A saga da aposentadoria

Mesmo com tecnologia, filas continuam longas no INSS para tratar de aposentadoria e outros benefícios

Lucas Borges Teixeira Colaboração para o UOL, em São Paulo Foto: Lucas Borges Teixeira; Edição: Maria Carolina Abe

Demora de até 5h, entre espera na fila em pé e atendimento para quem não agendou o serviço. No balcão, apenas um ou dois dos quatro guichês estão em atendimento. Atrás dos servidores, o aviso pregado na parede frustra quem está com pressa: "Sistema lento".

Esta é a realidade diária de agências de atendimento do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) em São Paulo visitadas pelo UOL. Há atrasos, falta de funcionários e lotação.

Mesmo com serviços automatizados e a distância, as pessoas ainda sofrem para obter informações e fazer pedidos em relação a aposentadoria e benefícios como auxílio-doença.

Foto: Lucas Borges Teixeira; Edição: Maria Carolina Abe

Os entrevistados pediram para não ter o nome completo e a foto divulgados pela reportagem. Os funcionários do INSS que falaram com o UOL também pediram para não ser identificados. Não foi permitido fazer imagens das agências do INSS.

Foto: Adriana Toffetti/A7 Press/Folhapress; Edição: Maria Carolina Abe

INSS manda ligar ou entrar no site; segurados dizem que não funciona

Os serviços normalmente feitos em agências do INSS são: prova de vida (para aposentados), entrega de documentos, perícia médica e esclarecimento de dúvidas sobre aposentadoria e outros benefícios, como auxílio-doença e pensão.

Desde 2017, a Previdência tem investido na simplificação dos serviços por meios remotos —o que, segundo o órgão, evitaria as filas. Atualmente, quase todos os serviços do INSS podem ser agendados pelo telefone 135 ou pela ferramenta online Meu INSS (pelo site ou aplicativo, disponível para Android ou iOS).

Além dos exames para concessão de benefícios, o objetivo é que as agências virem apenas um ponto de atendimento para quem não tem acesso à internet e local para receber documentos.

O restante dos atendimentos, como agendamento da revisão de benefícios, checar a situação do segurado ou calcular o tempo de aposentadoria, podem ser feitos remotamente. Mas esta não é a experiência de muitos cidadãos.

Não funciona, reclamam pessoas na fila

"Eu só preciso agendar o meu atendimento. Não quero nem fazer hoje", disse a secretária executiva Marisa D., que esperava havia 20 minutos na fila da agência no Anhangabaú. Ali ficaria pelo menos mais 1h. Ela disse que tentou fazer o agendamento tanto pelo telefone quanto pela internet, como indica o INSS, mas sem sucesso.

Como Marisa, diversos segurados afirmaram à reportagem que não conseguiram ter acesso às informações necessárias por telefone ou pelo site.

Na mesma fila, Nestor Antônio queria checar o tempo exato que ficou sem contribuir, mas disse que não conseguiu fazer isto pelo site.

Eu coloquei meu CPF e minha data de nascimento, e eles diziam que estava errado. Mas eu sei que meu CPF e minha data de nascimento estavam certos
Nestor Antônio

"Minha mãe passou pela mesma coisa", disse Vanessa Gabriela, amiga de Marisa, quando as duas saíram da agência.

Ela já é uma senhora de idade, mas teve que pegar fila com todos os outros porque não conseguiam encontrar os dados dela
Vanessa Gabriela

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil; Edição: Maria Carolina Abe

Entre espera e atendimento, trabalhador pode gastar 5 horas

O tempo de espera nas filas de triagem, para quem não fez agendamento prévio, varia de acordo com a agência e o horário de chegada. Segundo os funcionários, os períodos da manhã nos primeiros dias da semana geralmente são mais vazios.

"Mas não há como prever. Há dias que são mais tranquilos, há dias em que, mesmo de manhã, são piores", disse uma funcionária que pediu para não se identificar.

Poucos guichês abertos

Na agência de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista, a mais tumultuada entre as visitadas pela reportagem, a fila da triagem tinha mais de 20 pessoas e uma espera estimada entre 1h30 e 2h. Dos cinco guichês disponíveis, o UOL viu, no máximo, três serem usados simultaneamente. Na maioria do tempo, eram apenas dois. Às vezes, um.

Ao todo, entre espera na fila e atendimento, o tempo estimado gasto para quem não agendou o serviço é de 4h a 5h.

Para tentar evitar a superlotação, as agências de São Paulo estabeleceram que segurados sem horário agendado só podem entrar até as 13h.

A auxiliar técnica Edilene S. foi à agência para obter informações sobre uma documentação para o filho, preso há cerca de dez meses. Ela quer tentar um benefício para a neta, de pouco mais de 1 ano de idade.

