Porcos no vermelho

Milho para alimentar e energia para aquecer porcos bebês ficam caros, e criadores independentes largam setor

Giulia Fontes Do UOL, em Braço do Norte (SC) Giulia Fontes/UOL
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O preço da carne de porco subiu 4,94% em 12 meses, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) divulgado em outubro. Mas produtores independentes de porcos não estão lucrando com isso.

Ao contrário: trabalhando no vermelho desde o começo do ano, 20% deles deixaram a atividade ou fizeram parcerias com grandes indústrias.

O prejuízo tem origem na alta dos insumos, que foram afetados pela seca e por geadas. Os custos que mais têm pesado são os do milho e os do farelo de soja, usados na alimentação dos animais. Até o aumento da energia elétrica contribui para as perdas, já que ela é usada para aquecer os leitões recém-nascidos.

Os criadores independentes não são vinculados a grandes frigoríficos. Eles vendem o animal vivo, que é destinado ao consumo no mercado interno, e não à exportação. Por isso, não se beneficiam da alta do dólar.

Para entender a situação dos produtores independentes, o UOL foi até Braço do Norte, cidade com 34 mil habitantes no sul de Santa Catarina.

O estado é o principal produtor de suínos do país: segundo a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), SC respondeu por 30% do abate de porcos realizado no país em 2020.

O censo agropecuário do IBGE, divulgado pela última vez em 2017, mostra que Braço do Norte tem o quarto maior rebanho de porcos do território catarinense.

Os relatos de produtores que atuam no município são de prejuízos altos e endividamento: segundo eles, a perda financeira por animal pode chegar a R$ 400.

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Leitões recém-nascidos são aquecidos em granja de Braço do Norte (SC)

Gasto com luz para aquecer 'bebês' quase triplica

Leonei Michels, que criava porcos desde 1986, foi um dos produtores que resolveram deixar a atividade. A decisão foi tomada após muitas dificuldades: em 2019, ele ficou tão endividado que, mesmo que vendesse todos os animais e o sítio que possui, não conseguiria quitar o que devia.

O ano passado foi bom para a criação de porcos, o que deu esperança ao produtor. Mas, desde o começo de 2021, a situação piorou novamente. "Há um ano eu pagava R$ 1.800 por mês de conta de luz. Hoje, estou quebrado e pagando R$ 4.500. Não dá", diz.

A energia elétrica é utilizada para o aquecimento dos leitões recém-nascidos. As granjas têm uma caixa com luz, ao lado do espaço em que fica a "mãe", onde os "bebês" podem se esquentar. O ideal é que a temperatura fique acima dos 30ºC. Essa etapa é fundamental para evitar que eles morram.

Em situação financeira difícil, Michels decidiu parar enquanto tem dinheiro para quitar o que deve —algo em torno de R$ 500 mil.

Hoje a suinocultura é um jogo. Você pega R$ 100 mil no banco, coloca ali e pode ganhar R$ 100 mil ou perder R$ 100 mil. É muito arriscado e eu não tenho mais condições. Achamos que era a hora de pular fora para não perder tudo de novo.
Leonei Michels, produtor

Ele decidiu manter apenas a produção de leite em sua propriedade. A atividade é complementar à criação de porcos: o esterco dos suínos é usado para adubar o pasto para o gado. Para seguir produzindo leite, Michels fez um acordo com um vizinho, que lhe cederá os dejetos dos porcos.

A renda com a produção precisa cobrir as despesas dele, da mulher e de seus pais, já idosos.

Eu vou ficar controlando [as finanças]. Hoje, se eu vender tudo que tenho em gado de leite, consigo salvar a minha propriedade. Enquanto estiver nesse patamar, vou tocando.
Leonei Michels, produtor

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Diogo Becker, cujo pai também era produtor de porcos. Em sua propriedade há 1.300 animais

48 semanas de prejuízo não tiram esperança de produtor

A criação de porcos é o negócio da família de Diogo Schotten Becker, de 33 anos. Seguindo o legado do pai, ele toca uma granja com 1.300 animais em Braço do Norte há mais de dez anos. A produção é do chamado ciclo completo: vai desde o nascimento do leitão até a venda para o abate, quando o animal atinge aproximadamente 110 kg.

Becker afirma que tem vendido um animal desse porte por quase R$ 650, ou R$ 5,90 o kg. Mas o custo de produção é bem mais alto: na propriedade dele, criar um porco do nascimento ao abate sai por R$ 6,80 o kg. "Faz 48 semanas que estamos no prejuízo", diz.

Com isso, segundo Becker, todo o lucro que havia sido guardado do ano passado, em que o negócio foi bom, já foi gasto.

Acho que eu nunca vi uma crise igual a essa. Toda a gordura que eu tinha para queimar, que veio do ano passado, já foi.
Diogo Becker, produtor

A reportagem perguntou ao produtor por quanto tempo ele ainda consegue resistir, diante dos seguidos prejuízos. Segundo ele, "não há mais espaço" para perdas. "Mas eu tenho esperança de que o mercado vai virar. Vai melhorar", afirmou.

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Edemar Della Giustina atuou a vida toda como produtor de suínos.

