Projeto sabático

Como investir bem, juntar dinheiro, pausar a carreira e tirar um ano só de estudos sem trabalhar

Colaboração para o UOL, em São Paulo Getty Images/iStockphoto

Pausar a carreira para dedicar o tempo exclusivamente aos estudos é um passo indicado a quem busca uma guinada profissional, mas que depende muitas vezes de uma poupança vultosa para cobrir um período sem renda e de gastos elevados.

A boa notícia é que, com planejamento adequado, é possível reduzir drasticamente o esforço financeiro para concretizar esse projeto. Descubra agora como começar a se preparar desde já para um ano sabático.

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Não se esqueça da reserva de segurança

O planejamento do sabático começa com uma reflexão sobre o que pode acontecer, na verdade, depois dele. Se for preciso pedir demissão do emprego para realizar o projeto, nada garante que a recolocação será imediata na volta.

É certo que a qualificação adquirida no período fora do mercado elevará as chances de recolocação, mas ninguém tem certeza de quando as portas se abrirão. Então, não é indicado partir ao sabático sem ter formado uma reserva financeira de segurança, a ser utilizada enquanto você estiver desempregado.

Para definir o tamanho dessa reserva, avalie quanto você precisa acumular para se sentir seguro na volta, tendo como referência seu custo de vida. Por exemplo, se os gastos mensais forem de R$ 5.000 —sem esbanjar, evidentemente— e você quiser ter tranquilidade para atravessar até um ano inteiro sem emprego, a reserva terá que ser de R$ 60 mil: R$ 5.000 X 12 meses.

Caso você já tenha formado uma reserva de liquidez, ótimo, pode riscar esse item do planejamento, mas desde que não caia na tentação de usá-la para pagar gastos do sabático.

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Quanto antes começar o planejamento, melhor

O ideal é planejar o sabático com a maior antecedência possível, já que quanto menor for o tempo, maior será o sacrifício para juntar dinheiro suficiente à sua realização.

Se o horizonte for de, digamos, apenas um ano, as opções de alocação do dinheiro vão se limitar a aplicações de renda fixa de curtíssimo prazo ou que podem ser resgatadas a qualquer momento sem risco de perda do valor investido. Entram aqui os títulos pós-fixados, aqueles que acompanham as variações dos juros, emitidos pelo governo (Tesouro Selic), bem como os fundos DI que investem neles.

Para melhorar um pouco o retorno dessa poupança, não há muito mais a fazer do que complementar os títulos do Tesouro com papéis emitidos por bancos —entre CDBs e letras de crédito— com carência no início do contrato ou vencimento em não mais do que um ano.

Já quando há à disposição bom tempo para formar a poupança do sabático, o leque de opções se abre a aplicações de longo prazo em títulos pré-fixados e indexados à inflação, tanto do Tesouro (casos de Tesouro Prefixado e Tesouro IPCA+) como de bancos. Quanto mais longe estiver o vencimento do título, maior será a remuneração ao investidor.

Se o objetivo for de curto prazo, investimentos mais conservadores são os mais indicados para evitar surpresas.

Theo Linero, planejador financeiro CFP e conselheiro da Planejar

Se o sabático estiver próximo, o investimento deve estar em ativos que variam pouco se a taxa de juros se mexer, com alta liquidez e, no caso de viagem aos EUA, exposto à variação do dólar, para não perder o poder de compra até a data da viagem, caso o real se desvalorize.

Raphael Palone, planejador financeiro CFP (Planejar)

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Ações? Só se planejamento for de longo prazo

No longo prazo, o investidor pode contar com o tempo para se recuperar de apostas erradas ou esperar pelo momento certo para sair de um investimento. Levando para a programação financeira de um sabático, isso significa abrir espaço (sempre compatível à tolerância a risco) para investimentos menos conservadores em títulos emitidos por empresas —entre debêntures e certificados de recebíveis— ou até mesmo em renda variável, como ações, e em fundos multimercado.

Quando adiciona essa pitada de risco às aplicações seguras em renda fixa que, pelo prazo dilatado, pagam mais juros, o investidor tem condição de perseguir retornos maiores do que a taxa de referência que remunera os investimentos de curto prazo. Considerando também os anos pela frente para parcelar em muito mais vezes a construção da poupança do sabático, o resultado são aportes muito menores a serem realizados mensalmente até alcançar o objetivo.

