Agronegócio a ver navios

Falta de contêineres para a exportação de carne, café e algodão encarece frete e aumenta custos do agro

Vinicius Galera Colaboração para o UOL, em São Paulo Wenderson Araujo/CNA/Divulgação
Divulgação/Anea

A reabertura dos mercados e o reaquecimento da economia vêm causando um problema logístico que afeta as importações e exportações de diversos países. Faltam contêineres para a entrega de diversos produtos por navios.

Durante a pandemia, grandes mercados como China e EUA reduziram sensivelmente o ritmo de produção e consumo, mas agora eles demandam boa parte dos contêineres disponíveis.

Os contêineres são propriedades dos armadores, como são chamados os proprietários dos navios. Com o aumento da demanda, eles preferem destinar os equipamentos a quem puder pagar mais pelos fretes ou então a produtos industrializados, de maior valor agregado.

Países fornecedores de matérias-primas, como o Brasil, têm que esperar para conseguir embarcar seus produtos.

A falta de contêineres tem como efeito imediato a alta nos custos para produtores que exportam. Sem ter como embarcar seus produtos, eles precisam arcar com despesas de logística e armazenamento até finalmente conseguirem escoar a produção.

No agro, os itens mais afetados são as carnes bovina, de aves, café, algodão e fumo, que dependem de contêineres. Os fretes na rota Brasil-China aumentaram 625% entre o início da pandemia e hoje. A falta de contêineres não é o único fator causador do aumento, mas é um deles.

De acordo com a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), antes da pandemia o preço do aluguel de um contêiner na rota China-Brasil era de US$ 2.000. Agora custa US$ 14,5 mil.

Na outra ponta, o aumento do frete pode elevar os preços para o consumidor dos países importadores. Altas expressivas nos fretes marítimos do comércio internacional podem implicar uma inflação de preços mundial.

Paulo Whitaker

Oferta de contêineres aumentou, mas é insuficiente

De acordo com Wagner Rodrigo Cruz de Souza, diretor executivo da ABTTC, associação que representa terminais retroportuários terrestres, no ano passado, por conta do lockdown em diversos países, o Brasil continuou exportando, mas agora cargas que estavam paradas em países de peso no comércio internacional voltaram a ser escoadas.

Souza diz que apenas no Porto de Santos, o maior do Brasil, houve um aumento de 20% no volume de contêineres, mas ainda assim a oferta é insuficiente.

De acordo com o coordenador técnico da Esalq-Log, Thiago Péra, desde o início da pandemia houve um choque na demanda que agora causa uma desorganização logística global.

Portos paralisados, mudanças no padrão de consumo da população com o crescimento do comércio eletrônico, linhas de auxílio emergencial consideráveis em diferentes países, tudo isso provocou uma desorganização logística.
Thiago Péra, coordenador técnico da Esalq-Log

O maior volume das exportações do agronegócio brasileiro não é exportado por contêineres, mas em navios graneleiros. O reaquecimento da demanda também afetou esses navios, explica Péra.

Segundo ele, os fretes marítimos para a modalidade quase duplicaram, mas no caso dos contêineres o aumento foi ainda maior.

Paulo Whitaker

Demanda por contêineres provoca efeito cascata

Uma série de fatores contribui para agravar o cenário. Festividades que movimentam muito mercados desenvolvidos, como Halloween, Black Friday e Natal, acentuam a situação, explica Péra, da Esalq-Log. "Tradicionalmente esta é uma época crítica, que demanda muito mais o uso de contêineres."

Empresas que atuam no sistema de gestão de estoque "just in time" têm uma alta dependência de produtos para a exportação. Como faltam matérias-primas, há um aumento na demanda. Péra diz que a situação tende a demorar pelo menos mais seis meses para se normalizar. "Todo mundo está puxando muitos contêineres agora, e isso provoca um efeito cascata."

No caso do agronegócio, a falta de contêineres tira a competitividade do exportador. Segmentos como os de algodão, carnes de um modo geral, café e fumo têm registrado altas expressivas nos custos. Como a demanda é alta, os resultados poderiam ser melhores.

