À procura de unicórnios

Você pode ganhar dinheiro sendo investidor em uma startup no Brasil?

Colaboração para o UOL, em São Paulo iStock

Em franca expansão, os investimentos em startups no Brasil foram multiplicados em 21 vezes nos últimos cinco anos. Em 2016, eles somavam US$ 452,2 milhões. Em 2021, alcançaram a marca de US$ 9,4 bilhões, segundo a plataforma de inovação Distrito, que produz relatórios sobre esse mercado.

De 272 rodadas de investimento em 2016, o volume de negociações saltou para 779 em 2021. Os investidores estavam em busca de um sonho: descobrir (e fazer parte) dos próximos unicórnios — nome dado às empresas que adquirem valor de mercado acima de US$ 1 bilhão.

A possibilidade está, em tese, aberta a qualquer pessoa que tenha pelo menos R$ 1.000 para aplicar nos primeiros passos de uma companhia. Mas, na prática, a aposta nas startups não é para todo mundo. Ela só faz sentido para quem tem caixa, paciência e disposição de assumir o risco de perder dinheiro em inúmeras tentativas fracassadas — até encontrar a empresa certa.

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De modo geral, investidores de startups são pessoas que têm propensão a risco e aceitam a ideia de investir num ativo que tem de 10% a 20% de chance de dar certo, a troco de um possível ganho de cinco a dez vezes o valor investido.

Wlado Teixeira, diretor do grupo de investidores-anjo GVAngels

Startups são empresas de base tecnológica altamente escaláveis. Há uma expectativa de rápido crescimento e retorno elevado para esses investimentos, que são de alto risco. A maioria dá errado. Mas os que dão certo, dão muito certo.

Renato Valente, sócio da Iporanga Ventures

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Potencial que não se vê na Bolsa

Investidores de startups são atraídos por ganhos potenciais acima daqueles que são gerados por companhias que estão na Bolsa. Estas, mais maduras, já passaram por etapas de desenvolvimento pelas quais uma empresa embrionária ainda vai percorrer. Assim, uma startup promissora ainda tem a construir um valor de mercado, enquanto a empresa que tem ações negociadas nos pregões já têm uma reputação.

Lucrar com a execução bem-sucedida do plano de negócios de uma startup desde seu ponto de partida é, então, o objetivo final do investidor que se dá ao trabalho de procurar por empresas em desenvolvimento fora do balcão de negociações.

Exemplos de inspiração não faltam. Gigantes como Apple, Amazon, Google, Microsoft e Facebook — ou Nubank e Mercado Livre, para mostrar que eles também existem na América do Sul — já foram um dia empresas pequenas que precisaram de investidores para financiar suas primeiras etapas de crescimento.

Com a sofisticação do mercado de capitais, é saudável que os investimentos em startups sejam cada vez mais considerados. Eles fazem sentido, mas somente a um investidor que tenha o capital disponível e entenda o risco. Investimento em startups combina alto risco com grande potencial de retorno no longo prazo.

Pedro Guimarães, CEO da gestora de investimentos Fiduc

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Maior chance de erro do que de acerto

Num país em que seis em cada dez empresas não conseguem completar cinco anos de existência, o investidor de startup dificilmente conseguirá acertar de primeira. É preciso estar preparado para errar inúmeras vezes até se chegar a um investimento que traga retorno maior do que o dinheiro perdido em apostas erradas.

Se acontecer, esse retorno tampouco será imediato. Os prazos podem variar muito, mas, em geral, o investidor dificilmente conseguirá encontrar uma porta de saída antes de cinco anos. Ou seja, leva tempo até ser possível passar o negócio para frente em novas rodadas de investimento — quando as participações na startup trocam de mãos —, numa oferta pública inicial de ações (o chamado IPO, na sigla em inglês) ou na venda da startup a outra empresa.

Como normalmente essas empresas estão investindo o caixa, e quase sempre trabalham com prejuízo nos primeiros anos, é preciso também levar em conta que a startup não vai distribuir dividendos a seus investidores.

Em resumo, trata-se de um investimento de alto risco e baixa liquidez — nem sempre haverá tempo de sair dele sem perder todo o dinheiro —, onde o horizonte de retorno, se as coisas derem certo, costuma ser de longo prazo e sem renda. Mesmo quando o perfil é compatível aos riscos desse tipo de ativo, a orientação a investidores é jamais colocar mais de 10% do patrimônio em startups.

