Compartilhando uma BMW

Alugar carros por hora vai permitir a mais pessoas dirigirem modelos de luxo, diz chefe da BMW

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo
Marcelo Justo/UOL

O brasileiro com nacionalidade dinamarquesa, Aksel Krieger, comanda no Brasil uma das marcas automotivas mais luxuosas do mundo, a BMW.

Em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, antes do início da pandemia de coronavírus no Brasil, Krieger disse que no futuro será possível que mais brasileiros possam ter a experiência de dirigir uma BMW. Isso graças ao chamado "carsharing" ou compartilhamento de veículos. Depois, o UOL voltou a conversar com ele para ouvir suas impressões sobre os efeitos da covid-19.

Ao completar 25 anos de Brasil em 2020, a empresa está investindo em novos produtos, com o desafio de aumentar o mercado de carros elétricos. Ele diz que é preciso ter previsibilidade para que as empresas invistam no país. O executivo defendeu aprovação das reformas tributária e fiscal.

Carro compartilhado permite experiências

Ouça a íntegra da entrevista com o CEO da BMW no Brasil, Aksel Krieger, no podcast UOL Líderes. A entrevista completa em vídeo com o executivo está disponível no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto.

Carro de luxo por hora

UOL - Qual projeção o senhor faz para a economia em geral, para o setor de automotivo e para a BMW em 2020 diante da epidemia de coronavírus?

Aksel Krieger - Ainda é muito cedo para fazer qualquer tipo de estimativa quanto aos efeitos da pandemia no setor, na economia e para o Grupo BMW. Neste momento, nosso foco são nossos colaboradores, parceiros e clientes. Nos reunimos diariamente em um comitê para tomar as medidas necessárias.

O que podemos afirmar agora é que todas as medidas de contenção tanto para evitar o contágio quanto para aumentar a segurança das pessoas foram tomadas, dentre várias outras atividades recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. Paramos a produção nas duas fábricas e colocamos os administrativos em home office. Também tomamos diversas atitudes para proteger nossa rede e nossos clientes.

UOL - Qual será o futuro dos carros?

O carro sempre terá o seu papel. Estamos falando muito do "carsharing" (compartilhamento de carros), que, para a indústria premium, é excelente, porque cada vez mais consumidores terão acesso aos nossos produtos.

Por exemplo, um carro premium poderá custar (hipoteticamente), por quilômetro rodado, R$ 0,40 e um comum, R$ 0,20. Será uma oportunidade para o cliente experimentar um carro premium e testar os nossos carros no dia a dia.

O sonho dos jovens brasileiros ainda é ter um carro?

Estudamos bastante esse comportamento e sabemos que o jovem ainda quer ter o carro. No Brasil, há uma intenção grande deste público em tirar a carteira de motorista.

Monitoramos também os "millenials", que agora têm família. Todo mundo acreditava que eles seriam mais urbanos, mas alguns, nos Estados Unidos, por exemplo, estão indo para os subúrbios e tendo a vida que os pais também levaram.

É muito mais o momento de vida da pessoa, e o carro precisa se adaptar à fase da vida daquele cliente.

Houve alguma mudança do perfil do consumidor de carros de luxo nos últimos anos?

O mercado consumidor aumentou no Brasil e no mundo. As montadoras premium estão lançando vários carros em diferentes nichos de consumo.

Antigamente, o carro menor da BMW era o Série 3, que é um sedã médio. Hoje, temos o Série 1, o Mini Cooper, que é menor também.

Qual é o perfil do consumidor da BMW no Brasil?

Temos um perfil diversificado. Há as pessoas que estão entrando na marca, e como o carro premium no Brasil tem um custo mais elevado, focamos no carro usado.

É possível comprar um BMW usado na concessionária com garantia de fábrica. O público também está ficando mais jovem. A idade média está perto de 40 anos ou 50 anos.

Na China, a idade média de um consumidor da BMW é 35 anos, então o desafio da marca muda. É preciso ter muito mais tecnologia porque esse público também vai exigir um nível de conectividade muito maior.

Em relação às motos, elas são a porta de entrada da marca?

Fizemos alguns estudos neste sentido e vimos que alguns clientes que têm motos acabam migrando para os carros também. Temos mostos mais acessíveis, como a G310, que custa perto de R$ 20 mil. É a primeira porta de entrada da marca.

Pensando nas novas tecnologias, qual será o futuro dentro da indústria automobilística?

Eu vejo como um ecossistema. No passado, os meus concorrentes eram Audi, Mercedes e Land Rover. Hoje em dia estou competindo com clientes da Apple, do Google, da Amazon.

