Padoca vira quase luxo

Com disparada dos preços, paulistanos vão menos às padarias, tomam café em casa e preparam marmita para poupar

Vinícius de Oliveira Colaboração para o UOL, em São Paulo Keiny Andrade/UOL

O costume paulistano de ir à padaria —as tradicionais padocas— para fazer qualquer refeição, do café da manhã ao jantar, sofre os efeitos da disparada da inflação no país. Em 12 meses, o pão francês subiu 15,34%, o pão de queijo, 11,41%, e o cafezinho, 7,95%. O almoço ou jantar fora de casa também subiu, 8,55%, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em visita a três padarias da capital paulista, o UOL ouviu reclamações tanto de comerciantes quanto de clientes, que têm reduzido as idas às padocas e tomado café da manhã em casa para economizar.

"Um suco natural por R$ 17? Pelo amor de Deus, não dá. Antigamente, eu vinha à padaria com mais frequência, sabe? Hoje, não tem como. Eu me dou o luxo de vir no máximo uma vez por semana", diz a especialista em marketing digital Juliana Cavalcante, 30.

Ela conta que passou a tomar mais café em casa. Ir à padaria? Apenas em ocasiões especiais, como quando conversou com a reportagem, na Bella Paulista, em um bairro nobre da cidade. Juliana foi até lá porque recebeu a visita de duas amigas.

"Para tomar um café da manhã como a gente fez aqui, eu gastei mais de R$ 50. É um valor surreal", diz Débora Castilho, 33, gerente de um restaurante na Austrália. Ela não vinha para o Brasil há quatro anos e disse ter se espantado com a diferença em relação aos preços de que lembrava.

"O que você gasta para tomar só um café é absurdo. Tem gente que, se fizer isso, gasta tudo que ganhou em um dia em uma só refeição", afirma a engenheira civil Joana Pereira, 26, que mora em Itapema, Santa Catarina.

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Keiny Andrade/UOL Da esq. para a dir., as amigas Juliana Cavalcante, 30, Joana Pereira, 26, e Debora Castilho, 33, na padaria Bella Paulista, em São Paulo

Da esq. para a dir., as amigas Juliana Cavalcante, 30, Joana Pereira, 26, e Debora Castilho, 33, na padaria Bella Paulista, em São Paulo

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Émerson dos Santos, gerente da padaria Bella Paulista, na região central de São Paulo

Novo cardápio com preços mais altos

O espanto com os preços deve aumentar. Nesta semana, a Bella Paulista começou a rodar o novo cardápio, com aumento de 5% a 6% nos produtos oferecidos.

"Tentamos ao máximo segurar os valores para não repassar aos clientes, mas está tudo muito caro. Os principais 'vilões' são a farinha de trigo, as proteínas, os legumes, as verduras, o arroz, a batata, o tomate e a alface. O pé de alface, por R$ 3,90, está caríssimo", diz o gerente Émerson dos Santos, 39.

Principal insumo consumido pelas padarias, a farinha de trigo teve aumento acumulado de 25,39% nos últimos 12 meses, o que encarece produtos como pães salgados e doces, bolos, tortas e lanches.

A expectativa ainda é de mais alta, já que a Índia suspendeu a exportação de trigo devido ao súbito aumento dos preços, para abastecer seu mercado interno. Com isso, o mercado mundial deve voltar os olhos para a Argentina e o Canadá, que são alguns dos nossos principais vendedores do insumo.

Não está ruim só para nós, está ruim para todo mundo. A farinha que a gente usa vem de fora, já é cara. Com a alta dos combustíveis, tudo chegou mais caro ainda. E o movimento que tínhamos antes da pandemia não voltou ao normal, durante a semana. Ainda tem muitos clientes que estão de home office.
Émerson dos Santos, gerente da padaria Bella Paulista

Keiny Andrade/UOL Clientes na padaria Bella Paulista, em bairro nobre de São Paulo

Clientes na padaria Bella Paulista, em bairro nobre de São Paulo

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'Quem levava 9 pães hoje leva 6'

A padaria Estrela do Butantã, na zona oeste de São Paulo, enfrenta problemas parecidos para manter os preços e não perder clientes. O último aumento foi há quatro meses, mas o padeiro Arthur Ferreira Pinto, 55, diz que se prepara para subir novamente os preços.

"No caso de itens que eu revendo, repasso o preço na hora. Quando são itens que eu transformo ou produzo, tento absorver parte do aumento. Tentamos segurar, mas está difícil. Laticínios subiram de novo, e a muçarela aumentou muito. Salada, tomate e cenoura saíram do controle", diz.

Até mesmo os doces estão subindo. Na padaria Nova Karina, no Grajaú, zona sul de São Paulo, a torta de morango que era vendida a R$ 24,90 já custa R$ 33,90. Isto porque a fruta acumula uma alta de 50,17% em um ano.

"Tivemos uma queda de uns 30% no consumo geral. Os preços [dos insumos] estão lá em cima. Qualquer aumento que você faça, o consumidor sente", afirma Aparecida Neves, 47, gerente da padaria. Por lá, o quilo do pão subiu um real, e a procura caiu.