Eu não agendei porque achei que fosse rápido. Cheguei às 9h, passei 1h30 na fila e me deram uma senha. Já vai fazer uma hora que estou aqui sentada
Edilene S.

Ela disse que não conseguiu achar as informações no site e que esperava esclarecer a dúvida no guichê de informações. "Não é para isso que serve? Eu só quero saber de documentação, não estou marcando atendimento nem nada", afirmou. "Mas não sou só eu, não. Tem muita gente esperando aí há muito tempo."

Foto: Roberto Casimiro/Fotoarena/Estadão Conteúdo; Edição: Maria Carolina Abe

Sistema lento, atendente irritado

Atrás do balcão, na agência do Anhangabaú, o aviso em um papel colado na parede frustra a expectativa de quem chega pensando ter um atendimento rápido: "Sistema lento". À frente do computador, a funcionária mostrava insatisfação e impaciência com a máquina.

Sempre foi assim, né? O sistema não colabora, está sempre lento. É internet, é o sistema do próprio INSS, não funciona direito. Isso só atrasa o atendimento. O servidor fica irritado, o cidadão fica irritado. É ruim para todo mundo
Funcionário do INSS que não quis se identificar

O UOL tentou fotografar a situação, mas foi abordado pelo segurança, que explicou que, sem autorização, nenhuma foto no local era permitida. Isso aconteceu em todas as agências. Em uma delas, o funcionário pediu para checar se a foto havia, de fato, sido apagada.

Foto: Robson Ventura/Folhapress; edição: Maria Carolina Abe

Atendimentos agendados também atrasam

Quem faz o agendamento tem acesso a uma fila menor e mais rápida para retirar a senha e esperar por sua hora. Em algumas agências, como a do Brás, também na região central de São Paulo, o horário é mais restrito. Lá não há fila para quem não agendou horário e há menos consultas marcadas. Em outras agências, no entanto, são raros os segurados que não reclamam de atraso.

Lúcia M. tinha um atendimento médico marcado para as 9h50 na agência de Pinheiros. Às 11h, ainda não havia sido atendida. "Ela sofre de depressão, por causa do estresse no trabalho, e está internada. Ela não pode ficar atrasando, tem acompanhamento psiquiátrico e remédio com hora contada", disse Kátia H., que acompanhava a amiga. As duas são enfermeiras da rede pública.

Segundo Lúcia, ela tentou mostrar o documento de liberação do hospital, mas não houve jeito.

Eles falam que não têm o que fazer. Uma delas é muito mal-educada, conversa conosco enquanto come, sem se importar com a situação. Eu não queria estar aqui, sou jovem, queria estar trabalhando, mas não posso trabalhar na minha situação atual. Agora, só podemos esperar
Lúcia M.

Foto: Danilo Verpa/Folhapress; Edição: Maria Carolina Abe

Segurados não sabem onde buscar informações

Um dos objetivos dos pontos de atendimento é esclarecer dúvidas da população, segundo o INSS. Como os balcões acabam sendo tomados pelas consultas não agendadas, cabem aos seguranças terceirizados responder a dúvidas como que serviços são feitos na agência em questão, horário de funcionamento ou qual fila é a certa.

Também falta informação sobre se o serviço pelo qual o segurado está esperando está sendo feito de fato ou não.

"Eu quero fazer uma denúncia", disse o marceneiro Marcelo O., ao ver a reportagem do UOL. "É a segunda vez que eu venho neste mês. Na primeira, o médico faltou, e ninguém disse nada. Depois de mais de uma hora esperando, avisaram que ele não estava aí!". Ele afirmou que teve de refazer o agendamento pelo telefone.

Mas como fica? Ele [o médico] falta e não falam nada? Já está errado ele faltar, mas, se aconteceu alguma coisa, deveriam avisar o cidadão, não? A gente tem que prestar conta no serviço
Marcelo O.

INSS pediu mais funcionários, mas não houve concurso

O UOL enviou dez perguntas ao INSS sobre o quadro geral de funcionários e atrasos nos atendimentos aos segurados. Não houve resposta de nenhuma questão até a publicação desta reportagem.

No começo de 2019, o INSS já sabia que, dos 35 mil funcionários na ativa, cerca de 12 mil tinham o direito de se aposentar até o fim do ano. Por isso, pediu um novo concurso ao governo federal, mas, em meio ao corte de gastos, o pedido foi negado.

Em setembro, o Ministério Público Federal ajuizou uma Ação Civil Pública determinando a realização de um novo concurso para suprir a falta de funcionários do INSS. O INSS não informou qual deve ser a resolução.

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