Extremos

Setor de serviços lidera contratações e demissões ao mesmo tempo; como se explica essa contradição?

Giulia Fontes Do UOL, em São Paulo iStock
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Empresas usaram redução de jornada e suspensão de contrato para não demitir funcionários

Dados divulgados pelo Ministério da Economia mostram que o setor de serviços -que inclui bares, restaurantes, salões de beleza, por exemplo- vive, na pandemia, uma conjuntura de extremos.

De um lado, o novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) aponta que as empresas de serviços foram as que mais contrataram funcionários com carteira assinada: entre janeiro e maio de 2021, foram 3,5 milhões de pessoas admitidas na área. Quando é considerado o saldo de vagas -ou seja, o balanço entre contratações e demissões- o setor também lidera positivamente, com 509.101 novos postos no mesmo período.

Em contrapartida, empresas de serviços são recordistas em demissões. Segundo o novo Caged, foram quase 3 milhões de desligamentos nos cinco primeiros meses de 2021, o maior número na comparação com comércio, construção, indústria e agricultura.

O setor também lidera na quantidade de acordos firmados no BEm (Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda). Segundo os dados do governo, desde abril de 2021, quando o programa foi reeditado, o setor de serviços acumula 1,3 milhão de acordos do tipo.

Esse programa permite que empresas façam acordos de redução de jornada e salário dos trabalhadores ou até mesmo de suspensão do contrato. O objetivo é evitar demissões.

Como o mesmo setor pode apresentar esses dois extremos? Entenda a seguir.

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Setor de serviços lidera criação de emprego formal em 2021

Setor tem empresas muito diferentes, e isso explica contradição

Fabio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), diz que o setor tem atividades muito diferentes, o que explica os números discrepantes.

Levantamento feito por ele para o UOL considerando dados do novo Caged mostra que, entre os dez segmentos que mais geraram emprego formal em 2021, há atividades do setor de serviços, como atendimento hospitalar, transporte de cargas e construção (que, mesmo considerada como um setor à parte, também envolve serviços).

No outro lado, entre as atividades que perderam vagas, também constam segmentos de serviços, como restaurantes, lanchonetes, casas de chá e transporte de passageiros.

Ou seja, quando você olha os dois lados do mercado, o ruim e o bom, o setor de serviços predomina de forma bem marcante. E é normal que exista esse tipo de discrepância, o setor de serviços é um mundo à parte.
Fabio Bentes, da CNC

Mas quem são esses empresários? O UOL conversou com três deles para entender o cenário. Veja abaixo:

Arquivo pessoal
Bastos Junior: cervejaria teve de fortalecer serviço de delivery, que antes era incipiente

Malabarismos para não demitir

José Bastos Junior usou benefícios criados na pandemia para evitar a demissão de funcionários

Parecia improvável que José Bastos Junior pudesse enfrentar dificuldades nos dois tipos de negócio que comanda. Afinal, são ramos muito diferentes: ele é dono de dois escritórios de contabilidade no Rio de Janeiro e também atua no conselho de administração da cervejaria Máfia, em Niterói (RJ). A pandemia da covid-19, porém, acertou os dois negócios em cheio.

Nos escritórios, que empregam 75 pessoas, o número de clientes caiu, já que parte da demanda era de bares, restaurantes e academias, que fecharam temporariamente ou não sobreviveram à pandemia.

No início de 2021, a situação parecia ter melhorado, com a entrada de novos clientes. Mas o aumento dos casos de covid, e o consequente fechamento de atividades não essenciais, acabou provocando um novo baque nos negócios.

A gente entende a necessidade [do fechamento], era claro. A gente via dia após dia as coisas piorarem no cenário da saúde. (...) Nós seguramos todos os funcionários, utilizamos os benefícios da lei ao máximo. Quase tudo o que a lei permitiu, a gente usou.
José Bastos Junior

Na cervejaria, o cenário foi ainda mais dramático: a queda na demanda de bares e restaurantes, que era fundamental para o negócio, fez o faturamento diminuir a 5% do que era antes da crise. Ao mesmo tempo, a empresa teve de fechar um bar que mantinha no próprio local. Os seis funcionários tiveram o contrato suspenso, e a cervejaria teve de fortalecer o serviço de delivery, pouco desenvolvido antes da pandemia.

Apesar de tudo, estamos otimistas. Acreditamos que no mais tardar no primeiro trimestre de 2022 a gente vai ter demanda de novos clientes nos escritórios. E, na cervejaria, esperamos que, com o avanço da vacinação, em outubro a gente tenha uma alta grande das vendas.
José Bastos Junior

Arquivo pessoal
O dono da Digidata no escritório da empresa, em Curitiba

Há vagas, falta mão de obra

Luiz Sérgio Wozniaki poderia expandir quadro de funcionários, mas não encontra pessoal qualificado

O setor de informática foi um dos que tiveram expansão durante a pandemia. O levantamento da CNC a partir do novo Caged aponta que, entre janeiro e maio de 2021, o setor abriu 35.320 vagas de emprego com carteira assinada.

Luiz Sérgio Wozniaki, dono da Digidata, empresa do setor de informática que atua no Paraná, afirma que poderia contratar, de imediato, algo em torno de 70 novos funcionários. O problema é que não há pessoal qualificado no mercado.

Ele diz que chegou a perder alguns funcionários, que pediram demissão.

Foi uma surpresa. Entre 10% e 15% do meu quadro de pessoal pediu para se desligar porque não se achavam capazes de trabalhar isoladamente, em casa. Não consegui segurar esses funcionários.
Luiz Wozniaki

A Digidata atua na gestão de sistemas de recursos humanos, e tem como clientes empresas particulares e também órgãos públicos, incluindo o governo do Paraná.

Segundo Wozniaki, que também é presidente do Sepropar (Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços Técnicos em Informática do Paraná), as novas exigências da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) abrem um novo segmento de atuação para as empresas do setor.

De maneira geral, a área de informática absorve muita mão de obra. Mas também há muita rotatividade, as pessoas trocam muito de emprego. Foram poucas as empresas que, durante a pandemia, tiveram de dispensar funcionários ou fazer redução de carga horária.
Luiz Wozniaki

Arquivo pessoal
Pandemia incentivou reformas e aqueceu cadeia da construção, diz Morais

Home office turbinou setor da construção

Jorge Luiz Morais, de uma distribuidora de materiais de construção, quer contratar, mas espera cenário melhor

Ligada ao setor de serviços, a construção foi uma das áreas que tiveram bons resultados na pandemia. Passando mais tempo em casa, em home office, muitas pessoas acabaram investindo em melhorias, com pequenas reformas ou reparos. O setor de materiais de construção foi na onda, e poderia estar melhor se não fosse a falta de alguns itens e os altos preços.

Jorge Luiz Morais, sócio-diretor da Ferragens Ramada, uma distribuidora de materiais de construção no Rio de Janeiro, diz que, em 2020, após um começo ruim, os negócios se recuperaram em julho. Por isso, ele não precisou demitir, diminuir a jornada nem suspender o contrato de nenhum dos 200 funcionários da empresa.

No final do ano, a gente fez algumas projeções e tínhamos planejado fazer contratações depois do carnaval. Só que as notícias da pandemia começaram a adiar essa decisão.
Jorge Luiz Morais

Segundo Morais, além da pandemia, o cenário político cheio de incertezas preocupa.

A gente precisava de mais tranquilidade para que pudesse ter um ritmo de negócios mais intenso.
Jorge Luiz Morais

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