Investidores com perfil de risco arrojado e que buscam retorno a longo prazo podem investir em startups. É um investimento em que a liquidez é muito baixa e de prazo indeterminado, porém com possibilidades de retorno altíssimas. A expectativa de valorização de dez vezes num período de cinco anos é uma boa meta a se buscar.

Marcio Flôres, head da Meta Ventures

Não se investe numa única startup

Diversificação é fundamental na estratégia de qualquer pessoa interessada em limitar os riscos de seus investimentos. Quando se trata de startups, poucas vezes aquela velha lição de "nunca colocar todos os ovos numa única cesta" faz tanto sentido.

Como geralmente o investidor só consegue acertar depois de diversas tentativas, não é razoável concentrar todo o capital num único negócio. A chance de sucesso aumenta quando o investidor tem condição financeira de se posicionar em diferentes startups, sem extrapolar o limite de exposição ao risco (de 10% do patrimônio).

Diversificar não se resume a entrar em startups de diferentes setores, mas também em empresas que vivem fases diferentes de maturação. Vale combinar, por exemplo, projetos que ainda não entraram em operação, a chamada fase pré-seed (onde o risco é mais alto), com startups que já estão funcionando a pleno vapor (fase de tração).

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Mesmo que obedeça a orientação de investir até 10% do patrimônio, existe uma regra de ouro: não concentre seu investimento em poucas startups.

Wlado Teixeira, diretor do grupo de investidores-anjo GVAngels

A diversificação comanda o jogo. Não podemos prever qual startup dará um retorno exponencial, mas podemos diversificar os investimentos.

Guilherme Enck, cofundador da CapTable

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Atenção aos fundadores

Pesquisar quem são os fundadores da startup, em especial sua formação e histórico profissional, é um bom ponto de partida na seleção dos potenciais investimentos. Afinal, serão eles que colocarão a mão na massa para fazer o negócio acontecer.

Em prol da segurança jurídica, um dos principais avanços do marco legal das startups foi justamente delimitar os papéis do investidor e do administrador da empresa. O investidor faz o aporte e espera uma remuneração futura. Os administradores tocam o negócio. A confiança nos diretores é uma premissa do investimento, uma vez que nem sempre os investidores terão um representante no conselho de administração e poderão indicar executivos ao comando da organização.

Além do comprometimento e dedicação dos fundadores com o projeto, cabe avaliar se as competências se complementam, com formações em diferentes áreas. É precivo verificar também se se eles estão abertos a aprender com os novos investidores quando eles colocam o capital intelectual à disposição do negócio. De nada adianta uma empresa ter a oferecer um produto ou serviço revolucionário, se a equipe à frente do projeto não tiver empenho e talento.

Não adianta ter só uma boa ideia. É preciso uma boa equipe. É importante conhecer o time, porque depende dele a perspectiva de a empresa virar um dia um unicórnio.

Danielle Lopes, sócia e analista da Nord Research

Fazer uma startup dar certo implica muita dedicação, o que só é possível quando os fundadores trabalham nela em período integral.

Wlado Teixeira, diretor do grupo de investidores-anjo GVAngels

A startup é uma organização em estágio inicial e depende muito dos empreendedores, que vão gerar a confiança na capacidade de executar o plano. Ela terá de testar, retestar e refazer até dar certo.

Guilherme Enck, cofundador da CapTable

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Tamanho do mercado revela os limites do crescimento

Sem poder contar com o longo histórico de desempenho como das empresas da Bolsa, o investidor de startups precisa ter tino apurado para separar negócios promissores daqueles que vão ficar pelo caminho.

A questão decisiva ao futuro da empresa é se a inovação proposta pela startup vai ser desejada pelos consumidores. Mas, antes de se ocupar com essa pergunta, o investidor pode ir atrás de dados objetivos que serão determinantes para o sucesso do investimento.

Entre eles, busque informações sobre o tamanho do mercado em que a startup vai se inserir. Disso irá depender o potencial de escalada da empresa, que terá seu limite no mercado em que ela atua. Por melhor que seja a ideia, uma empresa não vai muito longe se o mercado for pequeno.

