Contabilidade digital

Contador atualizado vira consultor, diz como economizar e conseguir dinheiro e ajuda empresa a enfrentar crise

Claudia Varella Colaboração para o UOL, em São Paulo iStock
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Contabilidade ajuda a salvar empresas na pandemia

Esqueça a imagem de um escritório de contabilidade cheio de papéis guardados em pastas penduradas em fichários. O bom contador se modernizou, usa tecnologia e se transformou num consultor que melhora o fluxo de caixa das empresas.

Numa crise como esta do coronavírus, o profissional pode representar a chance de mais sobrevivência do negócio. Além de manter as obrigações fiscais em dia, ele tem muitas outras tarefas. Não pode ser só alguém que prepara guias para pagamento de impostos.

O papel dos contadores ou de profissionais da área contábil de uma empresa se destaca em meio à pandemia. Eles dizem qual imposto não deve ser pago mais porque foi suspenso temporariamente e apontam formas de conseguir dinheiro com linhas novas de crédito disponibilizadas emergencialmente pelo governo. Com isso, ajudam os pequenos negócios a salvar o fluxo de caixa.

Com a transformação digital pela qual as empresas estão passando, a área contábil também tem de ser mais ágil e eficiente, com economia de tempo e dinheiro nas tarefas do dia a dia.

Apenas com a contratação do certificado digital (uma assinatura eletrônica da empresa), por exemplo, um negócio de pequeno porte pode ter uma economia mensal de cerca de R$ 5.000, de acordo com estimativa de especialista.

Segundo Arthur Igreja, especialista em tecnologia, inovação e negócios, os contadores também podem dar uma visão ampla da empresa com relação às questões jurídicas e trabalhistas.

Os contadores são parceiros fundamentais, principalmente, para os pequenos negócios, pois são profissionais que conseguem fazer diagnósticos e entender a trajetória dessas empresas. Eles têm sido muito proativos em questões que envolvem o replanejamento tributário, conseguindo melhorar o fluxo de caixa com eventuais tributos que foram temporariamente suspensos.

Arthur Igreja, especialista em tecnologia, inovação e negócios

Para Marcelo Rabelo Henrique, professor de Contabilidade da Strong Esags (Escola Superior de Administração e Gestão Strong), a contabilidade nos dias de hoje não pode ficar "meramente gerando guias, e sim ser uma contabilidade consultiva junto ao empreendedor".

O empresário contábil precisa estar lado a lado com os empreendedores do Brasil nesse momento. É importante o empreendedor possuir uma assessoria contábil bem preparada e antenada com as mudanças contábeis e fiscais e também da conjuntura econômica.

Marcelo Rabelo Henrique, professor de Contabilidade da Strong Esags

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Digitalização integra áreas e economiza tempo e dinheiro

Houve um tempo em que as empresas encadernavam as notas fiscais e as arquivavam em pastas suspensas tipo fichário ou, ainda, guardavam os documentos contábeis nas famosas caixas-boxes, organizados mês a mês. Essa prática hoje é quase inexistente. A digitalização e a automação dos processos dentro de uma empresa impactaram também o seu departamento contábil.

"Os sistemas integrados de gestão empresarial, os chamados ERP [Enterprise Resource Planning], são uma realidade na rotina das grandes empresas e multinacionais há mais de dez anos. Mas na maioria das pequenas e médias empresas, essas mudanças começaram a acontecer nos últimos cinco anos", afirmou Ludmila da Silva Hastenreiter, especialista em contabilidade e gestão financeira para microempresas e fundadora e diretora-executiva da Empoderamento Contábil.

Ludmila diz que a principal característica desses softwares é integrar as áreas, ou seja, permitir que elas conversem entre si dentro do sistema, o que simplifica as análises que são realizadas e agiliza a rotina de trabalho, gerando, assim, mais economia e lucro.

Imagine que os departamentos financeiro, contábil e fiscal de uma rede de lanchonetes, por exemplo, não estejam fisicamente instalados em nenhuma das lojas, e que todo esse processo aconteça numa outra empresa, terceirizada, especializada nessas três áreas [finanças, contabilidade e tributos], sem que ela tenha acesso aos documentos físicos. Isso só seria possível com um ERP que integra a empresa cliente com a empresa contábil.

Ludmila da Silva Hastenreiter, especialista em contabilidade e gestão financeira para microempresas

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Nota fiscal é eletrônica e boleto, automatizado

Outro exemplo prático levantado pelos especialistas refere-se à emissão de notas fiscais, que antes eram emitidas por meio de talonários, dos quais a segunda via e o canhoto de recebimento eram mantidos pela empresa.

