Renda fixa apimentada

Emprestar a empresas é forma de investidor fazer o dinheiro render mais do que no CDB

Colaboração para o UOL, em São Paulo FG Trade/iStock

Não só de títulos públicos e bancários vive a renda fixa. A categoria onde estão os instrumentos de aplicação mais seguros oferece também opções ao investidor disposto a subir alguns degraus na escala de risco para fazer o dinheiro render mais do que em papéis como Tesouro Selic, CDB, LCI e LCA.

No mercado de títulos corporativos, entre debêntures, certificados de recebíveis e notas promissórias, o cardápio de possibilidades vai desde empresas financeiramente saudáveis, que pagam juros baixos em suas captações, porém com prêmios em relação aos papéis tradicionais listados acima, a companhias em dificuldade e que remuneram o investidor a taxas muito altas para levantar dinheiro no mercado.

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Gabriela Mosmann, analista de investimentos (CNPI) da Suno Research

Títulos podres são opção de risco, mas rendem mais

Se o principal risco da aplicação em renda fixa vem da possibilidade de o investidor levar o calote, a classificação da situação de crédito dos emissores dos papéis - neste caso, as empresas - representa a grande referência dos investimentos em títulos corporativos. Esse trabalho, como amplamente conhecido, é feito por agências especializadas, sendo a S&P, a Fitch Ratings e a Moody's as principais no mundo.

As agências conferem notas numa escala que desce de AAA, o equivalente a baixo risco de inadimplência, a classificações que indicam alta incerteza sobre a solvência da empresa (BB) e até mesmo falência decretada (C) ou completa inadimplência (D).

Assim como os mais conservadores preferem colocar o dinheiro apenas na parte superior dessa escala, onde estão as aplicações com selo de "grau de investimento", há também investidores de perfil arrojado que aportam capital nos títulos podres - ou "junk bonds" como são mais conhecidos no mercado financeiro - em busca do alto rendimento oferecido por eles ou da valorização potencial dos papéis, como acontece quando as empresas que o emitiram conseguem se recuperar.

A tese é simples: caso a empresa consiga melhorar a sua nota de crédito, mais investidores vão se interessar por ela, dando aos detentores de seus títulos a possibilidade de revendê-los com bom lucro na bolsa. Obviamente, o inverso também é verdadeiro: se as condições piorarem, os títulos valerão menos, já que aumentará a possibilidade de a empresa dar o calote.

Como as plataformas de investimento das corretoras permitem, em geral, filtrar ativos por classificação de risco, basta fazer uma seleção pelos ratings mais baixos para encontrar os títulos que pagam mais juros.

Os ativos mais arriscados são aqueles emitidos por empresas não financeiras como forma de captar recursos para alguma finalidade. Geralmente, as empresas buscam esses recursos em instituições financeiras, e quando não conseguem vão ao mercado emitir debêntures. Dessa forma, se o risco não fosse alto, o banco provavelmente teria aceitado a operação de crédito.

Gabriela Mosmann, Analista de investimentos da Suno Research

Atenção para oscilação de preço e liquidez

Os títulos corporativos, a exemplo dos demais títulos do mercado, são negociados em bolsa, de modo que seu valor pode oscilar para cima ou para baixo de um dia para o outro.

Se o investidor carregar o título até o vencimento, receberá exatamente a remuneração prometida pelo papel, expondo-se somente ao risco de inadimplência do emissor.

Porém, caso haja a necessidade de vender a outro investidor antes do vencimento, o título pode valer menos do que o valor pago na compra, ou entregar um retorno inferior ao previsto inicialmente. Ao risco de inadimplência soma-se, portanto, o da marcação a mercado dos títulos.

A oscilação de preço dos títulos pode ser até favorável quando o papel se valoriza mais do que o esperado. No entanto, comprar títulos em mercados de renda fixa pouco desenvolvidos como o do Brasil envolve um terceiro risco: a limitada liquidez dos papéis.

Isso significa que, ao contrário do que acontece, em grande parte, nas ações, detentores de títulos corporativos têm maior dificuldade em encontrar compradores para esses ativos. Para sair deles, são obrigados, então, a vender os papéis com desconto, limitando, dessa forma, o lucro do investimento ou agravando ainda mais as perdas quando os títulos sofrem desvalorização. Ou seja, uma verdadeira tempestade perfeita.

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Fabrício Faria de Lucca, Coordenador Assessoria de Investimentos da Terra Investimentos

Fundos removem barreiras do investimento de alto rendimento

Investidores devem saber dosar as aplicações em títulos corporativos, ainda mais em junk bonds, para que elas sejam compatíveis à sua tolerância ao risco. Em outras palavras, quanto maior o medo - um sentimento associado ao potencial de estrago que um investimento mal sucedido pode causar no patrimônio -, menor deve ser o peso de investimentos do tipo na carteira.

