Retomada do cacau

Sul da Bahia é o maior produtor, mas regiões novas, como Cerrado, Pará e Rondônia, despontam na atividade

Viviane Taguchi Colaboração para o UOL, em São Paulo Ana Lee/Divulgação

Cacau remete à Bahia, aos personagens de Jorge Amado, como José Cordeiro, protagonista da obra "Cacau", de 1933, ou o coronel Frederico Pinto, de "São Jorge de Ilhéus". Não por acaso, Ilhéus, no sul da Bahia, ficou mundialmente conhecida. Dos livros, virou centro econômico do cacau, commodity negociada em Bolsa e que pode custar quatro vezes mais quando tem os rótulos premium e sustentável.

Hoje, o país é o 7º produtor, com safras em torno de 200 mil toneladas. No passado, produzia 400 mil toneladas. Era o líder, mas perdeu espaço para Costa do Marfim, Gana e Nigéria. "A produção de cacau entrou em decadência nos anos 1990 quando a vassoura de bruxa [fungo que mata a planta] se propagou pelas lavouras", disse Guilherme Moura, diretor da Federação de Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb).

Moura é a quinta geração da família de João Elias Ribeiro, fazendeiro que introduziu o cacau na Bahia em 1890. Ele contou que seu antepassado ganhou sementes de um francês que morava no Pará e, sem saber no que ia dar, cultivou a primeira roça no estado. "Ele jogou as sementes e voltou ao local dez anos depois. Tinha uma roça de cacau lá", contou.

No Brasil, existem 93 mil produtores, e 95% da produção é feita em pequenas propriedades. A atividade ocupa 620 mil hectares do território nacional. O sul da Bahia ainda é o maior produtor, seguido por Espírito Santo, mas plantações aumentam no Cerrado, Pará e Rondônia. Com amêndoas de qualidade, essas regiões podem ser a chave para a retomada do setor, que ainda importa cacau.

Publicado em 26 de novembro de 2021.
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Sistema cabruca permite a produção de cacau inserida na vegetação nativa

Migração do cacau

No Pará, as roças crescem sob a sombra de árvores nativas, em agroflorestas de propriedades pequenas, como a de Hélia Felix de Moura, que cultiva cacau em 10 hectares, em Medicilândia, sudoeste do estado. A sua amêndoa foi vencedora do Concurso Nacional de Qualidade do Cacau, realizado em Ilhéus, em novembro. Seis lotes, de 22 amostras, foram premiados: 3 do Pará, 1 de Rondônia e 2 da Bahia.

"Existe o apoio do governo estadual para os pequenos produtores, de assentamentos, investirem em qualidade e produção sustentável", disse Hélia, que logo após o prêmio foi abordada por compradores internacionais. Discreta, ela não contou se fechou negócio. "É que vendemos o cacau em sistema cooperativista."

O governo do Pará oferece assistência técnica rural e apoio financeiro, através do Funcacau, um fundo de recursos para custear a atividade. "Não temos a tradição dos produtores baianos e capixabas, mas fazemos tudo o que os especialistas que são enviados até nossas propriedades ensinam. O resultado é a qualidade".

Ivaldo Santana, coordenador do Funcacau, diz que neste ano foram produzidas 144 mil toneladas de amêndoas no Pará, e a tendência é aumentar a produção em média, 7% ao ano. "No Pará, 95% dos produtores são de pequeno porte, assentados em áreas de 7 a 10 hectares e, mil produtores entram na atividade todos os anos", afirmou. Eles já são 28 mil.

Reinvestimento no setor

O Funcacau do Pará arrecada dinheiro para ser reinvestido em mudas, clones, assistência técnica e comercialização. De cada tonelada de cacau que sai do estado, são arrecadados R$ 112 (30 Unidades Fiscais Estaduais).

"É um reinvestimento que permite aos agricultores o acesso à pesquisa e inovação, através da assistência técnica rural e de contatos. Nesse ano, levamos produtores ao Salão Internacional do Chocolate de Paris com recursos do Funcacau e ótimos negócios foram fechados", afirmou o coordenador Ivaldo Santana.

Mauro Celso Taufer, de Buritis (RO), também teve um lote premiado, na categoria varietal, no concurso em Ilhéus. Ele produz cacau há quatro anos e participou da disputa pela primeira vez com a variedade SJ02.

"É uma responsabilidade grande porque Rondônia não tem tradição na cultura, mas eu vejo muitos agricultores investindo no cacau", disse o produtor, que até a véspera do concurso, não sabia se ia, ou não, a Ilhéus. "Eu tinha medo de voar de avião", disse. "Mas pensei, vou lá, aproveito e conheço o mar".

Rondônia já foi um grande produtor de cacau. Em 1985, produziu 40,5 mil toneladas, mas a atividade cedeu espaço às plantações de grãos. A retomada faz parte de uma parceria da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e a Emater-RO. Em 2021, a produção deve chegar a 6.000 toneladas, conforme o IBGE.

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Clones de cacau resistentes

O resgate do cacau em Rondônia foi intensificado com a introdução de clones com características propícias para a região amazônica, explicou o diretor geral da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), Waldeck Araújo Junior.

Como o café, as mudas clonadas, resistentes a doenças como a vassoura de bruxa, se adaptaram bem, e a produção está atraindo mais produtores, a maioria da agricultura familiar. A área plantada abrange 10 mil hectares.

No oeste da Bahia, no Cerrado, o cultivo de cacau também avança, com produtividades que chegam a 3.000 quilos por hectare, superior à média das outras regiões, em torno de 1.000 quilos/hectare. Em 2015, havia na região três hectares cultivados com cacau e hoje, em torno de 250 hectares.

