Investir nos EUA é uma boa?

Com juros em alta no mercado americano, é uma boa investir lá? Analistas avaliam riscos

Colaboração para o UOL, em São Paulo

Você investe ou quer investir em renda fixa ou ações nos EUA? O aumento dos juros lá está mais rápido do que o esperado e exige cuidado para quem pretende aplicar no país.

Os juros estão subindo para conter a maior inflação nos EUA em quatro décadas. A maior remuneração dos títulos emitidos pelo Tesouro americano — os "treasuries" — não representa, no entanto, o surgimento de um paraíso financeiro para quem sonha em lucrar sem assumir riscos. Muito pelo contrário.

A alta dos "fed funds", como são chamados os juros de referência do Fed (Federal Reserve), o Banco Central dos Estados Unidos, tem um ritmo imprevisível. O UOL levantou com especialistas dicas para tentar se proteger nesse cenário.

Juros sobem, Bolsa cai

Antes alimentada por estímulos fiscais e monetários, que permitiram a retomada das economias após o primeiro impacto da crise sanitária, a inflação ganhou impulso em todo o mundo com o impacto da guerra da Rússia contra a Ucrânia sobre os preços de combustíveis e alimentos.

Contra a escalada inflacionária, os Bancos Centrais, primeiro das economias emergentes e agora dos países ricos, começaram a reverter medidas lançadas no enfrentamento da pandemia. Isso inclui a elevação dos juros por mais tempo e de forma menos gradual do que os economistas imaginavam.

Nos Estados Unidos, os fed funds subiram de 0,25% a 0,5% em março, a primeira alta desde dezembro de 2018. Agora estão em 0,75% a 1% ao ano — e o Fed ainda está longe de terminar o trabalho. As previsões de mercado apontam os juros chegando a 4% no ano que vem.

Não é uma tendência positiva para Bolsa. Taxa de juros mais alta prejudica os resultados das empresas, seja por esfriar a atividade econômica, seja por aumentar o custo de financiamento dos negócios. Fora isso, aplicações em títulos de renda fixa tornam-se mais interessantes, contribuindo para drenar investimento em ações.

Enquanto isso, os Bancos Centrais agem para enxugar o excesso de dinheiro colocado em circulação para ajudar a impulsionar os ativos de risco, o que provoca um reajuste para baixo no valor das ações. Embora as cotações tenham sofrido descontos desde o início do ano, analistas ainda recomendam cuidado na exposição a Bolsas como a de Nova York. Isso porque a percepção é a de que elas podem não ter incorporado completamente os riscos no horizonte, como a possibilidade de uma recessão global.

A relação de risco e retorno da Bolsa americana não me parece favorável como antes, apesar de gostarmos muito de algumas empresas.

Wilson Barcellos, CEO da Azimut Brasil Wealth Management

Juros no Brasil justificam repatriação de investimentos

Trocar parte dos investimentos em Bolsas americanas pela segurança dos títulos de renda fixa é uma opção a ser avaliada por investidores preocupados em proteger o patrimônio diante das incertezas, ou que pretendem fazer caixa para aproveitar possíveis oportunidades à frente.

Nesses casos, embora os "treasuries" sejam considerados o ativo de menor risco de crédito do mundo, a orientação ao investidor tem sido de repatriar os recursos para aproveitar a remuneração mais alta obtida no Brasil.

Mesmo pagando mais pelo financiamento da dívida, os Estados Unidos seguirão sendo por mais algum tempo um mercado onde os juros rendem menos do que a inflação. Já no Brasil, os juros reais, aqueles que descontam a alta dos preços, só ficam atrás dos praticados na Rússia entre as grandes economias do mundo.

Na hora de definir quais ativos liquidar na migração à renda fixa, o ideal é escolher os menos promissores — melhor ainda se eles já tiverem entregado o resultado almejado pelo investidor. Porém, ao considerar essa opção, o investidor deve levar em conta as perspectivas que os ativos em carteira oferecem no futuro, o que é mais importante do que olhar para o desempenho passado.

