O ex-garimpeiro Dirceu Santos Frederico Sobrinho, 57, não suja mais os pés com lama desde 2007. Foi naquele ano que fundou a F.D'Gold, que o transformaria no maior negociante de ouro do Brasil.

Só no ano passado, a empresa negociou R$ 1,1 bilhão em ouro, o equivalente a algo entre seis e sete toneladas do minério.

Uma das vozes mais influentes pela regularização do garimpo no país, Dirceu tem também a Polícia Federal no seu encalço.

Em 18 de setembro de 2022, Dirceu foi preso sob suspeita de comprar 29 t de ouro e apresentar notas fiscais de cerca de R$ 20 milhões —pela cotação atual, 29 t de ouro valem cerca de R$ 9 bilhões.

Segundo a PF, havia indícios de que o ouro tinha origem ilícita, provavelmente extraído de terras indígenas —mesma acusação de uma ação civil pública contra ele no Pará—, o que é proibido por lei.

A prisão de Dirceu foi revogada cinco dias após a prisão. Sua defesa sustentou que, em vez das 29 t, a F.D'Gold negociou 108 kg do minério, pelo preço de R$ 29 milhões.

"Foi um erro da Polícia Federal", defende-se Dirceu ao UOL, em entrevista realizada em seu escritório na avenida Paulista, em São Paulo. O local é protegido por duas portas blindadas e câmeras de segurança.

O episódio, segundo ele, ajudou a sedimentar a imagem negativa construída ao longo de décadas com os pés afundados na lama do garimpo.

Como nasceu o império do ouro

A F.D'Gold é uma distribuidora de títulos e valores mobiliários (DTVM). Compra ouro diretamente de garimpeiros e donos de garimpo e depois o revende na forma de ativos no mercado financeiro.

Durante anos, foi a maior DTVM de ouro do país, chegando a negociar 600 kg por mês. A atividade caiu a um terço depois que seu fundador entrou na mira da Justiça.

O império do Rei do Ouro, como Dirceu é chamado por estar envolvido em toda a cadeia de produção, inclui ainda uma empresa de fundição, 32 permissões e 130 pedidos de lavra garimpeira —as PLG, emitidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

O empresário também foi dono da refinadora —que recebe o metal ouro com impurezas e o processa para gerar ouro puro— Marsam, mas, segundo o site Observatório da Mineração, vendeu a participação na empresa para a filha em 2021. O filho Pedro é sócio de garimpos e fornecedor de ouro para o pai.

Goiano de Anápolis mas filho de paulistas, Dirceu chegou a São Paulo em 1979, aos 13 anos. Foi office boy, ajudou na pizzaria da família, negociou em Serra Pelada as verduras produzidas pelo pai e chegou até a vender telefones.

O ouro começou a brilhar em sua vida em 7 de setembro de 1986, dia em que chegou à cidade de Itaituba, no Pará, para trabalhar na Faria Fraga DTVM.

Itaituba é a capital do garimpo na região do rio Tapajós e está situada no vale dos Tapajós, considerado a maior extensão territorial com ocorrência de ouro do mundo. São 100 mil km².

Conhecida como "cidade pepita", concentra a maior área reservada à atividade no país: 57,2 mil hectares —1/3 da área do município de São Paulo—, segundo a ONG MapBiomas.

Junto de Jacareacanga, São Félix do Xingu e Ourolândia do Norte, responde por 45% de todo o território do garimpo brasileiro.

Mas a abundância de ouro também atrai problemas. Estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) indica que 81% de todo o ouro com "indícios de ilegalidade" vendidos no Brasil entre 2019 e 2020 saíram de Itaituba.

Dirceu trabalhou para a Faria Fraga, em Itaituba, até aprender a negociar ouro, quando montou uma empresa para comprar o minério das DTVMs. Em 1989, abriu sua primeira refinadora, a Hirânia Metais, da qual não é mais sócio.

Em 1990, comprou Santa Felicidade, em Itaituba, seu primeiro garimpo. O antigo dono havia sido assassinado e a família decidiu passar a terra adiante.

O negócio custou 33 kg de ouro: 23 kg pelo garimpo, 7 kg para comprar um avião e 3 kg para comprar uma casa.

"Eu tinha 3 kg de ouro. O resto foi na conversa", lembra Dirceu.

Tudo era diferente naquela época. A primeira coisa que me espantou foi ver como era um trabalho rudimentar.

Não havia GPS, celular ou internet. A busca pelo ouro da Amazônia era feita a pé por expedições de quatro ou cinco pessoas, que percorriam os vales dos rios em busca de indícios do minério.

Quando encontravam, mandavam duas pessoas de volta à cidade para avisar os financiadores das operações, para que mandassem mantimentos e equipamentos. Quem ficava na terra abria uma clareira e uma pista de pouso.

