Costume desonesto

Há cliente que pega ovo ou legume orgânico no mercado e troca embalagem para pagar menos, diz chefe da Korin

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo
Marcelo Justo/UOL

A fraude e a corrupção não estão apenas no governo, mas dentro de nossas casas, disse em entrevista exclusiva na série UOL Líderes o diretor-superintendente da Korin, Reginaldo Morikawa.

Pioneira na produção de alimentos naturais, a empresa precisou colocar cintas de proteção nas embalagens de ovos orgânicos para que eles não fossem trocados no supermercado na hora da compra. Morikawa disse também que viu consumidores trocando embalagens de legumes especiais para pagarem menos no caixa.

O executivo falou sobre a importância de desenvolver os superalimentos na questão da segurança alimentar e da necessidade de diminuir o consumo de carnes e produtos industrializados no país.

Comentou também sobre uso de antibióticos em animais e aumento da produção de orgânicos sem defensivos químicos. A entrevista foi realizada em dois momentos: a maior parte antes de a pandemia de covid-19 chegar ao país. Depois, num novo contato, o executivo acrescentou sua visão sobre o momento atual.

Fraude na troca do ovo

Ouça a íntegra da entrevista com o diretor-superintendente da Korin, Reginaldo Morikawa, no podcast UOL Líderes. A entrevista completa em vídeo com o executivo está disponível no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto.

Corrupção está em casa, não só no governo

UOL - As indústrias de produtos orgânicos e naturais ainda não conseguiram equacionar a questão do plástico nas embalagens de produtos. Como avançar nessa questão?

Reginaldo Morikawa - Para isso acontecer, o Brasil precisa de maturidade governamental e o povo de maturidade de consumo. Quantas vezes fui ao supermercado e uma senhora pegou uma bandeja de pimentão da Korin, rasgou e colocou dentro de um saquinho e pesou como convencional. Vi isso acontecer.

Para ovos, usamos uma embalagem de pet com uma cinta presa para evitar que as pessoas troquem por outros ovos, porque os nossos são mais caros. Vi gente trocando ovo na prateleira.

É preciso maturidade para entender que alguém precisa ser pago e o comércio justo precisa acontecer, que a fraude e a corrupção estão dentro do nosso lar e não só no governo.

Mas isso é uma questão que passa pela educação. Como melhoramos a educação no Brasil?

Educação é uma questão de governo. Primeiro um ensino de qualidade, integral, no qual a criança seja amparada com desafios, empreendedorismo desde o início, mas com muita brincadeira, diversão, convívio social. A sociedade precisa entender que é nos primeiros anos de vida que você forma o caráter de uma pessoa. Não conseguiremos mudar o futuro, se não mudarmos as crianças, e é um papel governamental fazer isso..

Qual sua opinião sobre as reformas que precisam ser feitas para o Brasil crescer?

As reformas estão atrasadas pelo menos 20 anos. Todas elas. Mas percebemos que essas reformas advêm de pouca conversa e muita necessidade. Há necessidade de adaptações para o mundo que vem. Muitas das reformas vão passar pela não aceitação das pessoas e dos seus paradigmas.

Na reforma tributária, o Brasil é um dos países mais complexos em que já vivi. Uma empresa como a nossa, que vende em todos os Estados brasileiros, gasta mais ou menos 6.000 horas por ano para apurar o imposto a pagar. Em outros países, por exemplo no Japão, eles não gastam mais do que 600 horas.

Só para saber qual o imposto vamos pagar em cada uma dessas 3.000 operações da companhia, é difícil, mas, no final, tenho a certeza de que vou errar e que um fiscal vai vir e apontar. Existe uma gama de fiscais para tentar entender essa legislação absurdamente complicada. No final, todo o imposto gerado foi usado para sustentar a máquina de apuração desse imposto.

Por que devo ter 10 números para dizer que sou o Reginaldo Morikawa? Tenho PIS, NIT, RA, Certidão de Nascimento, CPF, RG, título de eleitor. Já imaginou a quantidade de números que temos para existir? Será que não poderia ter uma coisa mais simples? A reforma tributária ou administrativa ou de custos não vai acontecer enquanto não se pensar em otimizar processos.