Cabe ponderar, no entanto, que os investimentos devem migrar gradualmente a aplicações mais conservadoras, com troca de renda variável por renda fixa de prazos mais curtos, conforme for se aproximando a data de início do sabático, quando a poupança começa a ser consumida.

Objetivos que têm prazo curto e definido casam muito bem com a renda fixa. Já para janelas a partir de três anos, é possível adicionar também fundos multimercado, desde que de acordo com o perfil do investidor.

Natanael Fernandes, investor da Suno Wealth

Marcos Brindicci

Para gastos em dólar, poupe em dólar

Caso a ideia seja um sabático internacional, faça a programação financeira na moeda do país de destino. Se, por exemplo, você tiver interesse em estudar nos EUA, a poupança para os gastos no país terá que ser feita em dólares.

Embora os juros daqui remunerem muito mais do que os dos EUA —ou de qualquer outra economia desenvolvida para onde você eventualmente pretender viajar—, realizar aplicações no Brasil e adiar a compra de moeda estrangeira para a última hora significa expor o planejamento a uma das variáveis da economia mais imprevisíveis: o câmbio. Ou seja, assim como pode ficar mais barato, o dólar pode ficar mais caro, e não se deve ficar sujeito a uma loteria capaz de arruinar o seu plano quando você já estiver começando a arrumar as malas.

Investir em fundos cambiais, por sua vez, é uma forma de acompanhar as variações da moeda estrangeira sem tirar dinheiro do Brasil. Porém, ganhos na aplicação são tributados, de modo que resgatar os reais investidos em fundos cambiais para, na sequência, comprar dólares significa, na prática, gastar mais em momentos de valorização da moeda.

Por outro lado, contratos de dólar negociados no mercado futuro permitem "travar" o valor a ser gasto na compra da moeda quando a viagem estiver mais próxima. O investidor deixa de se preocupar com o risco de a cotação disparar, já que o aumento no preço do dólar é compensado por ganhos em posições compradas no mercado futuro.

Trata-se de uma alternativa a ser avaliada quando o dólar está barato, mas que exige afinidade com derivativos, além de também envolver tributação alta quando a operação resulta em ganho de capital. Isso sem contar nas garantias exigidas pela Bolsa. Em resumo, não serve para todo mundo.

Cada aporte deverá ser direcionado em paridade com a moeda que será utilizada no futuro. Gastos em dólar, aportes em dólar. Gastos em real, aportes em real.

Natanael Fernandes, investor da Suno Wealth

Para o valor a ser guardado em dólar, comprar aos poucos, mês a mês, fazendo um preço médio na cotação do câmbio, pode ser a alternativa mais adequada. Caso espere para realizar a compra poucos dias antes da viagem, a pessoa poderá ver a moeda disparar e seu poder de compra ser reduzido de forma considerável.

Theo Linero, planejador financeiro CFP e conselheiro da Planejar

Não é recomendável aplicar em fundos cambiais e depois sacar para comprar os dólares no momento da viagem. No caso de alta do dólar e valorização dos reais no fundo, o ganho será tributado como renda fixa [entre 22,5% e 15%]. Ou seja, a cada alta de um real do dólar, o imposto médio será de 20 centavos.

José Faria Júnior, planejador financeiro certificado CFP

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Abrir conta e transferir o dinheiro para o exterior sai mais barato

A dica dos especialistas é abrir uma conta no país de destino —não é difícil— e mandar dinheiro para lá. Simples assim.

Também haverá custos, como a tarifa cobrada pelo serviço de transferência, e imposto: 1,1% de IOF. Mesmo assim, dizem planejadores financeiros, geralmente sai mais barato e é menos complexo do que usar fundos cambiais ou mercado futuro.

Procure realizar as remessas com regularidade, aproveitando momentos de baixa da moeda para acelerar as transferências. No fim, entre altas e baixas, o preço pago pelo dólar será uma média do valor da divisa no período de formação da poupança.

