. Meu objetivo são os concursos voltados para magistratura federal, mas tenho feito os de tribunais, nos quais também tenho bastante interesse.

De acordo com as últimas notícias que tinham sido ventiladas, eu até acreditava que seriam poucas as ofertas de concursos, de vagas, no geral.

Mas no início deste ano já tivemos diversos editais abertos. Então é uma boa expectativa. Eu creio que este ano não vai ser tão ruim como talvez possa ter sido o passado.

Essas notícias de mudanças, como a reforma administrativa, sempre acontecem, mas até de fato se concretizarem tem uma distância um pouquinho maior. E mudanças são necessárias. Se for o caso, a gente se adequa, se adapta a elas.

De maneira alguma essas notícias afetaram as minhas expectativas ou a minha rotina de estudos. Acho que, quando você traça um objetivo, tem que tentar consegui-lo de alguma maneira e tentar se adaptar às prováveis mudanças que possam ocorrer nesse percurso.

Não cheguei a cogitar a possibilidade de desistir. Pelo menos por enquanto isso não passa pela minha cabeça.

Arquivo pessoal

"Reforma administrativa pode até ser boa"

André Alves

Em 2014 me formei em engenharia civil, em Ipatinga (MG). No ano seguinte, voltei para minha cidade, Montes Claros (MG), e fui trabalhar na construtora da minha família.

Prestei meu primeiro concurso em 2016, para o INSS, mas não passei e desanimei. Tentei alguns, desde então, mais ou menos quatro ou cinco.

Agora estou estudando para o concurso do TCU (Tribunal de Contas da União). O governo Bolsonaro disse que iria diminuir os concursos, mas o do TCU vai ter.

Fiquei com esperança porque é um concurso que cobra muitas matérias que posso aproveitar em outros. Posso estudar para esse, e já me preparar para outros.

Fiz um planejamento de estudos certinho. Minha namorada é servidora e está me ajudando. Trabalho na construtora e à noite estudo quatro horas.

Acredito que serão menos vagas em concursos neste ano, até porque o presidente Bolsonaro disse que vai privatizar muita coisa.

Acho que a reforma administrativa pode até ser boa. Com menores salários, é possível que abram mais vagas. Além disso, um salário muito superior ao da iniciativa privada sobrecarrega a procura e aumenta a concorrência.

Pedro Ladeira/Folhapress

Governo Federal não prevê abertura de concursos

A princípio, 2020 será mais um ano de vacas magras para concurseiros que sonham com um cargo no âmbito Federal. O governo segue uma política de corte de gastos, e o Ministério da Economia afirma que "não há previsão de autorizações de concursos em 2020".

O antigo Ministério do Planejamento, que atualmente faz parte da estrutura do Ministério da Economia, é responsável pela autorização de concursos públicos nos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

"O governo federal poderá conceder novas autorizações, mas em caráter excepcional, por medida de absoluta necessidade da administração e desde que asseguradas as condições orçamentárias", disse o Ministério em nota ao UOL.

O Orçamento para 2020 sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro neste mês autoriza até 51.391 vagas em órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo 45.816 para provimento (vagas que já existiam mas precisam ser preenchidas por causa de morte ou aposentadoria de servidores, por exemplo), e 5.575 para criação (vagas abertas para aumentar o número de servidores).

Essas vagas podem ser preenchidas por meio de novos concursos, que devem ser autorizados pelo Planejamento, ou por meio de concursos já realizados e ainda estão em validade.

A previsão, porém, não é uma garantia de que as contratações vão ocorrer. O Orçamento apenas autoriza a quantidade e o gasto com essas eventuais vagas. Dentro desse limite máximo, o Executivo contrata quantos quiser, após autorização do Ministério.

Por exemplo, em 2019, o Orçamento previa 47.994 vagas. Até dezembro, porém, apenas 3.652 delas foram autorizadas pelo Planejamento, descontadas contratações temporárias, que não entram nesse limite orçamentário.

Apenas um novo concurso foi autorizado pela pasta no ano passado, do Departamento Penitenciário Nacional, ligado ao Ministério da Justiça, com 309 vagas.

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