Origem ambiental do agro

Mercado externo pressiona Brasil para saber se carne, soja e outros produtos causam desmatamento

Mário Bittencourt Colaboração para o UOL, em Vitória da Conquista (BA) Marlene Bergamo/Folhapress

O Brasil tem de rastrear melhor a origem dos produtos agropecuários exportados para garantir a proteção ao meio ambiente. A eficiência da rastreabilidade na produção agrícola brasileira foi colocada em xeque, após uma proposta da União Europeia, endossada por Estados Unidos e China, de restringir a compra de carne, soja, café, madeira, cacau e óleo de palma e derivados, oriundos de áreas de produção com problemas socioambientais.

A rastreabilidade ajuda a mostrar se um determinado produto foi tirado de área desmatada. A maior pressão recai sobre a origem da carne bovina, devido às suspeitas de que a pecuária de corte contribui com o desmatamento da Amazônia, que tem crescido desde 2012 e aumentou 22% entre agosto de 2020 e julho de 2021: foram 13.235 km2 de área desmatada, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Nos últimos anos, tem crescido a exigência do mercado consumidor de países desenvolvidos, como Japão e os da União Europa, além de Estados Unidos e Canadá. Os importadores querem produtos agrícolas brasileiros cujos locais de origem sejam livres de problemas socioambientais e tenham produção sustentável.

Marlene Bergamo/Folhapress

ONG questiona práticas em exportadoras de soja

Empresas que exportam soja são alvo de contestações com relação a práticas de ESG (sigla em inglês para ambiente, social e governança).

Na semana passada, a ONG Global Witness divulgou denúncias de que a soja comercializada pela Cargill, Bunge e ADM do Brasil estaria supostamente ligada a áreas de produção da Bahia onde ocorrem abusos de direitos humanos.

"O conflito é um exemplo de 'grilagem verde', com os fazendeiros reivindicando a área contestada como 'reserva legal' - área de vegetação nativa que a legislação brasileira exige que seja preservada para compensar o desmatamento provocado pela lavoura da soja", afirma o relatório da Global Witness.

Em nota ao UOL, Cargill, Bunge e ADM do Brasil negaram que isso esteja ocorrendo (leia abaixo).

Empresas negam denúncias e defendem sustentabilidade

A ADM informou ao UOL que assim que foi comunicada pela Global Witiness "instaurou imediatamente uma investigação dentro do prazo solicitado para apurar as alegações e não encontrou irregularidades nos pontos levantados perante a lei local ou com as políticas da ADM por parte de tais fornecedores, com os quais mantém relações comerciais para obter commodities".

A empresa afirma que "tem investido recursos na rastreabilidade digital de todos os seus fornecedores diretos no Brasil para verificar que os produtos são originados de acordo com as políticas da empresa".

"A ADM origina diversos produtos certificados por diferentes plataformas, sempre sob demanda dos seus clientes. Independentemente de os produtos estarem certificados, todos os fornecedores e/ou áreas são previamente avaliados para comprovar conformidade com as políticas da empresa", diz a nota da empresa.

"A rastreabilidade é apenas uma das várias ações que fazem parte da agenda ESG da empresa. Existem outros programas e iniciativas sustentáveis nas quais a ADM participa ou patrocina", finaliza.

A Bunge também informou que não tem negócios com envolvidos nos problemas socioambientais na Bahia e diz que está "comprometida com cadeias de fornecimento sustentáveis e em alcançar cadeias de suprimentos livres de desmatamento até 2025".

A empresa afirma que "não compra soja de áreas desmatadas ilegalmente e possui avançada rastreabilidade e monitoramento de suas compras diretas e indiretas, mantendo rígido controle sobre critérios socioambientais nas suas operações em regiões com alto risco de desmatamento na América do Sul —mais de 9.000 fazendas, alcançando mais de 12 milhões de hectares".

"Nosso monitoramento usa tecnologia de satélite de última geração e é capaz de identificar mudanças no uso da terra e plantio de soja em cada fazenda de onde originamos. A Bunge também é líder no fornecimento de produtos livres de desflorestamento ao mercado, indo, inclusive, além da atual demanda de consumo", diz o comunicado.

A Cargill, por sua vez, declarou que foi consultada pela Global Witness e explicou que teve negócios com a empresa envolvida no conflito socioambiental nas safras 2016 e 2017, "entretanto, seguindo nossos compromissos, a empresa está bloqueada nos nossos sistemas por apresentar áreas embargadas".

"Como parte de nosso sistema de checagem, acessamos o banco de dados da Cargill em situações assim e consultamos listas públicas de restrições. A Cargill não tem medido esforços para ter uma cadeia de suprimentos de soja mais sustentável, contribuindo para resolver o desafio urgente de proteger florestas e vegetação nativas, ao mesmo tempo em que suportamos os produtores rurais e suas comunidades. A sustentabilidade da cadeia de suprimentos é um assunto prioritário para a Cargill, e a produção de soja não fica de fora desse propósito", afirma.

