Menos risco, mais segurança

Investidor precisa se preparar para mudanças na carteira quando estiver perto de se aposentar

Colaboração para o UOL, em São Paulo Kampus Production/ Pexels
Getty Images/iStockphoto

Nunca é tarde para começar, mas as formas de investir podem variar dependendo do estágio de vida do investidor. Aplicações válidas durante o período de acumulação de recursos não são necessariamente as mais indicadas no momento em que uma pessoa se aposenta e passa a depender mais do retorno de seus investimentos.

Um investidor que recebe rendimentos do trabalho está em melhor condição para se arriscar do que aquele que conta com a renda gerada pelo patrimônio para manter o padrão de vida de antes da aposentadoria.

A margem de erro, portanto, diminui, o que leva a uma composição de carteira mais conservadora para quem é mais velho. Mesmo nesse caso, alguma dose de ousadia continuará sendo necessária para que o dinheiro não acabe em pouco tempo.

Getty Images

Proteção deve avançar junto com a idade

Uma regrinha de bolso do planejamento financeiro ensina que a busca por segurança nos investimentos deve ser compatível com a idade do investidor. Assim, uma pessoa de 30 anos que começou a investir com 30% da carteira em renda fixa teria que elevar esse percentual para pelo menos 70% quando chegar aos 70 anos.

Isso está longe de ser uma lei a ser seguida a ferro e fogo porque, ao mesmo tempo em que uma carteira pode ser mais ou menos defensiva a depender do momento do mercado, manter uma participação importante em ativos de renda variável pode ser útil até o fim da vida do investidor.

De qualquer forma, o paralelo entre idade e segurança nos investimentos transmite bem a ideia de que um investidor que foi arrojado na fase de acumulação de riqueza deveria se preocupar em ser mais cauteloso quando passar a viver com a renda de seu patrimônio.

Mudanças podem começar dez anos antes da aposentadoria

Os dez anos que antecedem a aposentadoria são um bom prazo, segundo assessores financeiros, para o investidor tirar o pé do acelerador e realizar gradualmente a transição de carteira. A ideia é, nesse período, tornar o portfólio menos suscetível a choques no mercado, que possam adiar o plano ou reduzir o patrimônio a ser usufruído na aposentadoria.

Nesse momento, o espaço para operações de maior risco na Bolsa vai se limitando ao que exceder a necessidade de capital mínima. Em outras palavras, se o retorno dos investimentos for muito apertado se comparado ao custo de vida na aposentadoria, não haverá margem para o investidor assumir riscos. Alocações em renda fixa devem ser, nesse caso, maiores do que nas situações em que há folga de capital.

De forma geral, recomenda-se que os ativos de risco sejam reduzidos gradualmente à medida que o capital acumulado for permitindo geração de renda em ativos de renda fixa de forma mais segura, consistente e com menor volatilidade.

Celso Holanda, assessor de investimentos sênior da Consulenza Investimentos

Na aposentadoria, as fontes de renda do trabalho extenuam-se. Correr risco é proibitivo.

Luis Barone, sócio-diretor da Galapagos Wealth Management

Getty Images/iStockphoto

Ações não saem de cena, mas foco é qualidade para reduzir risco

Como os investimentos precisam ser mais previsíveis na aposentadoria, a recomendação é diminuir a exposição a ativos mais voláteis. No caso de investidores arrojados, isso significa muitas vezes substituir boa parte das ações por títulos de renda fixa. Mais importante do que reduzir a exposição, porém, é ser criterioso na escolha dos investimentos em renda variável, já que também não é saudável eliminar todos os ativos da categoria.

Na fase de acumulação de capital, o foco no longo prazo leva o investidor a atravessar períodos de alta instabilidade característicos de ativos como moedas virtuais e small caps (ações de empresas menores). Após a aposentadoria, no entanto, quando não se tem mais o tempo como um aliado, esse tipo de investimento deve ser, se não descartado, reduzido ao mínimo possível.

Nesse momento, passam a ser indicados os ativos mais negociados na Bolsa, o que representa tanto saída fácil do investimento quanto menor volatilidade, assim como aqueles valorizados pela boa regularidade na distribuição de dividendos.

Entram nesse grupo os fundos imobiliários, junto com ações de alta liquidez da Bolsa, as chamadas blue chips, de empresas cujo lucro dividido com acionistas remunera melhor o investimento. Cabe olhar também para companhias que, por prestarem serviços essenciais (por exemplo, saneamento básico), são menos vulneráveis a choques recessivos, o que torna seus resultados mais previsíveis.

Bons pagadores de dividendos podem ser um investimento atrativo a quem precisa de renda, desde que o investidor saiba lidar com as oscilações dos preços das ações.

Flávio Pretti, planejador financeiro associado à Planejar (Associação Brasileira de Planejamento Financeiro)

Fundos imobiliários geram renda de forma mensal ao investidor, mas também são mais indicados a quem tem conhecimento do mercado e sabe avaliar a qualidade do fundo. É um ativo que também pode sofrer grande volatilidade.

Celso Holanda, assessor de investimentos sênior da Consulenza Investimentos

Um caminho, na carteira de ações, é migrar de empresas que buscam crescimento acelerado para empresas estabelecidas e com fluxo de caixa previsível, o que vai se traduzir em dividendos também mais previsíveis.

Luiz Henrique Wickert, analista sênior da sim;paul investimentos

O mais lógico é reduzir a exposição a risco, até porque o benefício da aposentadoria geralmente é menor do que o salário recebido durante a fase ativa. Os investimentos seriam uma forma de complementar a renda. Com raras exceções, como em casos em que a pessoa acumulou patrimônio muito significativo, o normal é que haja um conservadorismo maior na aposentadoria.

