Metade do ideal na educação

Temos só 18% dos jovens na universidade e não atingiremos meta sem crédito, diz CEO da Ânima (S.Judas/HSM)

Mariana Bomfim Do UOL, em São Paulo Carine Wallauer/UOL e Arte/UOL
Carine Wallauer/UOL

País sem educação

O Brasil precisa discutir seriamente o financiamento da educação superior, ou não vai atingir a meta de colocar 33% dos jovens nas universidades (hoje são 18,1%). É o que afirma Marcelo Bueno, CEO da Ânima Educação, dona da Universidade São Judas Tadeu e HSM, entre outras, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes. Para ele, não existe uma solução única, mas sim uma série de políticas públicas.

Na entrevista, o executivo defende que os brasileiros abandonem a polarização para trabalhar por uma agenda única na educação e transformar o tema em política de Estado.

Bueno também afirma que o país precisa valorizar a carreira de professor e que as universidades devem se aproximar das empresas para entender do que o mercado de trabalho precisa.

Financiamento é fundamental para levar jovens à universidade

UOL - Como o sr. vê o Fies (Programa de Financiamento Estudantil), o Prouni (Programa Universidade para Todos) e o discurso crítico do atual governo em relação a essas políticas?

Marcelo Bueno - Hoje só estão nas universidades 18,1% dos jovens brasileiros que deveriam estar, de 18 a 24 anos. Isso é lamentável. Nós não vamos conseguir chegar a 33%, que era a meta dos governos anteriores, ou ao nível dos países desenvolvidos, se não encararmos o problema do financiamento estudantil.

E não há uma bala de prata, um programa específico que vai ser o salvador da pátria. A coisa tem que ser encarada com profissionalismo, profundidade e com a seriedade que nosso país merece.

Precisa haver uma série de políticas públicas, de alternativas de financiamento privado e público e de bolsas, dentro de uma política de Estado.

O governo diz que houve um exagero nas políticas voltadas ao ensino superior e que a prioridade agora é a educação básica. Qual sua opinião?

De fato, o governo deveria se dedicar prioritariamente à educação básica e ao fomento à pesquisa efetiva, e o ensino superior deveria ter a qualidade monitorada.

O país tem uma estrutura de ensino superior privado muito robusta que tem condição de atender à demanda e que poderia ser acompanhada e monitorada pelas suas entregas.

Como combater o problema da evasão escolar no ensino superior?

A evasão é um problema inclusive nas universidades gratuitas. E acontece porque o aluno se decepciona, existem problemas de inúmeras naturezas. Há uma série de medidas para que o aluno se engaje.

No nosso currículo, temos uma disciplina conhecida como Projeto de Vida, na qual o aluno tem condição de discutir sua vocação, sua relação consigo mesmo, com a sociedade e com o mercado de trabalho e qual seu planejamento de vida.

Por exemplo, nas engenharias, colocamos as disciplinas de cálculo de uma forma mais lúdica, para que o aluno possa ter uma aprendizagem significativa e não ser obrigado a se evadir já nos primeiros semestres porque não consegue acompanhar a aula de cálculo.

Evasão é um problema sério que a gente deveria encarar como política. Não é algo que você resolve do dia para a noite.

Que sugestões daria para o modelo educacional brasileiro?

Quando você está doente, precisa, primeiro, ficar consciente da sua doença, para depois discutir a cura. Quais são os nossos problemas? São estruturais? Há questão de verba? Há soluções para isso? Acho que há.

Temos feito nossa parte. No ano passado, inauguramos a Le Cordon Bleu (escola francesa de culinária). Há três escolas desse padrão no planeta -a quarta é no Brasil, em São Paulo.

Somos parceiros da Singularity University (escola norte-americana de cursos de especialização, dentre outros), com a missão de resgatar o orgulho do Brasil e elevar o país à potência que ele merece. O caminho é por aí.

Nossos 114 mil estudantes são meninas e meninos brilhantes, que trabalham o dia inteiro e vão estudar à noite, que merecem respeito, merecem voar.

Nós anunciamos também uma parceria com a Finlândia. A Finlândia virou o jogo [anos atrás] porque encarou o problema e levou a educação a sério. Não se contentou com a situação na qual uma criança estuda com baixa qualidade de graça e outra estuda com alta qualidade pagando.

País precisa fazer professor ter orgulho

Universidade deve entender do que o mercado precisa

UOL - O que o brasileiro mais valoriza na hora de escolher uma instituição de ensino superior?

Marcelo Bueno - O Brasil passou por uma onda de inclusão, principalmente no ensino superior. Jovens que jamais imaginavam que poderiam fazer uma faculdade ou uma universidade passaram a poder. Esse foi o primeiro movimento.