Presidente do sindicato rural: 'Nunca vi crise assim'

O diagnóstico de que a crise nunca foi tão grande é compartilhado por Edemar Della Giustina, presidente do Sindicato Rural de Braço do Norte que também foi produtor de suínos e passou a criação aos filhos. Na avaliação dele, porém, a situação não vai melhorar tão cedo.

"Eu nunca vi uma crise assim, e a expectativa não é boa. Menos prejuízo, só quando vier a safrinha do milho, em julho de 2022", afirma.

O cereal representa 67% do custo da produção de suínos, segundo um estudo da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) publicado em julho deste ano. De acordo com números da Associação Catarinense de Criadores de Suínos, o preço da saca de milho subiu de R$ 88,99 para R$ 106,75 em outubro.

A conta não fecha porque o aumento de preço do insumo não se reflete no valor do porco vivo. Segundo a CNA, se o preço do milho sobe 1%, o valor do suíno aumenta apenas 0,047%.

Della Giustina estima que Braço do Norte tenha 300 produtores de suínos, sendo 180 independentes. Os demais são integrados a grandes empresas.

Como vendem para o mercado interno e não têm a proteção das grandes empresas, são os independentes que mais sofrem. De acordo com o presidente do sindicato, cerca de 20% deles desistiram da atividade neste ano ou então acabaram aderindo à produção empresarial.

Eu acho que a tendência, cada vez mais, é de que os produtores passem a fazer parte dessas empresas maiores e deixem de ser independentes.
Edemar Della Giustina

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Porca prenha em Braço do Norte (SC), prestes a dar cria

Produtor independente x grande empresa

Na produção independente, os criadores cuidam de todo o ciclo de vida do animal. Na propriedade de Becker, por exemplo, há 110 "mães". Ao longo da vida, cada uma dá, em média, cinco ou seis crias com pelo menos 13 nascidos de cada vez.

Das crias, são selecionadas novas "mães" para dar continuidade à produção. Quando não são mais boas reprodutoras, as fêmeas também vão para o abate.

Se são integrados às grandes empresas, os produtores cuidam, apenas, de uma parte da vida do animal. Uma granja cuida dos leitões pequenos.

Na fase da "creche", os porcos vão para outra propriedade —e podem ainda passar por um terceiro local antes do abate.

"Nesse modelo de integração, o produtor fica só com o cocô do porco e ganha uma miséria", diz Vilibaldo Michels, que cria 6.000 suínos de forma independente.

As granjas integradas precisam cumprir uma série de exigências, o que demanda investimento. Leonei Michels, que está deixando a atividade, diz que, mesmo se quisesse, não teria como se associar a uma dessas empresas.

Só para continuar como independente eu teria que gastar R$ 300 mil em reformas. Para fazer a integração, então, o investimento é um absurdo. E a produção precisa ser na capacidade máxima, é muito difícil conseguir bater as metas que eles estabelecem. É uma loucura se meter em uma aventura dessas.
Leonei Michels, produtor

Em nota, a ABPA afirma que o sistema de integração é "um modelo consolidado de parceria entre produtores e agroindústrias", em que as empresas oferecem orientação técnica, insumos e a garantia da compra do animal para o abate, enquanto o produtor se responsabiliza pela estrutura e pelo manejo dos suínos.

Segundo a entidade, o sistema existe desde os anos 1970, e foi "fundamental para que o país ganhasse destaque como produtor e exportador de proteínas". A ABPA diz ainda que os critérios de remuneração são decididos em conjunto por produtores e integradoras.

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Vilibaldo Michels, produtor de suíno, também cria ovelhas por hobby. Para ele, a produção independente de suínos "afunda cada vez mais"

'Decepcionado é pouco', afirma produtor sobre governo Bolsonaro

Os frequentes prejuízos têm gerado insatisfação dos produtores com o governo federal. Vilibaldo Michels -que afirma ter perdido até R$ 400 por suíno por causa da alta dos custos- diz que o governo "não está ligando para o produtor independente".

Antes das eleições de 2018, ele e outros produtores foram até Brasília em um evento de campanha do então candidato Bolsonaro e, segundo Michels, até "xingaram a petezada". Ele diz que esperava que Bolsonaro "fizesse alguma coisa" e que a atividade voltasse a ser lucro, mas se diz desapontado.

Decepcionado é pouco. Eu votei no Bolsonaro, mas agora só quero saber de quem é contra. Nós só levamos pau com ele, não há conta que feche. O melhor governo que tivemos foi o do Lula.
Vilibaldo Michels, produtor

Michels é filiado ao PL, que deve ser o novo partido de Jair Bolsonaro. Para ele, o ideal seria que o governo fomentasse linhas de crédito aos produtores, já que muitos deles estão sem opções junto aos bancos. "Estamos há quase dois anos mendigando, só afundamos mais", diz.

Mas o diagnóstico de que Bolsonaro não fez o que podia pelos produtores não é unânime. Della Giustina, por exemplo, diz que "não é certo" culpar o presidente pelos problemas. "Eu não só voto nele de novo como faço campanha", declara.

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