O Brasil tem elevados juros reais em comparação com o mundo, termos de troca bem favoráveis e um risco eleitoral menor. O diferencial entre os juros do Brasil e dos EUA parece bem favorável para os títulos brasileiros no momento.

Wilson Barcellos, CEO da Azimut Brasil Wealth Management

O rendimento da renda fixa no Brasil é muito superior ao dos EUA. A taxa de juros aqui é hoje muito atraente, tanto para o investidor estrangeiro quanto ao investidor local. Para o investidor brasileiro, não é hora de investir [em renda fixa] nos EUA.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset

Indefinição sobre juros eleva o risco no mercado de títulos

O mercado de renda fixa nos Estados Unidos é pouco atraente não só por sua baixa remuneração, mas também por poder ser tão instável quanto as ações negociadas em Bolsa.

Ninguém tem certeza sobre até onde e em qual ritmo o Fed vai elevar os juros, de modo que, enquanto durar o suspense, o valor dos títulos pode oscilar bastante.

No mercado secundário, onde os papéis são negociados entre investidores antes de seu vencimento, o valor do título se movimenta em sentido oposto da tendência dos juros. Quando os juros sobem, o valor do título desce, e vice-versa.

Com o ciclo de alta dos "fed funds" apenas começando, é considerável a possibilidade de o Fed subir mais os juros do que o mercado vem antecipando, o que faz o investidor correr o risco de perder dinheiro se tiver que vender os títulos antes do vencimento.

Aumentar a exposição em renda fixa pré-fixada agora pode não ser a melhor estratégia. Provavelmente, o movimento [de alta dos juros] ainda não foi totalmente incorporado aos preços dos bonds.

Luiz Osório Leão Filho, gestor de fundos internacionais da Somma Investimentos

Apesar dos ruídos de aumento dos juros, não faria nada agora, pois o Fed está apenas no começo do ciclo. Ficaremos mais animados com a opção [de investir em renda fixa nos EUA] se os juros chegarem perto de 4%.

Wilson Barcellos, CEO da Azimut Brasil Wealth Management

A renda fixa deve sofrer bastante no curto prazo, com a inflação ainda elevada nos EUA. Não está claro em quanto terminará a taxa de juros americana. Logo, ainda haverá correções no meio do caminho.

Vinícius Telló, sócio e head de offshore da gestora 051 Capital

Estratégia de diversificação

O risco de mercado, tanto das ações quanto de títulos emitidos por governo ou empresas, não deve representar uma proibição de investir nos Estados Unidos. Seja diretamente, abrindo conta em corretora que opera no país, seja por meio de fundos que realizam investimentos internacionais, estar presente nos Estados Unidos é, em qualquer situação, um passo saudável na construção de uma carteira diversificada.

Fugir um pouco dos riscos particulares do Brasil, que não são poucos, está entre as vantagens de se posicionar em ativos americanos. Investimentos em dólar também costumam representar um amortecedor dos impactos de grandes choques internacionais, já que o capital "voa" para a segurança dos títulos americanos em momentos de alta turbulência.

Além disso, o investidor que está nos Estados Unidos tem acesso à diversidade de instrumentos financeiros do maior mercado de capitais do mundo, abrindo assim a possibilidade de novas frentes de investimento. É o caso, por exemplo, dos mercados de algumas commodities agrícolas, como o açúcar, onde o limitado volume de negócios torna pouco viável realizar a operação em Bolsas brasileiras.

O interessante em investir no exterior é a capacidade de diversificação da carteira, o grande número de opções de investimento e o mecanismo de defesa contra eventuais turbulências no ambiente brasileiro, sejam políticas ou econômicas.

Vinícius Telló, sócio e head de offshore da gestora 051 Capital

Exceto no ciclo das commodities que vivemos no passado, eu não me recordo de ter abandonado ativos em dólar em meu portfólio.