Achamos que agora o Brasil está entrando em um movimento de qualidade. As pessoas sonham em melhorar de vida, em vencer, e a educação é a principal ferramenta para isso. A qualidade vai cada vez mais fazer a diferença nas escolhas e na vida das pessoas.

Por outro lado, o que o brasileiro mais desvaloriza?

O sistema educacional brasileiro deveria ser repensado. A grande massa da população tem acesso a uma educação básica pública, muitas vezes com qualidade questionável. E uma minoria tem acesso a uma educação de qualidade, mas pagando.

Aí vêm os vestibulares. Quem passa são esses jovens que estudaram no ensino privado e que vão para as universidades estaduais e federais estudar de graça. Do restante da população, quem consegue vem para o ensino privado. Do meu ponto de vista, há uma inversão no sistema.

Outra coisa, essas pessoas que vêm para o ensino privado são muito parecidas entre si, demograficamente, e boa parte delas vai para instituições que estão visando apenas a inclusão [no ensino superior].

A diferença é que alguns jovens trabalham e estudam, e outros jovens estudam e trabalham --são esses últimos que vêm atrás das instituições da Ânima e de outras de mais qualidade.

Ou seja, para eles, o importante é o estudo, mas eles têm que trabalhar para pagar a escola. É um ponto importante para reflexão. Em um momento de pleno emprego, faz todo sentido trabalhar e ir atrás de um diploma para ter uma progressão na carreira.

Em um momento de crise, faz sentido esse diploma? Que tipo de diploma? Onde eu posso ser competitivo naquele trabalho?

Em um momento de crise como o atual, que tipo de profissional o Brasil precisa que as universidades formem?

O Brasil passou por um processo no qual as universidades se isolaram do setor produtivo por várias questões, de ideológicas até estruturais. O setor produtivo, por outro lado, criou suas universidades corporativas.

Isso é um "retrabalho" enorme. A aproximação das instituições de ensino com as empresas é realidade no mundo inteiro, e aqui é algo muito novo.

Precisamos da aproximação para discutirmos de que tipo de profissional o mercado precisa, para que ele possa ser inserido e não tenha que ser "retreinado" para aprender a trabalhar.

É uma discussão importante que nós temos tentado fazer, para que o jovem já possa sair empregado e preparado para o futuro. Queremos trazer reflexões sobre futuro e tecnologias exponenciais e poder incorporar isso à formação de nossos jovens para resgatar o Brasil que a gente sonha.

Como a crise tem afetado o mercado de educação?

De forma muito profunda. A crise faz o jovem sentir muito medo de entrar no ensino superior. E o que aconteceu com o Fies e os programas governamentais foi uma coisa muito séria. Temos escutado dos nossos alunos que eles estavam com medo, postergando sua decisão de estudar.

No passado, houve um movimento de transformação. Um menino ou uma menina que jamais pensaram que pudessem cursar o ensino superior passaram a sonhar com isso por meio do financiamento público, das bolsas, das políticas governamentais. Essa pessoa se tornou um exemplo entre os irmãos. Agora, ela ficou desamparada.

Somou-se a isso a crise econômica de sérias proporções. Isso representa décadas perdidas no Brasil. É muito grave, e as pessoas estão começando a perceber isso.

Jovem de elite antes queria passar na USP; agora, quer sair do Brasil

Brasileiro precisa esquecer o "nós" e o "eles" e ter uma agenda só

UOL - Qual sua opinião sobre o ministro da Educação, Abraham Weintraub?

Marcelo Bueno - A Ânima sempre teve e sempre terá uma postura contributiva com qualquer Ministério da Educação que estiver presente, que tenha uma política de Estado para o Brasil, alinhada com nossa missão de transformar o país pela educação.

Vamos incentivar qualquer agenda nesse sentido. Há uma disposição de dialogar com ele nessa direção, seja como brasileiro, como alguém do setor privado de educação e como alguém que acredita que a educação é a maior possibilidade de transformação de qualquer país.

Como a situação política do país interfere nos negócios da educação?

A escolha já foi feita. Certa ou errada, para a direita ou para a esquerda, já foi feita nas urnas. Nós temos que elevar a discussão. Somos brasileiros e temos que ter uma agenda só, de sucesso e retomada da economia.

Temos que aprovar as reformas para que as pessoas possam voltar a estudar, que nossos filhos tenham acesso à educação de qualidade, tenham segurança e possam andar na rua felizes.

Temos que voltar a investir em infraestrutura, a ter orgulho do Brasil, dos nossos políticos, nossas empresas e nossas universidades.

Citei esses exemplos todos por quê? Porque hoje não existe isso. Temos até vergonha. Temos que elevar a consciência para um Brasil que tem que vencer, independentemente de "nós" e "eles".