A atividade é vista por produtores como forma de diversificação econômica, pois a região é tradicionalmente um celeiro de grãos: soja, milho e algodão. Por lá, o cacau chegou como um experimento da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) em parceria com a Ceplac, e, devido ao potencial de mercado e valor agregado, conquistou grandes produtores.

Moises Schimidt, sócio do Grupo Schmidt Agrícola, que produz grãos em larga escala, apostou na cultura irrigada. "Primeiro, usamos mudas do sul da Bahia e não deu certo, por isso desenvolvemos mudas próprias para a região. Migramos toda a tecnologia que usamos nas lavouras de grãos para o cacau. Temos muito sol e um tipo de solo propício", declarou.

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Pedro Ronca, da CocoaAction, coordena um programa para organizar a cadeia do cacau sustentável

Potencial sustentável

As lavouras de cacau ocorrem em áreas irrigadas, no Cerrado, agroflorestal, no Pará e Rondônia, e Cabruca, no sul da Bahia e no Espírito Santo. Nesse tipo de produção, as plantas crescem no meio da vegetação nativa. Isso, segundo Pedro Ronca, coordenador da iniciativa CocoaAction Brasil, dá ao produto vantagens ambientais.

Diferentemente de outras culturas agrícolas, o cacau tem um apelo de preservação da vegetação nativa e de recuperação de áreas degradadas.
Pedro Ronca, coordenador da iniciativa CocoaAction Brasil

A iniciativa CocoaAction, junto com as indústrias moageiras e chocolaterias, coordena um projeto chamado Cacau 2030, para organizar a cadeia produtiva e aumentar a produção, de forma sustentável. "Entre todos os países produtores de cacau, o Brasil é o que mais tem condições de desenvolver esse trabalho", afirmou Ronca.

O projeto atua nas áreas ambiental, social, com monitoramento das condições de trabalho, e econômica, com foco na rentabilidade.

O objetivo é aumentar a base de informações dos produtores, em parceria com o poder público e indústrias, para aumentarmos a produtividade, qualidade, facilitar o acesso dos agricultores aos financiamentos e, consequentemente, a rentabilidade deles. Esse é o caminho mais adequado para retomarmos o protagonismo na produção mundial de cacau sustentável.

Pedro Ronca, coordenador da iniciativa CocoaAction Brasil

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Anna Paula Losi, da AIPC: indústrias importam 52 mil toneladas de cacau para produzir chocolate, manteiga e pó de cacau

Brasil ainda importa cacau

Nos últimos cinco anos, segundo a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), das 218 mil toneladas de cacau processados nas indústrias, 166 mil toneladas são de cacau brasileiro e 52 mil toneladas, importadas. As processadoras têm capacidade instalada 275 mil toneladas, para fazer chocolate, manteiga e pó.

Anna Paula Losi, diretora-executiva da AIPC, explicou que o setor atende, além do mercado interno, países como EUA, Chile e Argentina.

Não faz sentido importar cacau. Com a organização da cadeia e o fomento aos produtores, o Brasil pode ter autonomia, exportar cacau e mais chocolate.
Anna Paula Losi, diretora-executiva da AIPC

As três indústrias processadoras, Cargill, Barry Callebaut e Olam, absorvem 95% da produção e pagam os preços do dia, conforme a Bolsa de Nova York. Os outros 5% seguem para chocolaterias que apostam no chocolate premium.

"De três anos pra cá, com a valorização do cacau orgânico, começou valer a pena investir na qualidade para vender o cacau com preço agregado para as chocolaterias regionais", afirmou o produtor Ronaldo Souza, da Fazenda Estrela Guia, de Itajuípe (BA).

Souza e a esposa, Cleidi, possuem uma lavoura com certificação socioambiental e, por isso, o cacau produzido por eles, em uma fazenda de 70 hectares, vale mais.

Nós começamos a verticalizar a produção, porque é um mercado promissor. O pessoal paga de quatro a cinco vezes mais.

Ronaldo Souza, produtor e dono da Fazenda Estrela Guia, de Itajuípe (BA)

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Brasileiro ama chocolate

Agricultores como Ronaldo Souza olham para a importância da qualidade do cacau como um bom negócio, mas por ora, quem paga mais por ela, são as indústrias premium, que compram quase todo o cacau fino e orgânico produzido no país.

O cacau é uma commodity, e o valor da tonelada da amêndoa é balizado pelo pregão. Somente a Bolsa de Nova York prevê o recebimento da amêndoa brasileira, e lá existe a possibilidade de o produto receber prêmio, de acordo com suas origens, como Costa do Marfim, Gana ou Equador. O cacau brasileiro não tem prêmio.

No Brasil, os preços pagos aos produtores levam em consideração a cotação do dia mais a qualidade, multiplicado pela taxa cambial. "O produtor brasileiro pode exportar, vender para chocolaterias, moageiras, cooperativas ou centros de comercialização, entregar na Bolsa ou processar o próprio cacau", afirmou Anna Paula Losi, da AIPC.

Entre janeiro e setembro de 2021, a indústria de chocolates produziu 511 mil toneladas, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab), coletados pela KPMG. O valor representa um crescimento de 44%, quando comparado com o mesmo período de 2020.

"Com a produção de chocolate, até o terceiro trimestre de 2021, já atingindo a marca de 511 mil toneladas, a perspectiva é que o setor feche esse ciclo com um resultado bem relevante para o segmento. O brasileiro ama chocolate", afirmou Ubiracy Fonseca, presidente Abicab.

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