Garrafa de vinho meio vazia

Burocracia torna país complicado e atrasou início da venda de vinho por aplicativo, diz criador do Vivino

Mariana Bomfim Do UOL, em São Paulo Keiny Andrade/UOL e Arte/UOL
Keiny Andrade/UOL

Como saber se um vinho é bom?

Apesar de não ser um tradicional consumidor de vinho, o Brasil é um dos países que mais usam o aplicativo Vivino. O app permite escanear um rótulo com a câmera do celular e, com base nas opiniões de outros usuários, descobrir se um vinho é bom ou ruim.

Mas a burocracia, os impostos e os custos altos com frete, por exemplo, atrasaram o início da venda de vinhos pelo aplicativo, que em outros países também funciona como uma loja virtual, reunindo estabelecimentos locais.

É o que diz o criador do Vivino, o dinamarquês Heini Zachariassen, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes.

Ele defende que a melhor política pública para estimular o empreendedorismo é manter o Estado fora do caminho e afirma que rapidez é atributo fundamental para o sucesso de uma startup.

Levamos um tempo para entender como operar no Brasil

O vídeo acima também está disponível no canal do UOL no YouTube.

Brasil tem impostos e preços difíceis de entender

UOL - Existe algum aspecto do nosso mercado que o senhor acha difícil de entender, ou peculiar?

Heini Zachariassen - Sim. Nós já operamos em 15 países vendendo vinho, e geralmente o tamanho do mercado é o critério [para começar a venda]. Mas "pulamos" o Brasil por muito tempo, mesmo o país sendo o segundo maior em número de downloads, porque parece que é um lugar muito complicado para fazer e-commerce de vinhos, com impostos, frete etc. Levamos um tempo para descobrir como fazer isso. Nesse sentido, é um país muito complicado.

O senhor pode falar um pouco mais sobre essas dificuldades? Que desafios a empresa enfrenta?

Um dos maiores são os impostos. Tivemos que encontrar parceiros em estados específicos para nos certificar de que nós teríamos as taxas certas. Nunca tínhamos visto isso em lugar nenhum.

O frete e os preços são relativamente altos também. Tudo isso são dificuldades de negócios que não tivemos na Europa. Os Estados Unidos também são bastante complicados. Tivemos vários desafios aqui, mas nós os estamos enfrentando e vamos lançar [o e-commerce].

O que um governo deve fazer para criar o melhor ambiente de estímulo à inovação e ao empreendedorismo?

É muito simples: ficar fora do caminho.

Apenas isso?

Isso é muito importante. Veja a Dinamarca, que é um país muito bom para fazer negócios. Os impostos são muito altos para algumas coisas, mas há pouquíssima burocracia, não há corrupção e o governo realmente fica fora do caminho a maior parte do tempo. Isso é crucial. É realmente um grande problema quando os governos ficam interferindo.

O que o senhor pensa do Brasil, nesse sentido?

Honestamente, não conheço o ecossistema de negócios daqui muito bem, mas pelo que escuto, posso ficar um pouco preocupado. Parece haver mais burocracia do que deveria.

O consumidor brasileiro tem alguma característica que o distingue dos outros?

Sim, cada mercado é diferente. Aqui, os vinhos do Chile, da Argentina e de Portugal são os mais populares, enquanto nos Estados Unidos são outros. Uma coisa que eu percebi no Brasil é que nós temos algumas ferramentas sociais no aplicativo, nas quais você pode curtir ou publicar um comentário, por exemplo. Por alguma razão, isso é extremamente popular aqui, mas não no resto do mundo.

Como são essas funções?

É como um Instagram, mas com vinhos. Não tem sido uma parte muito importante do nosso produto, mas aqui é. Fora isso, o Brasil é o nosso segundo maior mercado em downloads, atrás dos Estados Unidos. Temos 3,1 milhões de downloads aqui. O Brasil foi um "early adopter" do Vivino [um dos primeiros a usá-lo].

Diferentemente dos europeus e dos argentinos, por exemplo, o brasileiro não é um tradicional consumidor de vinho. Como é operar em um mercado assim?

É interessante porque acho que essa é uma das razões pelas quais nós temos sido tão bem sucedidos. Como o vinho é relativamente novo aqui, as pessoas querem aprender.

Trouxemos o aplicativo para cá justamente por isso, por causa do [consumidor que pensa:] "ei, eu não entendo muito sobre vinho, mas quero aprender mais".

O senhor costuma acompanhar a situação política do Brasil? Como ela interfere nos negócios?

Até o momento, não interferiu. Mas é interessante, parece ter muita coisa acontecendo aqui. Se você acompanha a mídia estrangeira, as pessoas falam muito sobre o Brasil e a crise, mas estou aqui há alguns dias, e as pessoas parecem estar bem e prósperas. Mas talvez eu tenha estado nos bairros "certos". Acho que a imagem que temos no exterior é um pouco mais sombria do que o que está realmente acontecendo aqui.