"A nota fiscal eletrônica [NF-e] facilitou muito para o empreendedor e para a fiscalização. Antes, a emissão da nota fiscal era em papel e, posteriormente, uma via era enviada para a contabilidade. Hoje todo o processo está integrado. Com a NF-e, o departamento fiscal ganhou mais agilidade e eficiência, pois as notas fiscais de entradas e saídas são recebidas de forma automatizada", disse Marcelo Rabelo Henrique.

Nessa era de transformação digital, a gestão do processo de cobrança é digitalizada e automatizada. Arthur Igreja diz que, antigamente, a empresa tinha que mandar boleto aos clientes; depois, esse boleto foi digitalizado, e agora é o software que faz, automaticamente, esse trâmite. E se a pessoa não pagar, a cobrança segue sendo feita via SMS ou WhatsApp.

Segundo Igreja, até o cálculo dos impostos e a emissão de balanço e balancete também são feitos de forma automática. "O que era manual ou datilografado hoje são processos digitalizados. Essas plataformas fazem os processos com baixo custo, praticamente sem intervenção humana", afirmou.

Rabelo Henrique lembra também que há alguns anos os livros contábeis eram impressos e registrados pessoalmente na Junta Comercial. Hoje são entregues eletronicamente para a Receita Federal sem precisar sair do escritório de contabilidade.

A contabilidade ganhou uma dinâmica fora de série com a transformação digital. Em 2000, eu precisava de duas pessoas trabalhando por uma semana no departamento de faturamento para emitir 600 notas fiscais de prestação de serviços. Hoje, em pleno ano de 2020, uma pessoa em duas horas consegue gerar as notas fiscais, boletos e enviar para os clientes.

Marcelo Rabelo Henrique, professor de Contabilidade da Strong Esags

Para Ludmila da Silva Hastenreiter, a obrigatoriedade da NF-e, do certificado digital e do eSocial (plataforma do governo federal na qual as empresas devem prestar contas de suas obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas) foram "divisores de águas", para as pequenas e médias empresas.

"Com a NF-e, as notas fiscais que antes eram impressas e enviadas pelos serviços de entregas de documentos aos clientes, passaram a ser emitidas diretamente no portal de cada cidade ou por meio do emissor de notas fiscais, enviadas por email para a empresa cliente e para a empresa contábil via exportação e importação de arquivos, gerando redução de custos com materiais de escritório, logística, horas dos colaboradores e também de emissão de resíduos no meio ambiente", afirmou Ludmila.

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Certificado digital traz economia de R$ 5.000 por mês, diz especialista

O Certificado Digital é uma assinatura eletrônica, que, por meio de criptografia, confirma a identidade tanto de uma pessoa física quanto de uma empresa.

Arthur Igreja explica que, antes da digitalização, para se ter autenticidade de garantia de um documento, todas as partes tinham que ir até um cartório, ter incontáveis vias assinadas e registradas, bem como a presença física das pessoas, o que gerava grandes atrasos.

Marcelo Rabelo Henrique dá um exemplo da vantagem do certificado digital: "No final da década de 1990, as filas para atendimentos na Receita Federal eram enormes. Hoje, tudo é resolvido com o certificado digital. Naquele tempo, a empresa de contabilidade precisava enviar o office-boy para passar a noite ou chegar de madrugada para conseguir uma senha de atendimento. Agora muitas coisas são resolvidas de forma eletrônica pelo certificado digital", afirmou.

Ou seja, o certificado permite que processos burocráticos que antes precisavam ser realizados pessoalmente, em órgãos como Receita Federal, prefeituras etc., possam ser concluídos de forma online do computador da empresa, e que contratos e outros documentos corporativos sejam assinados.

"O ganho depende muito da escala. Para uma empresa que tem que celebrar um contrato por mês, a economia é do tempo de deslocamento, da fila do cartório. Agora, para uma companhia com um volume grande, o ganho é exponencial, em que é possível autenticar documentos de qualquer lugar do mundo a qualquer horário. É até difícil comparar, pois com uma simples assinatura digital o assunto é resolvido em comparação com um cenário arcaico que existia anteriormente", declarou Igreja.

Segundo Ludmila da Silva Hastenreiter, a estimativa é que, com o uso do certificado digital, uma empresa de pequeno porte tenha uma economia com gastos cartoriais, deslocamento às repartições públicas, cópia e impressão de documento, de cerca de R$ 5.000 por mês.

"Apesar de ser um serviço pago, o certificado digital reduz os gastos com cartórios para reconhecer firma e autenticar documentos e otimiza todo o processo", afirmou Ludmila.

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Você sabia?

Com exceção do MEI (microempreendedor individual), empresas de todos os portes são obrigadas perante a legislação a manter a escrituração contábil em dia.