Wilson Barcellos, CEO da Azimut Brasil Wealth Management

À espera de oportunidades, investidor deve preservar o caixa

Consultores financeiros entendem que, no momento, a melhor estratégia é esperar pelas oportunidades que podem surgir no mercado americano.

Com os ativos negociados nas Bolsas de Nova York pressionados pelo cenário de alta da inflação e, consequentemente, dos juros, boas empresas podem ficar mais baratas.

Da mesma forma, quando o aumento dos juros se aproximar do fim, os investidores terão a oportunidade de comprar títulos por preços inferiores à média histórica, fazendo da renda fixa uma opção de investimento mais interessante nos Estados Unidos.

Não adianta, contudo, aguardar por essas oportunidades se o investidor não tiver dinheiro disponível para aproveitá-las. Por isso, é um bom momento para se pensar em fazer caixa.

Vencimentos curtos ajudam a limitar risco

Títulos com prazos mais curtos, ainda que entreguem menor remuneração, permitem ao investidor não ficar exposto por muito tempo ao risco de atualização diária de preços. Devem ser a preferência do investidor enquanto houver dúvidas sobre o quanto o Fed irá aumentar os juros.

No cardápio dos "treasuries", os prazos vão de um mês a três décadas. As letras do Tesouro americano, conhecidas como "Treasury Bills", ou simplesmente "T-Bills", são os títulos mais curtos, com vencimentos entre quatro e 52 semanas. Na ponta oposta, os "bonds", ou "T-Bonds", têm vencimento após 30 anos de sua emissão.

Entre as bills e os bonds, as "T-Notes", ou notas do Tesouro, oferecem prazos de resgate que vão de dois a dez anos. Por fim, existem os títulos corrigidos pela inflação ao consumidor dos Estados Unidos, os Tips (Treasury Inflation-Protected Securities), não à toa o mais indicado em momentos de alta dos preços, como o atual.

Mas só é prudente comprar esses papéis se for possível esperar o vencimento. Caso contrário, o investidor correrá o risco de precisar do dinheiro em momento ruim, com os títulos valendo menos do que o preço pago por eles.

Os "treasuries" só são vendidos fora do Brasil. Porém, no caso das "notes" de dez anos, é possível operar contratos futuros na Bolsa brasileira. Pelo instrumento, investidores com apetite a risco podem especular com as variações do título.

Investimento em renda fixa nos Estados Unidos já é uma realidade há algum tempo, mas sabemos que o ciclo de alta dos juros é relativamente limitado porque o Fed tem resistência em subir as taxas.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset

Com juros altos, bancos são opção para investir

Para quem quiser investir em empresas americanas, é importante conferir se o dinheiro está aplicado em companhias bem posicionadas para atravessar o período de juros mais altos — por exemplo, empresas que não vão rolar a dívida nos próximos dois anos. Melhor ainda se elas lucrarem com a alta dos juros.

Gestor de fundos internacionais da Somma Investimentos, Luiz Osório Leão Filho observa que bancos e seguradoras apresentam em geral margens de lucro maiores quando os juros sobem. Empresas financeiras podem entrar, assim, no radar das possibilidades de investimento em ações.

Caso o investimento seja em títulos corporativos, a preferência é por companhias com as melhores avaliações de crédito em tempos de incertezas. Assim, o risco de levar o calote será menor.

Para quem já tem exposição em ações americanas, recomendamos manter a posição, sobretudo visando médio e longo prazo. Para os investidores que ainda não estão posicionados em ações americanas, o ideal é montá-la aos poucos, uma vez por mês, por exemplo.

Luiz Osório Leão Filho, gestor de fundos internacionais da Somma Investimentos

A indicação é se manter neutro em relação à exposição em ações, e aumentar o nível de caixa nas carteiras para aproveitar eventuais oportunidades de compra que devem aparecer no futuro.

Vinícius Telló, sócio e head de offshore da gestora 051 Capital

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