Impacto ambiental

Dirceu diz que logo percebeu os danos causados à floresta quando teve o primeiro contato direto com o garimpo.

"Naquele tempo, se fazia um desmonte hidráulico: você derrubava a mata com uma bomba que gera um jato d'água, tirava toda a lama para depois chegar no cascalho aurífero. E aquilo cria um impacto, é jogar floresta abaixo, abrindo buraco."

Hoje, o garimpo continua a "jogar floresta abaixo". O desmatamento ilegal em áreas de mineração cresceu quase 90% entre 2017 e 2020, de 52 km² para 100 km², segundo um estudo da Escola Politécnica da USP. O estado do Pará concentrou cerca de 80% desse desmatamento, de acordo com a UFMG.

Há ainda outro grave problema: a contaminação por mercúrio. O metal líquido é usado pelos garimpeiros para fazer uma liga com o ouro e depois é queimado. Da evaporação sobra apenas o metal nobre.

Segundo o MPF, 13% desse mercúrio são "despejados nos rios", causando danos à natureza e aos habitantes da região, especialmente aos indígenas mundurukus.

Estudo da Fiocruz publicado em 2020 mostra que todos os mundurukus da área foram contaminados por mercúrio.

Dirceu se diz ciente dos problemas e frisa que desde o início trabalha para legalizar o garimpo e torná-lo "mais racional". "Não vou usar a palavra 'sustentável', porque ela realmente não contempla isso."

Sócio-fundador da Amot (Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós), ele criou em 2017 a Anoro (Associação Nacional do Ouro), que reúne DTVMs com o intuito de implementar um "garimpo responsável".

Um dos focos é "trabalhar tampando": só abrir um buraco após vedar o anterior. E, nos buracos em que os garimpeiros estiverem trabalhando, adicionar uma barreira de contenção de palha, para decantar a água sem contaminá-la.

Dirceu contesta a afirmação do MPF de que o mercúrio é "despejado" na natureza. "O mercúrio junta o ouro. Se jogar na água, vai jogar o ouro fora", afirma.

Para ele, o metal contamina o ambiente por causa da queima errada, que resulta em evaporação para o ambiente. A solução seria criar uma lei que obrigue garimpeiros a usar a retorta, um equipamento com um recipiente que recolhe o metal após ser condensado, permitindo reaproveitamento do material.

Os índios estão contaminados? Com certeza! Mas é pelo uso indevido. Se queimar sem retorta, contamina quem habita a região e quem queimou.

Mais encrencas do Rei do Ouro

Atualmente, Dirceu é alvo de uma ação civil pública do Ministério Público Federal, no Pará.

A F.D'Gold é acusada de comprar 1,3 t de ouro "de origem claramente ilegal". O MPF calcula danos socioambientais de R$ 1,7 bilhão e pede indenização de R$ 3,2 bilhões.

A ação se baseia em imagens de satélite. Segundo os procuradores, 96% das "cicatrizes de mineração da Amazônia" não coincidem com as terras declaradas à ANM.

Isso indica que o ouro não foi retirado das áreas indicadas nas notas fiscais e nos documentos oficiais, segundo a MPF. Dizem os promotores:

A F.D'Gold promoveu, portanto, compras de produtos, suprimentos, marcados pela ilegalidade. Pior: auferiu ganhos econômicos a partir dessa ilegalidade, incorporando o minério ilegal a suas atividades econômicas regulares.

Em resposta às acusações, o empresário diz ter nota fiscal e comprovante de todas as compras e frisa que não é papel dele fiscalizar a origem do ouro, e sim da ANM.

Pela lei brasileira, quem negocia ouro não precisa comprovar a origem dele. Basta informar uma permissão de lavra válida e a empresa emitir nota fiscal e recolher os impostos.

Em maio de 2022, Dirceu se envolveu em outro problema: assumiu ser dono de 78 kg de ouro apreendidos pela PF em Sorocaba (SP) por suspeita de ilegalidades.

A defesa dele nega irregularidades e alega possuir notas fiscais de todo o minério, avaliado em quase R$ 20 milhões. O ouro ainda está em poder da PF.

Dirceu reconhece que os problemas com a lei têm afetado os negócios.

"Fechamos toda a nossa atividade no Pará. Fiquei com grande parte do meu capital apreendido."

A PF continua apertando o cerco contra o garimpo ilegal na Amazônia. E o Rei do Ouro insiste em separar o joio do trigo, na expectativa de que o governo regularize a situação.

Aqueles que conhecem a Amazônia devem pôr o pé na lama e trabalhar a questão educacional. E o governo tem que regularizar [os garimpos] e cobrar, mas não dizer que aquela riqueza não pode ser produzida. Temos tanta riqueza, vamos ser condenados à pobreza por quê?
Dirceu Sobrinho

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