O engraçado é que, ao mesmo tempo em que competimos com essas empresas, cooperamos com elas. Lá fora, temos uma cooperação de carsharing com a Mercedes. Anos atrás ninguém sonharia com isso. O ecossistema está cada vez mais integrado e complexo.

Qual a diferença entre o mercado brasileiro e o mercado lá fora? Na Europa, carros premium parecem muito mais populares do que no Brasil.

Em termos de acessibilidade, realmente o mercado premium lá fora é mais popular. A fatia premium do mercado total no Brasil está em 2% enquanto na Alemanha, por exemplo, é 20% a 30%. Isso tem muito a ver com o desenvolvimento da economia.

Com o país crescendo e a classe média aumentando, esse número tende a aumentar também.

A BMW é assim

  • Fundação

    1916 (mundo); 1995 (Brasil)

  • Funcionários diretos e indiretos (2018)

    134.682 (mundo); 1.000 (Brasil)

  • Carros vendidos (2019)

    2,5 milhões (mundo); 14.786 (Brasil)

  • Unidades

    31 fábricas, em 15 países

  • Países

    Vendas em 140 países

  • Concorrentes

    Mercedes-Benz, Audi, Volvo, Jaguar, Porsche e Land Rover (automotivo); Harley-Davidson, Ducati, Yamaha e Kawasaki (motos)

Carros elétricos ainda vão ficar mais baratos

UOL - O que mudou no mercado de carros de luxo nos últimos 10 anos?

Aksel Krieger - É um setor que está sempre inovando, há sempre esse desafio. Se compararmos há 10 anos, o carro atual é muito mais conectado, autônomo, elétrico. O mundo está mais complexo e internamento os veículos precisam integrar várias tecnologias.

E qual o futuro dos carros elétricos no Brasil?

O Brasil está bem no início com os carros elétricos, mas o público brasileiro é muito aberto às novas tecnologias. Lideramos no mundo a parte dos híbridos e estamos em uma posição muito boa em relação aos elétricos.

E em quanto tempo o carro elétrico vai ultrapassar os de combustível tradicional?

Essa é uma boa pergunta. Temos uma tecnologia de transição, o híbrido, que combina o melhor dos dois mundos. É possível andar com o carro elétrico em São Paulo e, na estrada com o híbrido, com combustão, com mais autonomia. É uma tecnologia de transição. No futuro, teremos carros elétricos com mais autonomia.

O custo do elétrico é muito alto no Brasil. Isso não prejudica as vendas?

O carro elétrico tem uma série de tecnologias embarcadas e ainda não conseguimos escala. Nós convidamos todas as montadoras a fazer mais para conseguir baratear os custos, principalmente o custo da bateria.

Acredito que, ao longo do tempo, o custo irá baixar. Aconteceu a mesma coisa com o celular. Quando foi lançado, custava muito mais caro. Foi se popularizando e o custo caiu.

Quais são os planos da BMW para o mercado internacional e nacional?

No mundo, estamos no caminho certo na parte de eletrificação. Queremos aumentar esse mercado ainda mais no futuro. Em 2023, vamos ter 25 carros eletrificados dentro da marca.

Acredito que chegaremos a 30% das vendas em carros elétricos. Desde 2006, conseguimos reduzir em 60% a emissão de CO2 da nossa frota. É uma redução grande e queremos continuar nesse desafio.

Somos uma empresa de tecnologia e não só de carros, uma indústria muito mais complexa. O nosso sonho aqui para o Brasil é continuar crescendo 15% ao ano.

Marcelo Justo/UOL Marcelo Justo/UOL

Se pegarmos o Estado de São Paulo, temos boas estradas, mas fora de São Paulo, elas pioram. A BMW, quando desenvolve os carros, pensa no mundo todo, não apenas nas estradas da Alemanha ou dos Estados Unidos.

Aksel Krieger, CEO da BMW no Brasil

BMW é para estrada esburacada

UOL - Qual a sua opinião a respeito da infraestrutura das estradas brasileiras?

Aksel Krieger - Se pegarmos o Estado de São Paulo, temos boas estradas, mas fora de São Paulo, elas pioram. A BMW, quando desenvolve os carros, pensa no mundo todo, não apenas nas estradas da Alemanha ou dos Estados Unidos.

Não dá pena colocar uma BMW em uma estrada esburacada?

Ela é feita para isso. No Brasil, 60% das vendas são de SUVs, que andam melhor nesse tipo de estrada, mas é possível aproveitar também o carro esportivo no Brasil, tem lugares para fazer isso.

A BMW continua com a intenção de manter a fábrica no Brasil apesar do fim do programa Inovar Auto?

Quando tomamos uma decisão, olhamos para aquele mercado 10 ou 20 anos à frente. Acreditamos que o Brasil vai voltar a crescer e, por isso, vale a pena ter a fábrica aqui.