Como uma crise econômica muda o hábito do usuário do aplicativo e do consumidor de vinho?

Em 2008 ou 2009, quando a economia estava encolhendo e tudo estava desmoronando, conversei com um argentino que gerencia um bar de vinhos em Copenhague [Dinamarca]. Perguntei como o bar estava indo, e ele disse: "está ótimo!". Falou que as pessoas estavam deixando de fazer viagens caras para a Tailândia, por exemplo, mas estavam garantindo a sua taça de um bom vinho para ter algum tipo de prazer.

Acho que, em uma crise, as pessoas passam a comprar vinhos numa faixa de preço um pouco mais baixa, mas elas definitivamente não abrem mão do seu vinho. E talvez elas até precisem de uma taça extra para lidar com os momentos ruins.

Vinho mais caro geralmente significa vinho melhor

UOL - Existe uma relação direta entre preço e qualidade? Vinhos mais caros necessariamente são melhores que os mais baratos?

Heini Zachariassen - De uma forma geral, sim. Mas isso não significa que um vinho de US$ 20 será necessariamente muito bom, isso varia muito. O interessante é que, quanto mais alta é a qualidade, mais você paga. Nós temos uma classificação de até cinco estrelas no aplicativo. Se você quer um vinho de quatro estrelas, você paga US$ 20, por exemplo. Mas se você quiser um vinho 4.1 estrelas, ele vai custar US$ 5 a mais. Se quiser ir de 4.4 estrelas para 4.5 estrelas, o preço pode ir às alturas, ser maluco. Então, quanto melhor o vinho, mais você paga. Agora, se você estiver disposto a pagar US$ 7 por um vinho, nós queremos que você tenha o melhor vinho de US$ 7.

Qual seu vinho preferido?

Sabe que eu nunca respondo essa pergunta? Eu moro na Califórnia, então bebo bastante Cabernet Sauvignon e Pinot da região. Mas eu também gosto muito de champanhe, frisantes e espumantes do mundo todo. Hoje eu almocei em um lugar fantástico e tomei um espumante brasileiro muito bom.

O Vivino tem alguma política para promoção do consumo responsável?

Não temos nos dedicado a isso. Acho que ainda temos uma janela "pop-up" no aplicativo que diz algo como "beba com responsabilidade". Acreditamos que as pessoas devem ter muito cuidado com o consumo de álcool, mas não temos nenhuma ação específica nesse sentido.

Há planos de fazer algo sobre isso no futuro?

No momento, não. Mas pode acontecer.

Que conselhos o senhor daria para a construção de uma carreira de sucesso?

Para mim, o que importa é fazer algo que eu ame. Então, tenho paixão por tudo que faço. Nem todo mundo pode conseguir isso, mas, se houver uma maneira de você trabalhar com algo que você goste, pelo qual você é apaixonado, as chances de ser bem sucedido serão maiores.

Outra filosofia minha é aproveitar qualquer oportunidade que surgir. Não vou ficar sentado e, quando envelhecer, contar aos meus filhos ou netos sobre o que não fiz. Quero contar sobre o que fiz e até sobre as coisas nas quais falhei. Prefiro falhar em alguma coisa a não fazê-la.

O senhor faria alguma coisa diferente na sua carreira?

Quanto tempo nós temos para eu responder? [risos]. Sim, muitas coisas, mas eu sempre olho para a frente. Minha filosofia é: faça de qualquer decisão uma boa decisão. Significa pensar: "estou ciente de que isso não foi uma boa decisão, mas, agora, tenho que olhar para a frente e torná-la uma boa decisão".

Muitas vezes, os empreendedores empacam porque ficam pensando que não está acontecendo nada. É preciso lembrar que demora um tempo até as coisas funcionarem.

Heini Zachariassen

Na corrida das startups, vence quem cria mais rápido o melhor produto

UOL - O senhor já disse publicamente algumas vezes que a velocidade é uma característica muito importante para uma startup. O que isso quer dizer?

Heini Zachariassen - Quando lançamos o Vivino, havia 600 aplicativos sobre vinhos na App Store.

Então o mais importante, no início, é focar no que você está fazendo e fazer rápido. Quem consegue criar primeiro o produto que o usuário quer começa a ter mais e mais usuários, e uma coisa vai alimentando a outra.

Quando você consegue desenvolver alguma ideia ou algum tipo de nova tecnologia, é muito grande a chance de que outra pessoa também tenha tido a mesma ideia. Veja as patinetes aqui em São Paulo. Claramente a ideia não surgiu só para uma pessoa, há umas 20 empresas que operam patinetes. Mas quem executar essa ideia mais rápido e fizer as coisas acontecerem provavelmente vai ganhar [o mercado].