"A legislação é facultativa para MEI, mas, para os microempreendedores que não têm escrituração contábil, a tributação é maior na hora de calcular seus lucros e na obrigatoriedade de envio da Declaração de Imposto de Renda", disse Ludmila da Silva Hastenreiter.

Blockchain poderia ser usado na contabilidade?

Para os especialistas, sim.

Arthur Igreja afirma que o blockchain (a tecnologia de registro compartilhado) poderia ser amplamente utilizado na contabilidade, principalmente por ser um sistema de confiança.

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Blockchain e contabilidade são conceitos que têm uma sinergia gigantesca, mas ainda estamos com passos incipientes.

Arthur Igreja, especialista em tecnologia, inovação e negócios

Para ele, a tecnologia blockchain é "inquebrável" do ponto de vista de fraude. "Ou seja, tecnologicamente é impossível fraudar", disse.

No entanto, segundo Igreja, a desvantagem está na interface do blockchain. "Por exemplo, quando se faz uma transferência bancária de dinheiro para bitcoin, uma empresa que esteja dentro do blockchain tem a custódia desse dinheiro. E são nessas companhias que algumas vezes há vazamento de senhas, na interface dinheiro-bitcoin. O mesmo pode acontecer com registros contábeis. Ou seja, o vazamento de dados não está no cerne da tecnologia, mas nas estruturas de apoio. Como é uma tecnologia nova, ela tende a ter problemas no começo, mas com o tempo tudo é consertado", afirmou Arthur Igreja.

Marcelo Rabelo Henrique afirma que o blockchain deverá ser usada em contabilidade, com os demonstrativos contábeis disponíveis na plataforma. "Será uma nova onda de modernização para a contabilidade. Tudo ficará nas nuvens e com segurança pelos níveis de criptografia utilizados nessa tecnologia", declarou.

Para Ludmila da Silva Hastenreiter, a tecnologia blockchain poderia ser usada na área contábil por meio de DLT ("Distributed Ledger Technology"), um livro razão (que contém o histórico detalhado de transações e o saldo atual de cada conta do sistema contábil) compartilhado e imutável.

"Isso facilitaria o processo de registro das transações e rastreamento de ativos tangíveis [uma casa, um carro, dinheiro, terras] ou intangíveis [propriedade intelectual, patentes, direitos autorais, marca] em uma rede de operações. Praticamente qualquer coisa de valor pode ser rastreada e negociada em uma rede blockchain, reduzindo o risco e cortando custos para todos os envolvidos", afirmou Ludmila.

Ela diz, no entanto, que existem ainda obstáculos que vão precisar ser superados para que a tecnologia blockchain seja, de fato, usada em grande escala, principalmente no Brasil. "Além de a tecnologia não ser regulada no país, assim como as criptomoedas também não são, as normas para definir como será ou não utilizada estão começando a ser desenvolvidas, e é bem provável que leve tempo e altos investimentos financeiros para que essa transformação aconteça."

Você sabe o que é blockchain?

É uma cadeia de blocos concatenados por segurança para fazer transações no mundo inteiro. Essa rede é suportada por computadores que fazem a autenticação dessa cadeia de blocos de informação. As informações são protegidas por criptografia, o que não permite a realização de mudanças nos dados sem autorização.

Como ficam os auditores fiscais com o blockchain?

Para Arthur Igreja, os auditores vão se tornar "mais importantes" porque os tipos de fraude serão mais refinados. "Eles precisarão ser profissionais tecnológicos, auditores de perícia forense digital. Vai demandar um nível técnico altíssimo, vai ser um recurso mais escasso, mais especializado e muito bem pago", afirmou.

Quais os desafios na área contábil das empresas

Os desafios são culturais, baixo nível de conhecimento tecnológico. Poucos escritórios contábeis têm alguém que entende de tecnologia. Há muitos gestores que não se atualizaram e, consequentemente, não estão preparados para toda essa revolução digital.

Arthur Igreja, especialista em tecnologia, inovação e negócios

As necessidades empresariais de uma multinacional são diferentes das de uma startup ou de uma padaria na periferia, por exemplo. Mas todas elas têm o mesmo grau de importância, porque todas recolhem impostos, fomentam a economia e geram renda para diversas famílias.

Ludmila da Silva Hastenreiter, especialista em contabilidade e gestão financeira para microempresas

Os profissionais envolvidos na área de contabilidade necessitam acompanhar as mudanças tecnológicas que estão vindo com a transformação digital e com o blockchain e não deixar de lado jamais a educação continuada.

Marcelo Rabelo Henrique, professor de Contabilidade da Strong Esags

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