De janeiro a julho o volume de movimentação de contêineres teve um aumento expressivo de 15% em relação ao ano passado, segundo a Esalq-Log.

Os seis principais produtos exportados são:

  • Madeireiros: 11%
  • Carnes de aves e congelados: 9,9%
  • Café: 5,2%
  • Químicos e orgânicos: 4,7%
  • Pasta de celulose: 3,8%
Getty Images/iStockphoto

"Estamos vivendo um trailer do que precisamos fazer"

O setor de carne de frango e suína diz que, apesar da falta de contêineres, entre janeiro e setembro, o mercado registrou crescimento nas exportações. De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), os embarques de carne de frango cresceram 9,2% enquanto os de carne suína aumentaram 14% no período.

"É impossível dizer que não estamos sendo afetados. Mas é importante notar que o que está acontecendo é uma perda de oportunidade para o país. O desempenho poderia ser muito melhor", diz o presidente da associação, Ricardo Santin.

A estimativa da associação é de fechar o ano de 2021 com faturamento em torno de US$ 10 bilhões, mas o número poderia ser ainda maior. Mesmo não tendo uma estimativa consolidada, Santin fala em algo em torno de 5% a 10% a mais.

Apesar de o problema com os contêineres ser comum ao mundo todo, o executivo diz que ele acentua dificuldades estruturais do Brasil.

Estamos vivendo um trailer do que precisamos fazer. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE], o Brasil precisa crescer 41% nos próximos cinco anos. Para que isso aconteça, é preciso desburocratizar o setor portuário e atrair investimentos.

Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA)

Paulo Whitaker

Cancelamentos e remarcações de embarques viraram rotina

Os exportadores de café dizem que têm sofrido com a disputa por contêineres e deparado com sucessivos cancelamentos de reservas. "Vemos a rolagem de cargas para a frente, e fretes cada vez mais caros", diz o diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Matos. Em 2020, a associação exportou para 120 países.

Segundo o Cecafé, as taxas de rolagem e cancelamento variam de 45% a 55%. Entre maio e setembro o setor deixou de exportar cerca de 4,3 milhões de sacas. "Deixamos de ter receitas da ordem de US$ 600 milhões."

O diretor do Cecafé explica que o setor, juntamente com outros elos da cadeia do agro, tem conversado com os ministérios da Infraestrutura, Agricultura e Economia na tentativa de viabilizar um plano emergencial.

Sabemos que é um problema global, mas temos esperança que o diálogo do governo com os armadores globais seja construtivo.
Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé)

Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), diz que o problema foge ao controle de qualquer país.

Segundo ela, todas as comissões da CNA estão em tratativas com o governo para elaborar um plano de contingência. "Mas no curto prazo há pouco o que fazer."

José Medeiros/Folhapress

Custo de exportação do algodão para a Ásia dobrou

O setor do algodão diz que deve haver um atraso considerável nas exportações. Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Júlio Cézar Busato, por enquanto o setor não tem como quantificar os prejuízos porque este ainda é o segundo mês do novo ciclo exportador.

Hoje estamos mais preocupados com o custo do frete. O impacto para nós é muito maior do que para os norte-americanos.
Júlio Cézar Busato, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa)

O presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), Miguel Faus, explica que os custos das exportações já estão aumentando para alguns destinos. "Há casos de embarques para a Ásia em que os custos dobraram", diz.

Segundo Faus, as remarcações de embarques têm sido de uma semana a dez dias.

Ele explica que, neste ano, a safra foi menor do que a do ano passado, quando foram exportadas 2,4 milhões de toneladas. Agora, a tendência é de que o setor embarque cerca de 1.750 mil toneladas.

"Com a safra menor, o problema se acentua. Normalmente exportamos até 200 mil toneladas por mês. Em uma situação normal, conseguiríamos atingir esse número, mas sem os navios não temos como exportar", afirma.

Topo