Feita a transferência, cabe decidir como o dinheiro será investido no exterior. Se o destino for uma economia desenvolvida com taxa de juros zero, ou perto disto, melhor deixar o dinheiro parado mesmo na conta corrente se o sabático estiver perto de começar.

Já se a programação financeira for de longo prazo, é possível avaliar investimentos em títulos e alguma exposição em renda variável, como ações e fundos negociados nas Bolsas de Nova York caso a viagem seja para os EUA.

Enfim, a lógica é basicamente a mesma de quando o acúmulo de capital é feito no Brasil. Em ambos os casos, a decisão vai depender do perfil do poupador: se ele está disposto a assumir algum risco para chegar com menor sacrifício a seu objetivo final, ou é conservador e quer simplesmente proteger o dinheiro poupado.

Hoje, é bem simples abrir uma conta corrente nos EUA, e esta é uma possibilidade que deve ser considerada em primeiro lugar. Os dólares devem ficar sem aplicar, já que os juros dos treasuries de um ano são muito baixos. Além disso, sem aplicação, não haverá tributação. Caso opte pela compra direta de ações e bonds ou aplicação em fundos, o imposto é sobre o ganho de capital, mas valores de até R$ 35 mil por mês são isentos.

José Faria Júnior, planejador financeiro certificado CFP

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Como calcular os gastos de um sabático

No cálculo de quanto precisa amealhar para ter um ano sabático, uma pessoa deve se preocupar em levantar informações sobre o custo de vida na cidade onde viverá no período, em especial quais serão os gastos com moradia, alimentação e transporte. Fora isso, precisa levar em conta os custos acadêmicos se a intenção for, de fato, dedicar esse tempo para estudar.

Colocando tudo no pacote, o planejador financeiro e conselheiro da Planejar Theo Linero fez uma simulação de quanto alguém precisaria juntar para viver um ano em Nova York —onde a estadia é estimada em US$ 5.000 por mês—, dedicando-se nesse tempo a uma pós-graduação cujo custo total é estimado no exercício em US$ 20 mil.

Tendo como base a cotação média do dólar em casas de câmbio nos últimos seis meses (R$ 5,49), o montante estimado beira os R$ 460 mil, já acrescidos gastos menores com passagem aérea, despesas com emissão de passaporte e visto, além da contratação de seguro saúde. Somando com uma reserva de liquidez de R$ 60 mil, pensando na volta ao Brasil, a conta final sobe para perto dos R$ 520 mil.

Se a pessoa tivesse que acumular todo esse dinheiro em apenas um ano, teria que realizar aportes mensais próximos a R$ 41,5 mil. No entanto, se fosse possível acumular o montante em cinco anos, abrindo assim a possibilidade de investir o dinheiro não só em Tesouro Selic, mas também em títulos pré-fixados e indexados à inflação com vencimento antes do início do sabático, a necessidade de aportes mensais despencaria para perto de R$ 8.400.

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Prazo longo, parcela curta

Ainda é uma parcela expressiva, porém cabe considerar que a simulação feita por Linero considera o custo de vida numa das cidades mais caras do mundo e um planejamento financeiro iniciado absolutamente do zero.

A conta pode ser significativamente reduzida se houver bolsa de estudos, se for possível dividir o aluguel da moradia com outras pessoas, se a escolha for por uma cidade mais barata...

Verbas rescisórias no desligamento da empresa podem preencher a reserva de segurança, ou, melhor ainda, a empresa pode dar licença para a realização do sabático, com garantia de estabilidade na volta.

A experiência também ficará mais barata se o câmbio ajudar. Se o sabático for no Brasil, então, desconsidere o custo cambial, e a conta muda completamente. Por outro lado, se durante o sabático você também quiser aproveitar que está num país diferente para fazer turismo aos fins de semana, vai precisar de mais dinheiro.

Enfim, a estimativa final vai variar de acordo com os objetivos e situação financeira de cada um, além do momento da economia. Por isso, o que interessa nesse exercício não é a cifra, e sim a conclusão de que o sacrifício financeiro pode ser reduzido substancialmente se o sabático for bem planejado. No caso, uma redução de 80% quando se estende o período de formação de poupança de um para cinco anos.

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