Omelete em vez de parmegiana

Pequenos restaurantes de SP sobem preço do prato-feito, reduzem batata frita e cortam contrafilé do cardápio

Henrique Santiago Colaboração para o UOL, em São Paulo Henrique Santiago/UOL

José Carlos Bonfim dos Santos, 40, demonstra preocupação ao passar os olhos pelos preço do cardápio do restaurante Bella Augusta, na movimentada rua Augusta, centro de São Paulo, do qual é sócio. Por causa do aumento das carnes, as refeições da casa sofreram um reajuste de 20% em setembro.

O famoso prato-feito, o PF, sucesso nos almoços em toda a cidade, sai por R$ 21,90 na opção mais simples: arroz, feijão, salada e carne, que pode ser filé de frango, calabresa ou bife bovino.

"Tenho que repassar [o aumento] para o cliente, que às vezes não entende, vai buscar a concorrência. Eles correm atrás de economia igual a gente, e estão certos em fazer isso", afirma Zé Carlos, como é conhecido na região.

O UOL visitou pequenos restaurantes populares nas regiões do centro e na periferia para entender como o preço da carne afeta o funcionamento de negócios tão tradicionais na capital paulista.

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Preço da carne frustrou otimismo com reabertura da economia

Bares, restaurantes e lanchonetes de São Paulo reabriram as portas sem restrição de público por causa da covid-19 em 17 de agosto. O alívio que era esperado por empresários do setor tornou-se uma inquietação desde que a carne ficou mais cara. Os preços no país subiram 30,8% em um ano, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Para Zé Carlos, o aumento vertiginoso foi uma surpresa.

Hoje o preço de uma caixa com 20 quilos de filé mignon chega a quase R$ 2.000. Achei que os valores iam ficar do mesmo jeito com que a gente trabalhava antes [da reabertura]. Eu nem pesquisava muito, porque as carnes tinham um preço padrão, e os clientes não reclamavam. Agora, estou trabalhando para pagar boleto.
José Carlos Bonfim dos Santos, sócio do restaurante Bella Augusta

Para driblar a reprovação do público, o sócio do Bella Augusta oferece vantagens a clientes fiéis: 10% de desconto para quem levar com frequência um grupo de quatro ou cinco amigos para o almoço.

Mesmo diante da adversidade, Zé Carlos acredita que a aceleração da vacinação na cidade favorece a volta à normalidade, com mais pessoas nas ruas, em busca de lazer. Ainda assim, resta uma insegurança. "Espero que não venha mais um fechamento [dos estabelecimentos], ou nós quebramos, é impossível aguentar", declara.

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Máquina de café desligada e menos arroz e batata frita

A menos de dois quilômetros dali, Kátia Marina de Oliveira, 36, tenta equilibrar as contas da Lanchonete e Restaurante da Cidade, negócio que funciona há 55 anos na Vila Buarque e que não tem relação com a franquia Lanchonete da Cidade. Ela chegou em abril para assumir a gerência, após um dos sócios morrer.

Desde então, cortou o que considerou gasto supérfluo. A máquina de café espresso, por exemplo, foi desligada para economizar energia. Quem consumia o café da máquina eram alunos de uma faculdade que fica do outro lado da rua, mas as aulas presenciais estão suspensas por causa da pandemia.

Era desligar a máquina ou deixar de oferecer o tradicional cafezinho de cortesia ao fim das refeições.

Kátia Aumentou em 10% os preços do cardápio e reduziu as porções de acompanhamentos —arroz, feijão e batata frita.

O corte [nas porções] é coisa mínima, o cliente acaba nem percebendo. Tivemos que fazer isso para não perder tanto, porque não podemos repassar o custo total para eles.
Kátia Marina de Oliveira, gerente da Lanchonete e Restaurante da Cidade

O restaurante funciona de segunda a sábado, com horário estendido até depois das 23h a partir de quarta.

A gerente afirma que a clientela tem voltado aos poucos a comer fora de casa, tanto que o consumo no local voltou a superar as entregas. Por volta das 17h, quando a reportagem visitou o local, fregueses consumiam PF, lanches e bebidas nas mesas do lado de fora.