Vale também avaliar se o negócio da startup poderá ser facilmente replicado pela concorrência. Se for o caso, evite. Por outro lado, um gigante do setor pode representar uma possível porta de saída ao investimento no futuro, caso ele não tenha outra alternativa a não ser fazer uma oferta de compra da startup.

Startups representam um risco elevadíssimo porque são empresas que desenvolvemsoluções inovadoras, exigem recursos para tecnologia de ponta, contratação de mão de obra e crescimento rápido. Pelo alto risco, o investimento é feito por estágios, e cada estágio serve para validar a evolução da empresa.

Renato Valente, sócio da Iporanga Ventures

Para uma pessoa completamente leiga, a exposição em startups não é recomendada na maioria dos casos. Os investidores ficam empolgados com histórias de startups que viraram unicórnios, mas não podem se esquecer que, para cada unicórnio, outras centenas fracassam e ficam pelo caminho.

Alberto Amparo, head de análise internacional na Suno Research

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Venture capital e investidor-anjo são caminhos para quem tem muito dinheiro

São três as portas de acesso ao universo de investimentos em startups. A mais restrita está nos fundos que investem em diversas empresas em estágio inicial de desenvolvimento, os chamados "venture capital".

Aqui, a diversificação é garantida, mas os valores de investimento partem das dezenas de milhares de reais. A participação fica reservada a grandes patrimônios, como os de investidores profissionais que têm mais de R$ 10 milhões em investimentos, e "family offices", escritórios responsáveis pela gestão da fortuna de famílias ricas.

Outra porta de inserção está nas redes de investidores-anjo. São grupos que reúnem pessoas com alguma experiência em comum (na maioria dos casos, quem cursou a mesma universidade ou ocupa posições de comando em empresas), e que, além de colocar dinheiro, entregam mentoria ao negócio.

O grupo assiste rotineiramente a apresentações de startups que estão atrás de recursos para avaliar onde investir. Em geral, cada anjo decide se vai participar ou não, mas também redes nas quais todos os membros são obrigados a entrar se um investimento for aprovado em comitê. Normalmente, o investimento por membro não sai por menos de R$ 25 mil.

O risco de qualquer startup não ter sucesso é muito grande, de modo que a única forma recomendável de se fazer investimentos nessa classe de ativos, onde a liquidez também é baixíssima, é por um fundo de investimentos em startups.

Pedro Guimarães, CEO da gestora de investimentos Fiduc

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Plataformas permitem entrar em startups com R$ 1.000, ou até menos

Por fim, existem os crowdfundings de investimento. Eles também são conhecidos como investimentos participativos, com plataformas eletrônicas que permitem a conexão de todos os agentes envolvidos. Isso inclui pequenos investidores, que encontram nesse ambiente a forma mais acessível de entrar em startups que geram até R$ 10 milhões em faturamento anual.

Ao reunir um grande número de participantes, as plataformas de "equity crowdfunding", como também são chamadas, permitem investimentos mínimos de R$ 1.000 em startups. Não raro, rodadas chegam a ser realizadas com valores de entrada até menores, como R$ 500.

Pelas regras da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que regula os crowdfundings de investimento, o investidor comum pode aplicar no máximo R$ 10 mil por ano nessas plataformas, ou até 10% do patrimônio se tiver mais de R$ 100 mil investidos.

Uma vez inscrito nas plataformas, ele passa a receber avisos das rodadas de investimentos abertas e também pode acessar os documentos apresentados pela startup que está captando dinheiro de investidores — entre eles, o plano de negócios e balanços financeiros. Após a captação, a CVM exige que as empresas apresentem semestralmente aos investidores seu balanço contábil e atualizem todo mês os principais indicadores da operação.

Para começar, indicamos que os investidores reservem frações modestas do patrimônio a startups. Fora isso, é importante e saudável para a longevidade dos investimentos que exista uma diversificação no maior número de startups possível.

Henrique Maggi, head de originação da Clearbook

O investidor de plataforma não tem participação na gestão da empresa. Ele pode vir a fazer parte de um conselho informal a depender de um convite, mas não existe nada regrado em contrato que obrigue a participação.

Guilherme Enck, cofundador da CapTable

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