O que significa Korin?

Korin quer dizer anéis de luz. Os três círculos que estão na logomarca representam o fogo, a água e a terra, e a intersecção central representa o ser humano. Na filosofia da Korin, tudo na vida nasceu para abastecer o ser humano. O nosso símbolo de sustentabilidade é o ser humano no meio e não o planeta, como costumamos ver. É o ser humano quem usufrui e quem tem o dever de cuidar.

Como define a Korin?

Nós somos um organismo que talvez não haja muitos iguais porque nascemos de uma filosofia para construir uma filosofia. Somos extremamente empresariais dentro de uma linha que entendemos ser mais justa, embasados na filosofia de Mokiti Okada (fundador da Igreja Messiânica mundial).

Somos uma empresa em que o lucro é 100% revertido, como se fosse uma fundação ou uma organização não-governamental. Recebo um salário, estabeleci um pró-labore, que tem seus reajustes, mas os lucros que temos da empresa, eu mesmo como sócio, abro mão e reinvisto na nossa atividade.

No que acredita a Igreja Messiânica?

A filosofia da Igreja Messiânica é construir um paraíso terrestre, construindo na vida das pessoas um paraíso por meio da eliminação da doença, da pobreza e do conflito.

Os colaboradores da empresa fazem parte da igreja? É uma condição para trabalhar com vocês?

Não é uma condição. Na verdade, até o nosso CFO não é messiânico. Em 2007, tínhamos em torno de 5% dos integrantes pertencentes à igreja. Hoje nós já estamos na casa dos 20% de funcionários e colaboradores que são integrantes da igreja.

A Korin é assim

  • Fundação

    1994

  • Funcionários diretos

    410

  • Fornecedores

    1.200 (empresas e produtores)

  • Pontos de venda

    1.900 (lojas especializadas, supermercados e restaurantes)

  • Lojas

    8 (franqueadas); 4 (próprias)

  • Concorrentes

    Mãe da Terra, Camil e Orfeu (produtos orgânicos); Seara e Sadia (frango livre de antibiótico)

Fome só acaba quando mundo comer certo

UOL - Qual o maior problema alimentar que o mundo enfrenta hoje?

Reginaldo Morikawa - Primeiro, a segurança alimentar. É inadmissível ter tecnologias perfeitas, nanotecnologias, viagens espaciais e não conseguirmos acabar com a fome do mundo. Isso se chama vontade política e não é exatamente um problema de alimento. O Brasil tem uma capacidade produtiva pouco explorada ainda.

Quando falamos de alimentação, logo imaginamos frutas, legumes, verduras, cereais. Mas alimentação hoje não é isso. O Brasil e o mundo vivem hoje o consumo de calorias vazias. Há muita caloria e pouca nutrição. A grande mudança seria adotar a comida de verdade, alimentos que a natureza produz, em suas cores e variedades.

Quem passa fome não está preocupado em comer colorido e mais saudável, certo? Como fazer o alimento saudável chegar a quem passa fome?

Penso que temos que trabalhar com uma lista de prioridades. Vamos trabalhar primeiro com a questão alimentar. No momento, não devemos ficar muito preocupados com essa diversificação. Mas nós temos hoje o que chamamos de superalimentos e as pancs (plantas alimentícias não convencionais), como ora-pro-nóbis, espinafre d'água, bertalha, serralha.

Quando você analisa uma planta como a ora-pro-nóbis, é um superalimento. Em sua massa seca, se não me engano, há 27% de proteína, tem aminoácidos, ferro, zinco. A única coisa que faltaria em uma nutrição com a ora-pro-nóbis seria um ovo por mês, mais ou menos. Ela é uma cactácea, sobrevive com muita pouca água. Com um pequeno arbusto, consegue alimentar pelo menos na linha da fome.

A partir daí é possível desenvolver outras espécies, como o pequi e outras árvores que dão frutos. Exploramos alface, espinafre, beterraba, que é aquilo que encontramos no supermercado. Vou nessa linha dos superalimentos e das plantas alimentícias não convencionais, porém mais adaptadas a um determinado local.