"O movimento está bem melhor do que em abril, principalmente porque na época fechávamos mais cedo. Tínhamos um aumento interessante no almoço, mas depois ficava 'morto'. No geral, os finais de semana têm sido bem proveitosos."

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Contrafilé saiu do cardápio

Se os pequenos empresários do centro sentem esse misto de preocupação e incerteza, o mesmo acontece na periferia da cidade. Ou até pior. Sônia Maria Reis, 62, abriu há cinco anos o restaurante Cantinho da Dona Sônia, em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, para servir almoço.

Para ela, a crise econômica que inflacionou o preço da carne tem sido a época mais difícil de se trabalhar. Seu alívio, se é que se pode dizer assim, é que no bairro há duas empresas pequenas, e os funcionários delas garantem mesas cheias.

Antes da pandemia, Sônia vendia o PF "bem servido" por R$ 10 —à exceção do contrafilé, o prato mais nobre, que saía por R$ 13. Agora, a refeição mais simples custa R$ 17, e o contrafilé foi riscado do cardápio por causa do custo.

Além dos pratos fixos, a cozinheira trabalha com opções do dia, como a feijoada às quartas e aos sábados —custa R$ 18, mas ela já avisa que vai subir.

Tive que aumentar, claro, mas não posso 'enfiar a faca' em todo mundo que entra aqui.
Sônia Maria Reis, dona do restaurante Cantinho da Dona Sônia

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Cardápio do Cantinho da Dona Sônia

'Querem parmegiana, mas pedem omelete'

Ermelino Matarazzo é um bairro-dormitório, de onde as pessoas saem diariamente para trabalhar e só voltam no final do dia. Por isso, Sônia diz que seu negócio foi prejudicado pelo retorno ao trabalho presencial, já que menos gente passou a almoçar na própria região. A redução dessa clientela a levou a tomar a decisão de cortar o café gratuito: "O café custava R$ 19 o quilo, não dá."

O delivery nas redondezas tem mantido o equilíbrio nas contas -aos sábados, dois motoqueiros fazem entregas. Sônia conta que os dias de feijoada garantem as melhores vendas de carne.

Com a subida nos preços, a dona do restaurante tem observado mais clientes em busca do único prato vegetariano que ela serve.

Omelete tem saído muito agora. Tenho clientes que olham, olham, olham o cardápio, querem pedir uma parmegiana, mas pedem omelete. Não posso fazer nada, infelizmente.
Sônia Maria Reis, dona do restaurante Cantinho da Dona Sônia

Outra mudança de comportamento é que agora as pessoas pedem um bife à parmegiana para dividir em até três partes. "Eu digo que alguém ali saiu com fome. É, a crise está brava, viu?", lamenta ela, que diz não confiar no presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para uma queda nos preços. "É confiar em Deus."

Entidade teme nova onda de informalidade

O setor de bares e restaurantes ganhou uma sobrevida até o final deste ano, diz Percival Maricato, presidente do conselho estadual da Abrasel-SP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes-São Paulo). Ele diz acreditar que o pagamento do 13º salário ajudará a segurar as finanças dos estabelecimentos.

A partir de 2022, porém, o cenário volta a ser de uma insegurança e temor de fechamento dos restaurantes por causa de um eventual agravamento da pandemia. Maricato diz ainda que os negócios localizados em regiões de classe alta conseguem segurar o preço, mas o mesmo não acontece em outros locais.

Nada indica que a renda da população que frequenta restaurantes vai melhorar. O consumidor está lesado e inseguro. E o drama passa para o proprietário do restaurante, que repassa ou preço ou tem que se reinventar colocando um tipo de carne mais barato para tentar satisfazer o consumidor.
Percival Maricato, da Abrasel-SP

Ele sugere que uma solução para frear o aumento é limitar a exportação de carne vermelha e manter um volume maior no Brasil, mas pondera que é "uma proposta antiliberal", ou seja, que implica em interferência no mercado. Sem uma providência, porém, ele diz que o setor passará por uma nova onda de informalidade, com restaurantes deixando de pagar impostos e de assinar a carteira dos funcionários.

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