Embrapa

Rastrear animais é opcional

Atualmente, no país, a rastreabilidade só é obrigatória para vegetais e frutas frescas destinadas a alimentação humana (nacionais e importadas), devido aos resíduos de agrotóxicos, conforme a instrução normativa conjunta (INC) nº 2/2018, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Na rastreabilidade da pecuária, o Brasil tem a instrução normativa nº 51/2018, do Mapa, que instituiu o Sisbov (Sistema Brasileiro de Identificação de Bovinos e Búfalos), mas ela é de adesão voluntária, exceto quando definida a obrigatoriedade em ato normativo ou para controlar eventuais problemas sanitários.

A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) faz a gestão da rastreabilidade animal por meio do sistema Agri Trace, que reúne programas de certificação. Atualmente, são 12 protocolos privados aprovados, para as raças bovinas angus, hereford, nelore, charolês, devon e wagyu, com mais de 22 mil fazendeiros, 60 frigoríficos e mais de 2 milhões de carcaças certificadas.

A Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) e a Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos) foram procuradas para falar sobre rastreabilidade, mas não comentaram o assunto.

Governo diz que agro é a solução dos problemas

O governo federal diz que a pecuária e a agricultura, aliadas à inovação e tecnologia, são parte da solução para os problemas do agronegócio brasileiro.

Para a ministra Tereza Cristina (Agricultura e Pecuária), os produtores rurais brasileiros devem ser pagos por preservar o meio ambiente. "O produtor é o maior ambientalista deste país, e temos de trabalhar para pagar por esses serviços ambientais", disse em um evento do agronegócio em Mato Grosso do Sul no fim de novembro.

Cadastro ajuda a preservar, mas está defasado

O Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado em 2012 com o Código Florestal, obriga os donos de terras a preservarem uma área dentro da sua propriedade chamada de "reserva legal".

Segundo o CAR, a área de mata nativa preservada dentro das propriedades no Brasil ultrapassa 218 milhões de hectares.

Porém, os dados estão defasados. O sistema entrou em operação em 2014, e o prazo final para adesão por parte dos produtores foi sendo constantemente adiado, até que em 18 de outubro de 2019 o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicou uma lei que retirava o prazo para os produtores fazerem o CAR.

Isso prejudica a rastreabilidade das áreas declaradas como preservadas.

Ministra critica outros países

A ministra Teresa Cristina critica a pressão externa. "Isso é um protecionismo ambiental", disse, ao comentar a proposta da União Europeia. "O Brasil tem problemas? Tem. Mas eles também têm."

"Essa proposta da União Europeia aponta o dedo para os produtos brasileiros, pois o Brasil é um grande produtor e exportador. O cacau, por exemplo, é plantado para ajudar hoje na redução da emissão de gases de efeito estufa. Não temos que ter viés político nisso, temos que ter viés científico para discutir tecnicamente o que precisa ser feito", declarou a ministra.

Para Tereza Cristina, "nosso grande problema chama-se desmatamento ilegal". Então, diz ela, "se a gente conseguir reduzir o desmatamento e acabar com o desmatamento ilegal até 2028, conforme nos comprometemos em acordo assinado na COP26, o Brasil vai estar muito melhor que muitos países do mundo. A agricultura e a pecuária são parte da solução no Brasil e não problema. Temos tecnologia para melhorar, para caminhar, e dar cada vez mais os bons exemplos que o Brasil já dá nessa área".

Amanda Perobelli/File Photo/Reuters
Embrapa
Silvia Massruhá é chefe-geral da Embrapa Agricultura Digital

Blockchain para fortalecer a rastreabilidade

Chefe-geral da recém-criada Embrapa Agricultura Digital, Silvia Massruhá disse ao UOL que uma das principais apostas do Brasil para fortalecer a rastreabilidade da produção agrícola é por meio do blockchain.

A ferramenta é a cadeia virtual de blocos virtual que viabilizou o bitcoin e onde é possível registrar informações de forma segura, o que favorece a transparência na produção dos alimentos.

Mas Silvia destaca que para ela ser utilizada na agropecuária é preciso que o setor esteja organizado, com todas as informações necessárias.

Desenvolvemos um projeto na cadeia da cana-de-açúcar, com produção de açúcar mascavo, que deu muito certo. A usina já tinha as informações, o que precisava era mostrá-las e garantir que eram seguras.
Silvia Massruhá

"Com as informações registradas via blockchain, o consumidor final pode acessar toda a cadeia de produção por meio de um QR code e comprovar que seu alimento está sendo produzido de forma confiável", disse.

Na bovinocultura, o pesquisador Sérgio Raposo de Medeiros, da Embrapa Pecuária Sudeste, disse que a rastreabilidade de áreas onde estão sendo executados projetos de Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) pode ser um grande diferencial para o Brasil, por causa do sequestro de carbono que ocorre nesses locais.

No país, atualmente, são 17 milhões de hectares com ILPF, a maioria localizada em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A criação de gado é consorciada com o plantio de eucaliptos. Mas também tem avançado para outros estados e em áreas de Amazônia, diz o pesquisador.

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