Esperando o INSS

Desempregada espera aposentadoria, grávida fica sem auxílio-doença: histórias sofridas na fila do INSS

Ricardo Marchesan Do UOL, em São Paulo Lucas Borges Teixeira/UOL

O governo anunciou medidas para tentar diminuir a fila de 1,3 milhão de pedidos sem resposta do INSS há mais de 45 dias, prazo legal para o atendimento. Entre elas, está a contratação temporária de até 7.000 militares da reserva e o remanejamento de servidores.

Ainda assim, o presidente do INSS, Renato Vieira, estima que essa fila de pendentes só será zerada em seis meses. Até a normalização, muitos trabalhadores terão que seguir aguardando além do prazo legal para receber seus benefícios que, para alguns, é a única fonte de renda.

Confira o relato de pessoas que estão nessa situação.

Arquivo pessoal

Sem renda e com duas filhas

Luciana Carvalho, 47, administradora de empresas:

"Estou desempregada desde abril de 2018. Trabalhei em poucas empresas, mas na última foram quase 18 anos.

Quando fui desligada, fiz uma reserva para completar a aposentadoria, pagando o INSS por conta própria. Completei 30 anos de contribuição em 16 de outubro do ano passado.

Quase três meses depois, o pedido da aposentadoria segue em análise. Já passaram os 45 dias de prazo legal.

Tenho duas filhas, uma de 16 e outra de 12 anos. Meu marido também está desempregado. A aposentadoria vai ser a única fonte de renda da família.

Depois de ficar desempregada, saí de São Paulo. Não tinha como me manter lá. Fui para uma cidade menor, Vassouras (RJ), porque minhas filhas têm bolsa de estudos.

Continuo procurando emprego. Até hoje mando currículo. Estou tentando, mas é difícil.

Nos últimos tempos, tenho me virado com ajuda de familiares.

Na hora que chega nosso momento (de se aposentar), que é nosso direito, o governo faz isso com a gente. Sinto como se tivesse sido traída.

Arquivo pessoal

Internada e aguardando perícia

Taiz Dering, 35, jornalista.

"Estou grávida e internada desde o final de outubro por causa de uma infecção intestinal.

Agendaram a perícia [para receber o auxílio-doença] para 18 de dezembro. Meu sogro compareceu a uma unidade do INSS levando todos os papeis: laudos médicos, comprovantes de internação, documentos da empresa etc.

A médica fez a avaliação e disse que em dois dias era só consultar o aplicativo para verificar se estava aprovado para começar a receber o benefício. Passaram os dois dias e nada no sistema.

Vieram as festas de fim de ano. No dia 3 de janeiro, meu sogro retornou ao INSS para saber o que tinha acontecido. Informaram que iria ser necessário o perito vir me ver no hospital, e que isso aconteceria dentro de alguns dias. Nos deram um site para consulta e um telefone.

Passados mais alguns dias, ligamos e disseram que tinham vindo fazer a perícia no hospital em 7 de janeiro.

Eu sigo internada. Estava no hospital na data que eles alegam terem vindo, mas ninguém me procurou ou procurou os médicos. Não temos mais notícias, nem previsão de nada.

Ficaram de remarcar e pediram para acompanhar pelo site. Até agora ainda está sem atualização de data [para a nova perícia]

Recebi [o salário de] metade do mês de novembro pela empresa, porque o atestado médico vale por 15 dias. A outra metade, dezembro e janeiro precisam vir via INSS. A previsão do meu parto é final de março, então tenho que receber esses meses retroativos, mais os outros dois meses para frente"

Arquivo pessoal

Auxílio concedido, mas falta receber

Aletéia Santana, 44, agente de trânsito e instrutora de autoescola.

"Passei por uma cirurgia no ombro em 27 de novembro. Estou afastada do trabalho desde o dia anterior. Fiz minha perícia [para receber o auxílio-doença] em 19 de dezembro. O perito deu como procedente até o dia 28 de fevereiro.

Todas as vezes em que eu liguei no 135 (telefone de atendimento do INSS) e fui à agência, o que eles me falam é que tem que esperar, porque está com problema no sistema.

Eles dizem que não entra no sistema para ser liberado o dinheiro, porque o sistema está em adequação.

Estou sem receber da empresa e sem receber do INSS. A única coisa que recebo é uma pensão do meu filho de 9 anos, de R$ 570.

Pago aluguel, condomínio, luz, telefone, água, enfim, tudo sozinha. Neste mês de janeiro ainda tinha alguma coisa que havia recebido do 13º guardado. Não deu para pagar tudo, mas pelo menos o aluguel eu paguei. O resto não sei.

INSS diz que sistema está funcionando

O INSS afirma que o sistema está, de fato, passando por mudanças para se adequar às novas regras de aposentadoria, que começaram a valer em novembro do ano passado, por causa da reforma da Previdência.

O sistema para concessão de auxílio-doença, porém, segue funcionando, de acordo com o INSS.

"No momento, estão habilitados para operação os sistemas para concessão de salário-maternidade, auxílio-doença, auxílio-reclusão, benefícios de prestação continuada ao idoso e à pessoa com deficiência e a pensão especial destinada a crianças com microcefalia decorrente do zika vírus", diz a nota.

A concessão é o reconhecimento de que o trabalhador cumpre os requisitos necessários para receber o benefício e, portanto, está liberado para receber.

Uma fonte do INSS consultada pelo UOL afirma que, de fato, o sistema de concessão está funcionando, mas isso não quer dizer que o processamento de pagamentos do auxílio esteja ocorrendo.

Ou seja, na prática, as concessões seguem normalmente, mas o pagamento de novos auxílios pode estar pendente, como no caso de Aletéia.

O UOL questionou o INSS se os pagamentos de novas concessões de auxílio-doença estão sendo feitos, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.

O que diz o governo?

O secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, disse que a principal causa do aumento da fila do INSS até a metade do ano passado foi a automatização dos pedidos.

Em maio de 2018, o governo inaugurou a página Meu INSS. O plano era que todos os benefícios pudessem ser pedidos pelos cidadãos por meio dele. Desde então, porém, os requerimentos dispararam.

O número de pedidos de aposentadorias, pensões, auxílios da Previdência e do BPC (Benefício de Prestação Continuada) saltou de cerca de 715 mil por mês no início de 2018 para 988 mil mensais atualmente, de acordo com Marinho.

Além disso, após a reforma da Previdência, que passou a valer a partir de novembro do ano passado, o sistema de concessões está sendo modificado para se adequar às novas regras. Ainda não há um prazo final, porém, de quando essa adequação deve ser finalizada.

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