Luiz Henrique Wickert, analista sênior da sim;paul

À medida que o investidor vai se aproximando da aposentadoria, é importante reduzir a exposição em renda variável, principalmente nos investimentos mais voláteis, que podem ser válidos na fase de acumulação. Ele tem menos tempo para se recuperar das eventuais quedas do mercado. A aposentadoria é um momento em que não há mais muito espaço para erro.

Lucas Radd, superintendente de portfólios e advisory da Inter Invest

Seletividade também vale na renda fixa

Blindar o patrimônio também depende de cuidados na hora de escolher investimentos em renda fixa. Na fase de acumulação de riqueza, títulos de dívida corporativa —aqueles emitidos por empresas não financeiras e em que há maior risco de calote— são uma opção a ser considerada quando se busca melhorar o desempenho da carteira.

Na aposentadoria, contudo, o foco deve ser maior em papéis com as melhores notas de avaliação de crédito, ainda que eles remunerem menos. Embora a renda fixa seja associada muitas vezes a rendimentos mais previsíveis, também é possível acontecer perdas aqui quando as empresas não pagam. Para quem deseja maior regularidade nos fluxos de renda, melhor evitar.

Na avaliação dos prazos, títulos mais longos costumam pagar mais juros, porém o investidor fica anos a fio exposto à volatilidade dos preços caso queira vender o título antes do vencimento. Se levar o título até o vencimento, ganhará a rentabilidade prometida pelo título, mas a data pode exceder a expectativa de vida do investidor.

Já nos títulos de curto prazo, o período de exposição ao sobe e desce do valor de mercado é reduzido, porém eles remuneram menos. Fora isso, há o risco de, após o resgate, o investidor não encontrar taxas tão boas para reinvestir o dinheiro em outro título.

Como resolver o impasse? A dica de especialistas em planejamento financeiro é escalonar vencimentos. Ou seja, vale buscar uma graduação de títulos: desde papéis que podem ser vendidos a qualquer momento sem prejuízo e que pagam pouco a títulos rentáveis de longuíssima duração.

É uma forma de o investidor preservar um colchão de liquidez para meses de retornos baixos da carteira e estabelecer um fluxo constante de vencimentos, ao mesmo tempo em que reserva, nos papéis mais longos, o patrimônio a ser futuramente transferido a herdeiros.

Getty Images

O investidor pode optar por fazer investimentos com liquidez escalonada, conseguindo ter assim uma parte da carteira com maior disponibilidade e menor retorno, ao mesmo tempo em que entra nas aplicações mais rentáveis em que há liquidez apenas no vencimento. Mas, de qualquer forma, o prazo médio dos títulos tende a diminuir no momento da aposentadoria.

André Chede, CEO da Turing Investimentos

Getty Images/iStockphoto

Títulos que pagam juros semestrais são indicados

O pagamento de juros e os resgates dos investimentos em renda fixa devem, no mundo ideal, acontecer em alinhamento com os compromissos financeiros do investidor. Se uma dívida importante terá que ser paga em determinado mês, é razoável que parte dos resgates esteja agendada para antes da data.

Da mesma forma, junto com os dividendos de ações e fundos imobiliários, a renda fixa precisa entregar um fluxo de renda constante. Por isso, o planejamento financeiro é fundamental.

Por mais longos que sejam, não é difícil encontrar no mercado títulos que, a cada seis meses, pagam juros antes de seu vencimento, o chamado cupom semestral. Com um pouco mais de esforço na pesquisa, o investidor também consegue encontrar papéis com cupons a cada três meses. Não é preciso, então, esperar a data de vencimento, ou vender o título antes do vencimento, para levantar dinheiro com o papel.

Além disso, assim como na fase de acumulação de riqueza, títulos que corrigem o valor investido pela inflação são os mais indicados após a aposentadoria. Assim, o capital mantém poder de compra até o vencimento do título.

Emitido pelo Tesouro Nacional, o Tesouro IPCA+ é a principal referência de título com opção de cupom semestral e que acompanha a inflação, junto com o pagamento de uma taxa prefixada. Não à toa, está entre os investimentos mais indicados antes e depois da aposentadoria.

Anna Shvets/ Pexels

Ficar só na renda fixa não é o melhor caminho

Embora seja prudente reforçar a proteção do patrimônio quando a aposentadoria está mais próxima, é importante tomar cuidado para não exagerar no conservadorismo. Investimentos que podem ser resgatados a qualquer momento sem risco de perda trazem sensação de segurança, mas também são os que pagam menos juros.

Assim, se todo o dinheiro estiver investido, por exemplo, em títulos da dívida pública que acompanham a variação da taxa básica de juros (o Tesouro Selic, forma mais conservadora de investir), o investidor corre o risco de consumir todo o patrimônio após poucos anos de aposentadoria.

Se a ideia é proteger a riqueza acumulada, a escolha somente dos produtos financeiros mais conservadores do mercado pode ter, portanto, o efeito oposto. Assim, para que o patrimônio entregue renda e não perca poder de compra para a inflação, é indicado que o investidor continue assumindo algum risco na renda variável.

Um investidor com capital adequado para gerar renda via dividendos corre muito menos risco de ver o patrimônio acabar do que um investidor conservador que tem seu patrimônio em renda fixa pós-fixada e faz resgates regulares. Se não fizer uma excelente administração de fluxo de caixa, este segundo corre grande risco de viver mais do que seu patrimônio.

Ivens Gasparotto, chefe de consultoria da Suno

No caso de investidores que montaram uma carteira previdenciária robusta ao longo da vida em ações e fundos imobiliários, faz sentido manter boa parte desta estrutura se os fluxos de dividendos suportarem as despesas mensais.

Fabricio Faria De Lucca, da assessoria de investimentos da Terra Investimentos

Topo