No caso dos junk bonds, mais do que coragem, é preciso ter também muito dinheiro. Enquanto debêntures de empresas gigantes como a Petrobras são relativamente acessíveis, o investimento em títulos de alto risco de inadimplência tem regras de barreira que restringem seu acesso a investidores qualificados, aqueles com no mínimo R$ 1 milhão investidos, ou, em alguns casos, investidores profissionais, cuja carteira de investimento passa de R$ 10 milhões.

Assim, para o pequeno investidor, a melhor forma de acessar esse mercado é juntando-se a outros investidores em fundos de investimento dedicados a títulos de emissão privada. Investir por meio deles não vai eliminar os riscos envolvidos no investimento - que apenas serão gerenciados por um gestor -, mas permite que se invista de acordo com a capacidade financeira, sem resultar em concentração excessiva num único título.

Uma das melhores formas para o pequeno investidor investir nesse tipo de ativo será por fundos que façam isso. Assim, além da gestão qualificada que conseguirá mensurar os riscos do título, o fundo consegue acessar muitos títulos que não são disponíveis a investidores individuais.

Gabriela Mosmann, Analista de investimentos da Suno Research

O nível de exposição da carteira a junk bonds é muito pessoal, depende do apetite a risco de cada investidor. Se for um investidor arrojado com grande capacidade de absorver possíveis perdas, possuindo alto patrimônio, a proporção na carteira pode ser mais alta.

Fabrício Faria de Lucca, Coordenador da área de assessoria de investimentos da Terra Investimentos

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Marcia Silva, gerente de Desenvolvimento de Negócios em Investimentos na Sicredi Vale do Piquiri Abcd PR_SP

Em Nova York, investidor encontra mais opções e liquidez

Subindo o nível de complexidade, hedge funds ou fundos multimercado negociados na bolsa de Nova York são uma das opções a serem estudadas pelo investidor interessado entrar no mercado de junk bonds. A dificuldade é que isso precisa ser feito por corretoras americanas, para onde o investidor deve remeter o dinheiro a ser investido.

Por outro lado, o investidor encontra maior liquidez para negociar as cotas desses fundos no maior mercado financeiro do mundo, além de encontrar um leque amplo de produtos, incluindo os chamados fundos abutres, que fazem a renegociação de dívida de emissores que estão à beira da falência ou países em concordata. Um fundo da Bracebridge Capital conseguiu, por exemplo, o espantoso retorno de 800%, num lucro de US$ 950 milhões, negociando a dívida da Argentina cinco anos atrás.

Em fundos altamente especulativos, é importante que o investidor esteja ciente dos riscos que vão desde a inadimplência à, principalmente, pouca informação sobre os devedores. É importante ressaltar que, apesar de ser possível encontrar liquidez nestes fundos, o preço das cotas pode variar ao longo do tempo, já que elas estão relacionadas aos junk bonds da carteira do fundo.

Tiago Feitosa, Consultor de investimento

Além da nota de classificação de pagador, o investidor deve olhar se a empresa já fez outras emissões e qual exposição do setor dela na economia. Apesar de o título ter a característica de renda fixa, ele é de alto grau especulativo. Portanto, o investidor precisa ter um perfil mais arrojado para essa aposta na carteira.

Marcia Silva, Gerente de desenvolvimento de negócios em investimentos na Sicredi Vale do Piquiri Abcd PR/SP

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Tiago Feitosa, consultor de investimento

Diversificação deve ir além de ratings diferentes

Além de evitar a concentração excessiva, a diversificação, assim como em qualquer investimento, é também a receita a ser seguida por quem não quer colocar o patrimônio em jogo nas operações com títulos de alto rendimento, porém também de alto risco de crédito.

Diversificar significa saber combinar não apenas títulos de diferentes ratings - sabendo dosar, como já ressaltado, a exposição a notas mais baixas -, mas também setores distintos, diferentes prazos de vencimento - de modo que o capital não fique completamente preso em aplicações que levam anos a serem resgatadas - e diferentes indexadores, mesclando, por exemplo, papéis que perdem com a alta dos juros com outros que ganham com tal movimento. Títulos com garantias, que pagam menos, podem ser combinados a títulos sem garantias, que pagam mais juros.

Cabe observar o histórico da administração da empresa emissora do título em honrar seus compromissos, assim como, para os investidores mais cuidadosos, analisar a solvência da companhia em seus balanços financeiros.

No caso dos investimentos em fundos, vale, segundo consultores financeiros, observar quanto que os seus gestores já foram capazes de recuperar das aplicações feitas em papéis de alto risco de crédito.

Entrando nesse mercado com equilíbrio nas aplicações, o investidor pode perseguir maior retorno em renda fixa com exposição controlada do patrimônio a eventuais choques sofridos pelos títulos do portfólio.

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