Bitcoin não é loteria

Criptomoeda é investimento arriscado e não deve ser seu bilhete de loteria, diz fundador do Mercado Bitcoin

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação/Arte UOL
Divulgação

Gustavo Chamati, fundador do Mercado Bitcoin, conta em entrevista exclusiva na série UOL Líderes que foi chamado de louco no início do negócio. Mas ele transformou sua empreitada no primeiro unicórnio de criptomoedas do Brasil, além de estar entre os 10 maiores unicórnios da América Latina (empresa a atingir valor de mercado de mais de US$ 1 bilhão). Em julho, a 2TM, holding que controla o Mercado Bitcoin, captou US$ 200 milhões do conglomerado japonês Softbank e foi avaliada em US$ 2,1 bilhões.

Prestes a completar 40 anos, Chamati faz um alerta: ninguém deve vender patrimônio para comprar a moeda, mas sim investir consciente dos riscos, e não esperar ficar rico da noite para o dia, como numa loteria. O executivo fala também sobre o futuro do dinheiro físico e como a criptomoeda pode ser uma poupança para os filhos.

Ouça a íntegra da entrevista com Gustavo Chamati, fundador do Mercado Bitcon, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Bitcoin não é dinheiro rápido e fácil

UOL - Por que o bitcoin cresceu tanto no Brasil? O brasileiro aprendeu a investir ou está indo na "onda"?

Gustavo Chamati - Em 2017, tivemos um crescimento do bitcoin em todo o mundo. Naquele momento, percebemos que as pessoas compravam por curiosidade, porque ouviu o amigo ou alguém dizendo que ganhou dinheiro muito rapidamente com Bitcoin.

Percebemos a necessidade de ter um papel educador e falar para o interessado que vender o carro para comprar bitcoins não era saudável. Ele precisava aprender sobre educação financeira e entender que um investimento arriscado deve ser uma parte do seu portfólio, e não o seu bilhete de loteria.

Seus clientes realmente venderam patrimônio para comprar bitcoin?

Você escuta histórias sobre terceiros. É muito possível que pessoas tenham ficado ricas de fato investindo em bitcoin, mas não necessariamente porque venderam o carro e a casa. Podem ter investido em um momento muito cedo da tecnologia, em 2014 ou 2015, e ter segurado esse investimento por muito tempo.

Eu não guardei o meu primeiro bitcoin. Quando ele valia R$ 1.000, achei que tinha feito o melhor investimento da minha vida e vendi.

O bitcoin é para um nicho de mercado ou para todo mundo?

Eles são para todo mundo, e temos uma história que demonstra isso, com 2,8 milhões de clientes cadastrados só na nossa plataforma. O mercado de criptoativos vai surfar essa onda de o brasileiro se tornar investidor

Todo mundo me achava maluco

UOL - Quando foi a sua primeira experiência com criptomoeda? E o que achou na época?

Gustavo Chamati - Foi em 2012, um ano antes de fundar o Mercado Bitcoin. A minha primeira impressão foi de estranheza. A ideia era confusa, mas fui pesquisar sobre o tema e entendi que criptomoeda não é a melhor definição de bitcoin. Ele é uma tecnologia antes de tudo.

Qual foi a reação das pessoas ao falar que iria empreender um negócio de bitcoins?

Todo mundo me achava maluco, mesmo as pessoas mais próximas. Há uma ponte entre contar e conseguir tempo para explicar. O meu objetivo não era convencer as pessoas de que eu estava certo. Era poder ter liberdade para fazer o que eu acreditava.

O que é exatamente uma criptomoeda? E quais as diferenças entre os criptoativos?

O bitcoin é uma tecnologia que resolveu um problema: fazer pagamentos com dinheiro digital. O que usamos no mundo digital para fazer pagamentos é o cartão de crédito, uma tecnologia desenvolvida para pagamentos no meio físico adaptada para o meio digital.

Juntando tecnologias que já existiam à época [2009], como computação distribuída, criptografia, blockchain -que é a cadeia de registro de informação-, foi criada uma tecnologia que permite fazer a transmissão de dinheiro digital de uma maneira segura e sem depender de um intermediário para validar, como uma empresa de cartões de crédito. O próprio sistema do Bitcoin garante que isso aconteça.

O Mercado Bitcoin é assim

  • Fundação

    2013

  • Funcionários

    508

  • Clientes

    2,8 milhões

  • Volume negociado na plataforma

    R$ 6,4 bilhões (2020)

  • Principais concorrentes

    Bitcointrade, Foxbit, Novadax, Binance

Primeiro unicórnio de criptomoeda da América Latina

UOL - Como foi a negociação com o SoftBank e como o Mercado Bitcoin tornou-se o primeiro unicórnio cripto da América Latina?