Como se encaixaria a agricultura orgânica neste contexto de ajudar a resolver a fome do mundo?

Não dá para falar que vamos acabar com a fome do mundo se não mudarmos primeiro a forma de o mundo se alimentar. Primeiro é preciso eliminar os industrializados e acabar com o hormônio de fome da sua vida, e a partir daí consumir uma quantidade adequada.

Quando você fala em carnes, a Organização Mundial da Saúde diz algo em torno de 20 Kg de carne por habitante ao ano, e nós consumimos 110 Kg de carne por habitante ao ano. Não dá para falar em acabar com a fome do mundo hoje porque o mundo não come certo, mas, se o mundo comer certo, terá uma grande vantagem em comer alimentos orgânicos.

Primeiro, ausência de resíduos de ingredientes ativos químicos, não só agrotóxicos, mas há "n" ingredientes ativos que acabam sendo residuais. Segundo, a grande quantidade de nutrientes. Para ter uma ideia: a empresa produz mais ou menos 100 toneladas de morango orgânico por safra. Segundo a nossa pesquisadora, o morango tem 30% a mais de vitamina C.

Podemos dizer que o nosso corpo precisa consumir o que ele quer, e não exatamente o peso que nós colocamos para dentro.

O senhor falou do consumo de carnes, mas quais foram as principais mudanças nos hábitos alimentares dos brasileiros nos últimos anos?

Estamos nesse trajeto há 25 anos e pegamos várias fases. No início, todo mundo do setor era chamado de "bicho-grilo", que são aqueles alternativos.

Depois de um tempo começou a mudar. Começamos a ser chamados de consumidores alternativos, que buscam maneiras diferentes de ver a vida.

Logo depois, ganhamos o título de "consumidor consciente". No início, parecia utopia, e o que queríamos não poderia existir, mas, hoje, talvez a exceção, seja quem não é consciente. Essa é uma grande evolução do mercado.

Marcelo Justo/UOL Marcelo Justo/UOL

É inadmissível termos tecnologias perfeitas, nanotecnologias, viagens espaciais e não conseguirmos acabar com a fome do mundo.

Reginaldo Morikawa

Os riscos dos antibióticos nos frangos

UOL - Os animais da Korin não tomam antibióticos. Isso melhora a qualidade do animal?

Reginaldo Morikawa - Dentro do que há de mais moderno hoje você percebe que não devemos exterminar as coisas da natureza, devemos coexistir de forma equilibrada. Na indústria de animais, utiliza-se o antibiótico como melhorador de desempenho.

As pessoas falam que os frangos tomam hormônios, mas eles não tomam, nem peixes. Hormônios para frango não funcionam, por isso, eles não são usados. Mas usa-se, sim, como melhorador de desempenho intestinal, o antibiótico, para melhoria da flora intestinal. Esse é um ponto de vista.

Por outro lado, o maior problema do antibiótico é a resistência a ele. O interessante é que essa cadeia de bactérias resistentes, por meio do seu gene, é transportada até após a morte do animal.

Em alguns casos, em pesquisas internacionais, vegetarianos contraíram uma bactéria resistente de um animal, por meio de um vegetal consumido que provavelmente veio do esterco de um animal leiteiro.

É um ciclo que não acaba só no consumo direto de resíduos. O grande problema mesmo é a questão da resistência aos antibióticos e aos princípios ativos de uma forma muito longínqua.

Existe escala na indústria de orgânicos sem os antibióticos e os defensivos químicos?

É uma questão do que vamos comer, quando comer e quanto comer. Quando trazemos isso para o campo, nós temos escala.

Hoje produzimos 20 mil toneladas de carne de frango, mais de 500 toneladas de bovinos por ano. Talvez algumas empresas produzam isso em algumas horas, mas são números expressivos. Existe escalabilidade, sim.

Quais foram os desafios para estabelecer uma produção alternativa em escala industrial?

Quais foram ou quais são? Entramos com um pensamento "filosófico" no Brasil. No momento em que o antibiótico era a saída para as doenças, nós lançamos um produto livre de antibióticos.

O nosso frango não tinha nutrição de farinhas de origem animal e tinha um valor 65% mais alto no inteiro e 200% mais caro quando cortado em partes. Essa foi a primeira dificuldade que tivemos.