Quais foram as coisas importantes nas quais o senhor teve que focar no começo?

Para nós, a grande questão eram os dados. Se você é um usuário do aplicativo e olha para uma garrafa de vinho, você quer saber se é boa ou não. Só isso importa. Então foi tudo uma questão de coletar dados sobre os vinhos que as pessoas tomam. Gastamos muita energia nisso e menos em outras coisas, como design. Penso que essa foi uma das razões pelas quais nós vencemos.

E como empreendedor, quais foram os principais problemas com os quais o senhor teve que lidar?

Também tem a ver com os dados. Quando começamos, não havia nenhum banco de dados sobre vinhos. Como ninguém usava o aplicativo nos primeiros 18 meses, fazer a "bola começar a rolar" foi um dos maiores desafios. Muitas vezes, os empreendedores empacam porque ficam pensando que não está acontecendo nada. É preciso lembrar que demora um tempo até as coisas funcionarem. Quando rolou, tudo pareceu fácil, mas levou um tempo até chegar a isso. Construímos o banco de dados totalmente do zero, o que é bem louco. Agora temos quase um bilhão de fotos de rótulos e 10 milhões de vinhos diferentes de quase 200 mil produtores. Antes, não havia nada.

O senhor tem mais algum conselho para quem pensa em empreender?

Quando eu deixei o cargo de CEO, comecei a gastar mais tempo com outras coisas, incluindo um canal no YouTube, para dar dicas para startups. Uma delas é que persistência é incrivelmente importante para empreendedores. E não fique preocupado com o que os outros vão dizer, apenas faça. Não deveríamos ligar para os pessimistas, os críticos. No meu mundo, não há críticos. Eu apenas faço, sem ouvi-los, e sigo em frente.

O Vivino é assim:

  • Fundação

    2010

  • Operação no Brasil (e-commerce)

    2019

  • Funcionários no mundo

    130

  • Downloads no mundo

    37 milhões

  • Downloads no Brasil

    3,1 milhões

Consumidor quer entrar no supermercado e saber ali mesmo se o vinho é bom

UOL - O senhor define o Vivino como uma comunidade de vinhos. O que isso significa?

Heini Zachariassen - São 37 milhões de usuários, a maior comunidade de vinhos já criada, na qual as pessoas podem compartilhar seu conhecimento. Elas podem escanear o rótulo dos vinhos e classificá-los para que o restante da comunidade saiba se o vinho é bom, ruim ou maravilhoso.

O que faz o consumidor usar o aplicativo?

A mesma situação que me fez criar o aplicativo: entrar em um supermercado ou um restaurante, ver todos aqueles vinhos e não saber qual comprar. Eu via os vinhos e pensava "o que diabos eu compro?". Acho que essa é a razão central pela qual as pessoas usam o Vivino.

Como a empresa garante que as avaliações são feitas por pessoas de verdade e não por robôs, como bots, por exemplo?

Felizmente, os bots não são muito comuns no aplicativo, mas não são difíceis de combater quando aparecem. Fazer uma avaliação no Vivino é um pouco complicado. Você tem que criar um perfil de usuário, escanear o rótulo da garrafa e, só então, classificá-la. É um processo um pouco complexo [para um robô]. Mas nós ficamos de olho em bots o tempo todo. Como as avaliações serão mais e mais importantes no futuro, acredito que veremos cada vez mais a tentativa de usar bots.

Como o senhor toma conhecimento dos problemas que o usuário enfrenta quando usa o aplicativo?

Recebemos feedback em vários canais. Por exemplo, nas lojas de aplicativos, como App Store e Google Play. Também recebemos centenas de emails e mensagens nas redes sociais, todos os dias, de pessoas dizendo o que gostariam que nós melhorássemos no aplicativo.

Como a empresa ganha dinheiro?

No Brasil, nós ainda não ganhamos um único dólar, mas isso vai mudar muito em breve.

O Vivino é um aplicativo totalmente grátis para o usuário. Mas nós já monetizamos a empresa em 15 mercados, a maioria na América do Norte —Estados Unidos e Canadá—- e na Europa e alguns na Ásia. Nesses lugares, você pode comprar vinho pelo aplicativo, e nós ganhamos uma comissão sobre a venda.

Vocês são um marketplace.

Exatamente, um marketplace, trabalhando com lojas locais.

Além de abrir as vendas por aqui, quais são os planos da empresa para este ano?

Queremos focar em melhorar as recomendações. Se você abrir o aplicativo agora, verá que estamos nos tornando muito bons em descobrir como é o vinho. Liberamos recentemente uma funcionalidade chamada "características de sabor". Nossa ideia é mapear cada vinho no mundo. Então todo mundo que bebe vinho fará recomendações com base nessas características.

Nos próximos anos, vamos produzir recomendações de uma forma nunca feita antes, para que elas combinem com o seu gosto de uma maneira exata.

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