Gustavo Chamati - Era o momento de fazer uma nova captação que nos levasse a um outro patamar para poder acelerar os planos da companhia. Um dos caminhos era o IPO [abertura de capital na Bolsa de Valores]. Assim que começamos essa operação, recebemos a oferta de alguns fundos e fechamos a negociação em julho com o Soft Bank.

Essa captação vai acelerar os planos com as outras empresas do grupo, melhorar a entrega e a escalabilidade do Mercado Bitcoin e ajudar na internacionalização. Fazer essa ponte entre a economia digital e o mercado tradicional é a visão vencedora.

É verdade que você deu um bitcoin para sua filha em 2017, no Dia das Crianças? Os pais estão investindo em criptomoedas como se fosse uma previdência?

Queria demonstrar duas coisas: minha crença na tecnologia e o investimento de longo prazo. Hoje é um bom momento para olhar para trás e ver que as coisas aconteceram e estão acontecendo. É um bom investimento como presente para um filho, sim.

Ela ainda tem o bitcoin?

Tem sim. Depois, tive outro filho, que nasceu no fim de 2017, e ganhou o seu bitcoin. Estão guardados para o futuro. Na época, acho que estávamos em torno de R$ 50 mil cada bitcoin. E hoje estamos em torno de R$ 180 mil a R$ 200 mil. Chegamos a ter bitcoins negociados a R$ 360 mil em março deste ano.

Divulgação Divulgação

Todo mundo me achava maluco [no começo do negócio], mesmo as pessoas mais próximas. O meu objetivo não era convencer as pessoas de que eu estava certo. Era poder ter liberdade para fazer o que eu acreditava.

Gustavo Chamati, fundador do Mercado Bitcoin

Bitcoin é ouro digital e está escasso

UOL - Essas cotações de criptomoeda sobem e caem muito rápido. Isso é bom para o negócio do Mercado Bitcoin?

Gustavo Chamati - Muita gente define o bitcoin como um ouro digital. É como uma reserva de valor que não tem relação com outros tipos de ativo. São escassos e foram criados para que, ao longo do tempo, apenas os existentes sejam transacionados. Por isso, a venda de frações.

As pessoas e a própria indústria reconheceram o valor dessa tecnologia, comprando e negociando a unidade de bitcoin em valores cada vez mais altos.

Mas isso não é uma linha reta. À medida que o ambiente vai evoluindo e as tecnologias correlatas vão se desenvolvendo, mais pessoas, indústrias e, agora, o mercado institucional e financeiro vêm reconhecendo valor nessa tecnologia e negociando unidades de bitcoin e de outras criptomoedas a valores mais altos.

O Brasil hoje é um dos países que mais recebem ciberataques no mundo. Como vocês trabalham a segurança?

Em relação à segurança da tecnologia, o bitcoin é sólido o suficiente e nunca foi hackeado. Nunca uma transação de bitcoin foi falsificada, fraudada.

Recentemente foi pedido no Congresso uma CPI de bitcoins para investigar um esquema de pirâmide. Qual a sua opinião?

Estes esquemas sempre são construídos na ilusão de tornar alguém rico rápido.

Fim do dinheiro físico?

UOL - As criptomoedas poderão substituir em algum momento a moeda nacional? Será o fim do papel-moeda?

Gustavo Chamati - São duas questões distintas. As criptomoedas vão cada vez mais ser usadas como meios de pagamento. Isso não interfere na existência da moeda digital nacional, física ou completamente digital.

A diferença é que eu posso fazer o pagamento em criptomoeda em qualquer lugar do mundo. Eu não consigo pagar alguém que está nos Estados Unidos ou no Japão usando reais físicos nem uma conta em reais, a não ser que essa pessoa tenha uma conta em banco brasileiro.

Como será regulado esse pagamento internacional com criptoativos, ainda não sabemos, e está longe desse tipo de pagamento ser usado em escala. Acredito que vamos ver em algum momento o fim do dinheiro físico, do papel-moeda, mas isso depende da segurança e da evolução da tecnologia.

O que pensa sobre a regulação do Banco Central? Como deveria ser?

Toda vez que falo sobre regulação gosto de explicar que não é uma coisa ruim ou proibitiva. No fundo, a regulação existe para dar segurança ao mercado, para que todos os entes convivam dentro de um ambiente que seja seguro.

Nesse sentido, tanto o Banco Central quanto a Comissão de Valores Mobiliários [CVM] têm demonstrado nos últimos anos um entendimento muito positivo pela eficiência do mercado.

Topo