Politicamente estávamos na mão contrária. Enquanto o frango passava a ser um alimento muito barato, em nosso caso ele passava a ser um símbolo de uma revolução de um alimento livre de antibióticos e com bem-estar animal.

Não havia legislação para certificar. Praticamente tivemos que fazer tudo isso sozinhos, contratando certificadoras de processos. Isso foi uma ponta de lança muito importante para o Brasil.

Orgânico fica mais barato só quando cliente mudar hábitos

UOL - Que produtos que vocês devem lançar no mercado?

Reginaldo Morikawa - Estamos lançando agora um ovo caipira, de galinhas caipiras. Hoje, pela legislação, um ovo caipira pode ser criado de uma ave de alta produtividade de raças não caipiras. Até um ovo branco pode ser caipira, desde que o modo de criação seja caipira.

Nós estamos lançando isso já para cutucar o mercado. Um ovo caipira, de uma galinha caipira, pode vir de um sitiante e custar R$ 20 a dúzia. Só que ao comprar a pessoa está ajudando a preservação de espécies, o homem do campo.

Quando teremos produtos naturais e orgânicos no mesmo preço dos outros produtos?

O consumidor é quem manda. Quando nós não aceitarmos mais comer coisas que têm resíduos, quando começarmos a sentir que isso não é bom para mim, ou para o meio ambiente, ou para aquele animal; quando começarmos a nos questionar sobre os modos de consumo, é quando o alimento orgânico vai diminuir de preço.

Não há implementos agrícolas adequados para a produção de grãos e hortifrútis orgânicos. Eles compactam o solo, são pesados. A indústria de implementos não quer gastar dinheiro investindo em desenvolver um trator ou outro implemento agrícola que venha a ser ideal para a agricultura orgânica, porque não tem quem compre, então ela também não produz.

Um exemplo é a cenoura. O que vai para o supermercado é efetivamente 30% do que o agricultor produziu porque o restante ou está maior ou menor do que o padrão da frigideira, o padrão da bandeja, para ir para o mercado.

A hora em que tivermos demandas para as cenouras que não estão certinhas teremos toda a cadeia do alimento sendo utilizada dentro de uma valoração adequada.

Os pecuaristas falam para mim que, se não vender até o berro do boi, não dá certo [economicamente]. É verdade. De um animal convencional, produz-se gelatina, couro [além da carne]. Agora pergunto: quantas bolsas de couro orgânico há por aí? Quanta gelatina orgânica?

Não há uma cadeia estruturada de utilização dos coprodutos. Então é natural que uma picanha da Korin custe R$ 140 a unidade porque ela está custeando o acém vendido a R$ 13, mas que custa R$ 18.

Como avalia a pandemia de coronavírus?

A tendência é de uma economia retraída com redução do PIB da maioria das nações. A nação que menos vai recuar será a China. A Europa vai sofrer muito porque é irrecuperável. A economia no mundo está voltada para a recessão em 2020.

O agronegócio está sendo impactado na questão do milho e da soja por causa do dólar alto. O Brasil está comendo a preço de dólar.

O varejo que revende produtos Korin em si já apresentou um crescimento importante. Neste momento, estamos crescendo muito e isso pode demonstrar que a população está buscando alimentos diferenciados, sem produtos químicos. Estamos esperando um crescimento de 20% neste ano. Pode vir uma ressaca em julho, agosto ou setembro.

O que podemos tirar de bom é que não são os medicamentos que trazem segurança, e sim confiança e reforço do nosso sistema imunológico central, da nossa capacidade de recuperação natural, do nosso vigor. Para ter um bom vigor é preciso pensar em consumir frutas, legumes e verduras e alguma carne (suínos, aves, peixes e bovinos).

Essa crise demonstrou que o tempo que a gente não tinha, nós arrumamos. A opção de trabalhar de casa, passou a ser viável. A poluição do mundo deve diminuir um pouco e o senso de humanidade das pessoas está impressionantemente bonito.

É uma doença que fez todo mundo repensar. É um momento de reajustar os eixos das coisas, e esse eixo está sendo restabelecido.

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