Clientes que levavam de oito a nove pães, hoje levam apenas seis. Fica muito difícil de trabalhar. Mantivemos o preço do pão durante um ano, mas tivemos de aumentar no começo de 2022. A princípio, estamos trabalhando para manter esse valor até o fim do ano.
Aparecida Neves, 47, gerente da padaria Nova Karina

Quanto subiram alguns alimentos em 12 meses

  • Pão francês

    15,34%

    Imagem: iStock
  • Pão de queijo

    11,41%

    Imagem: Priscila Zambotto/Getty Images
  • Pão doce

    15,48%

    Imagem: Divulgação
  • Requeijão

    18,62%

    Imagem: LauriPatterson/Getty Images/iStockphoto
  • Cafezinho

    7,95%

    Imagem: Shutterstock
  • Doces

    11,7%

    Imagem: Reprodução/Philco
  • Leite longa vida

    28,04%

    Imagem: iStock
  • Refeição fora de casa

    8,55%

    Imagem: Keiny Andrade/UOL
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A estudante Larissa Cruz, 20, almoça na padaria Estrela do Butantã, zona oeste de São Paulo

Café em casa e marmita

Eduardo Guena Camargo, 48, costuma frequentar a Bella Paulista por trabalhar ali perto, mas diz que tem limitado suas idas ao local.

"O buffet subiu, as bebidas subiram —tudo tem subido. Eu vinha mais na parte da manhã, mas agora prefiro fazer um café mais completo em casa. Se antes eu vinha três vezes por semana, agora venho apenas uma", afirma o comunicólogo.

Larissa Cruz, 20, estudante de farmácia, também disse não ter o costume de almoçar fora de casa.

"É extremamente caro. Coloquei pouquíssimas coisas no meu prato e deu R$ 40. Antigamente, daria para eu e minha irmã comermos com esse valor", diz ela, que estava na Estrela do Butantã.

A estudante conta que passa o dia inteiro fora de casa, pois faz pesquisa no Instituto Butantã, ali perto, estuda na Mooca, na zona leste, e mora em Rio Grande da Serra, cidade da região metropolitana.

Para economizar, tenta preparar marmita, para não ter que fazer duas refeições fora de casa.

É uma rotina extremamente corrida, e eu tenho que pesar na balança [o preço de tudo]. O almoço é a minha refeição principal, então tento fazer uma refeição melhor. Mas o Butantã é uma região cara.
Larissa Cruz, 20, estudante

Keiny Andrade/UOL Keity Lima, 39, com a filha Beatriz Lima, 18, clientes da padaria Nova Karina, no Grajaú, zona sul de São Paulo

Keity Lima, 39, com a filha Beatriz Lima, 18, clientes da padaria Nova Karina, no Grajaú, zona sul de São Paulo

Keiny Andrade/UOL
A gerente da padaria Nova Karina, Aparecida Neves, prepara café coado

Menos presunto e queijo

Clientes também procuram reduzir os gastos com alimentos comprados para consumir dentro de casa. Na padaria Nova Karina, Keity Angelo Lima e Beatriz Angelo Lima, mãe e filha, afirmam ter trocado a marca de alguns produtos para pesarem menos no orçamento de casa.

"O leite, que a gente consome muito, teve um aumento notório. Por isso, a gente começa a fazer algumas opções, comprar o que está mais barato e testar outras marcas", diz a analista de recursos humanos, de 39 anos.

"Chegamos a reduzir o consumo de queijo, por exemplo, que está mais caro", completa a filha, de 18 anos, aprendiz administrativa.

A troca de marcas consideradas premium para marcas mais básicas, principalmente na linha de frios, foi notada por Aparecida Neves, gerente da padaria.

"As pessoas estão comprando menos presunto e queijo. O peito de peru é um verdadeiro vilão. A mortadela defumada premium teve uma queda [de consumo] grande, porque o preço dela subiu muito. O consumidor trocou para uma linha mais acessível", diz.

O IBGE não apura preços do peito de peru, mas mede a inflação de outros frios. O presunto, por exemplo, subiu 7,6%, a mortadela, 6,53%. Os queijos aumentaram 18,06% em um ano.

Keiny Andrade/UOL Disparada do morango fez a padaria Nova Karina, na zona sul de São Paulo, subiu o preço da torta

Disparada do morango fez a padaria Nova Karina, na zona sul de São Paulo, subiu o preço da torta

O que explica a disparada dos preços?

A disparada da inflação no Brasil tem várias causas. Dentre elas, a pandemia e as políticas de enfrentamento à covid-19, que injetaram dinheiro na economia. Ao mesmo tempo, houve paralisação das cadeias produtivas.

"Com o avanço da vacinação e a abertura da economia, a demanda subiu drasticamente. Se você pegar o IPCA, a concentração da inflação está maior em alimentação e moradia", diz Carlos Castro, economista e planejador financeiro, pós-graduado em Administração pela FGV e Finanças pelo Insper.

"Internamente, também tivemos o aumento da energia elétrica por causa da crise hídrica. A energia brasileira ficou cara no início do ano, o que acabou impactando a cadeia produtiva", afirma. Além disso, a guerra entre Rússia e Ucrânia tem levado ao aumento de commodities como petróleo e trigo. "De novo, isso impacta na alimentação", afirma.

Castro explica que, como os gastos com alimentação são considerados essenciais, quem tem renda menor tende a sentir mais os efeitos da inflação.

"No recorte salarial, quem tem a renda média do brasileiro [R$ 2.500] compromete até 80% dela com necessidades básicas. Se a inflação sobe, a pessoa tem sua renda ainda mais comprometida, sem melhorar o padrão de vida", diz.

"Quem tem renda maior também sente esse efeito, mas o impacto acaba sendo menor. Quem ganha acima de R$ 10 mil, por exemplo, compromete 50% da renda com gastos essenciais. Então tem um pouco mais de espaço para acomodar esse aumento inflacionário", afirma.

De acordo com o economista, a previsão é de que a inflação comece a arrefecer a partir de 2023, voltando aos patamares próximos de 5%.

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