Não seria mais vantajoso só importar?

Fizemos o investimento. Acreditamos no Brasil e continuamos investindo. No ano passado, investimos ainda mais na fábrica, estamos com cinco carros sendo feitos na fábrica de Santa Catarina e podemos, inclusive, estudar a exportação de carros do Brasil.

Como a tecnologia mudou o modo de a BMW fazer negócio?

Neste momento, há mais tecnologia no showroom. No processo de vendas, temos o vendedor clássico, o executivo de vendas, e temos o que chamamos de BMW Genius. O foco dele é encantar o cliente com o carro, não vai te empurrar produtos, vai te explicar tudo sobre o carro, as funcionalidades.

O processo de vendas está mudando bastante. No passado, o cliente ia sete vezes até uma concessionária para comprar um carro. Agora vai uma ou duas vezes, no máximo, porque toda a pesquisa foi feita online.

Então, qual é o futuro das concessionárias?

Cada dia mais fortes, na minha opinião. No mundo digital, as pessoas também querem estar próximas e ter uma experiência com a marca. A concessionária vai proporcionar logística, carsharing, manutenção.

O carro terá que estar limpo e alguém precisará explicar as funcionalidades. Vemos no nosso futuro as concessionárias como estratégia no mapa de nossos negócios.

País precisa ser mais previsível

UOL - Qual a sua opinião sobre o programa Rota 2030? (programa do governo para fabricação de carros no país)

Aksel Krieger - O Rota é um começo, mas falta uma legislação para as indústrias premium. O importante para continuar investindo no Brasil é ter previsibilidade, que é uma coisa que está faltando no momento.

Previsibilidade de quê?

De legislação, do futuro, reformas como a tributária, fiscal. Precisamos saber qual o cenário do futuro. E quanto antes for feito isso, melhor.

E quais suas sugestões para uma reforma tributária?

Não onerar a exportação e simplificar. O nosso time de finanças é maior do que o time de vendas porque é preciso acompanhar e entender a complexidade do sistema. Se simplificar, o governo vai conseguir aumentar a arrecadação e as empresas vão gastar menos tempo com a burocracia e poderão investir em outras áreas mais produtivas.

Por que o carro brasileiro ainda é tão caro?

Tem uma carga tributária pesada em cima dos veículos e isso acaba onerando bastante.

Que outras reformas precisam ser feitas?

Vimos com bons olhos a reforma da Previdência porque o Brasil teria problemas no futuro. Foi um bom primeiro passo. A reforma administrativa também é importante para deixar o país mais leve, conseguir respirar e investir onde é preciso investir, e não em folha de pagamento.

Na reforma administrativa, onde o governo deve cortar?

Isso é com o time do (ministro da Economia) Paulo Guedes. Mas acredito que, quanto mais o governo aprender a lidar como se fosse uma empresa, mais conseguirá prestar um serviço de qualidade.

Dentro do país, qual o seu maior mercado de vendas?

São Paulo e Sudeste representam 60% das vendas.

O surgimento de empresas emergentes como a Tesla está incomodando as empresas tradicionais?

Eu não diria incomodando. A Tesla é muito focada em carro elétrico e está ajudando na divulgação deste segmento, deixando mais claro como é possível usar a tecnologia no dia a dia.

Estamos próximos de um mercado futurista dos carros voadores?

Nunca imaginaríamos poder pegar o nosso celular e ver o rosto da nossa família, conversar online. O carro vai por este mesmo caminho.

Os veículos vão se tornar cada vez mais conectados com as pessoas, cada vez mais ligados no seu dia a dia, bem mais próximos, com direção autônoma, segurança com o 5G entrando, carro freando sozinho. E por que não no futuro, daqui a 20 ou 30 anos, o carro não voe? Pode ser.

Qual a diferença entre os carros produzidos pela BMW fora e dentro do Brasil?

Não existe diferença. Falamos que um BMW brasileiro ou da Bavária ou da China é o mesmo carro. Não muda nada.

Qual o futuro dos empregos na indústria 4.0?

O desafio será preparar os funcionários para se adaptarem à tecnologia 4.0. Na nossa fábrica de Araguari, por exemplo, temos um programa que começa a inserir o melhor aprendiz em tecnologia.

O humano e a máquina vão cooperar cada vez mais. Na fábrica da Alemanha, o funcionário tem um 'smart watch', o robô sabe dos movimentos das pessoas e vão trabalhando juntos.

Mas para chegar a esse ponto não precisamos investir mais em educação?

Temos um longo caminho a ser feito. Trabalhei na China, e informática e matemática são muito importantes para apurar o raciocínio lógico. Também ter mais centros tecnológicos como Senai e Senac para ajudar a fomentar isso.

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