O que o sr. acha da reforma da Previdência?

Totalmente necessária, porque as contas não fecham. Não podemos ser egoístas neste momento. Temos que pensar nos nossos filhos, na geração futura. É um discurso que tenho visto alguns fazendo e temos que apoiar. Todos nós vamos ter que fazer um sacrifício neste momento em benefício do nosso país.

O sr. concorda com o projeto que está em tramitação no Congresso?

Temos que fazer a reforma mais profunda possível e abrir mão de benefícios, nesse primeiro momento, nesse curto prazo, para que nossos filhos possam tentar ir melhor. Isso passa por uma série de reformas --da Previdência, política, do sistema judiciário, do sistema educacional.

Não acho que o sistema educacional brasileiro seja viável da forma que está. Ele está perenizando as desigualdades, e nós não queremos um país desigual, e sim um país próspero.

Busque um propósito, e dinheiro virá por consequência

A Ânima Educação é assim:

  • Fundação

    2003

  • Funcionários diretos

    Cerca de 7.000

  • Clientes

    114 mil estudantes

  • Marcas

    Universidade São Judas Tadeu, Centro Universitário Una, Centro Universitário de Belo Horizonte, UniSociesc (Sociedade Educacional de Santa Catarina), HSM Educação Executiva, Ebradi (Escola Brasileira de Direito) e Le Cordon Bleu

  • Faturamento bruto

    R$ 1,843 bilhão (2018)

  • Lucro líquido ajustado

    R$ 64,9 milhões (2018)

  • Porcentagem de mercado dominada pela empresa

    Região de São Paulo e Santos (3,4%); região de Belo Horizonte (22,03%) e região de Joinville (21,87%)

  • Principais concorrentes

    PUC (Pontifícia Universidade Católica), dentre outros

MEC é "dono" das federais e não avalia faculdades com isenção

UOL - O objetivo da Ânima, nas suas palavras, é transformar a educação pela qualidade, mas o grupo não tem nenhuma nota cinco no IGC (Índice Geral de Cursos), do MEC. O que o sr. acha dessa avaliação?

Marcelo Bueno - Há um conflito de interesses porque o MEC faz o ranking e, ao mesmo tempo, é o mantenedor das universidades federais, ou seja, é como se fosse o dono delas. Hoje nenhuma instituição privada consegue nota cinco, é muito difícil.

Nossas notas são quatro, e já é uma dificuldade enorme. Cabe reflexão sobre o sistema. Não acho que o IGC seja o único indicador de qualidade, existem outros.

Na Ânima, estamos tentando fazer o ROI (sigla, em inglês, para retorno sobre investimento) do estudante. Ou seja, por que ele paga a mais para ter a educação X do que para ter a educação Y? Nos Estados Unidos, se eu botei x, tenho que tirar 2x ou 3x lá na frente, tenho que sair empregado.

É uma alternativa para medir qualidade. Nossos resultados nos orgulham muito. A diferença entre o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e o Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) mede o delta entre como o aluno chega e como ele sai. Em tese, é o quanto ele aprendeu.

Nós recebemos um estudante oriundo, em grande maioria, do sistema público, com graves dificuldades em leitura, linguagem, raciocínio lógico e matemática.

Desde 2005, temos feito nivelamentos obrigatórios no currículo, para que ele possa acompanhar e se sair muito melhor. O delta desse aluno é muito diferente do de um aluno que estudou nas melhores escolas do Brasil e passou nas federais e na USP [Universidade de São Paulo]. Esse se formou só um pouquinho melhor, porque ele já é brilhante.

Tem havido expansão da educação a distância (EAD), e alguns conselhos profissionais, como de engenharia e enfermagem, são contrários. O que o sr. acha disso?

Nós acreditamos em uma educação híbrida porque nossa vida já é híbrida. Não temos mais uma vida em EAD ou uma vida fora. O quanto você está trabalhando presencialmente? Você já não sabe mais.

Então, a educação é híbrida. A discussão é: onde a tecnologia melhora a aprendizagem? Onde ela faz um estudante aprender melhor? Acho que essa é a discussão.

No varejo, aconteceu a questão do "omnichannel" [integração de canais] --você compra na loja, recebe em casa, compra online, recebe na loja-- não há mais diferença, é uma coisa só.

Infelizmente, por "n" questões --regulatórias, de distorção, mercadológicas etc--, hoje há diferenciação entre EAD e presencial, como se EAD fosse uma proposta de baixa qualidade, e presencial, de alta qualidade. Isso não é verdade.

No exterior, existem propostas de EAD mais caras que as presenciais. Temos estatísticas mostrando que a educação híbrida forma muito melhor que a presencial. Esse é o caminho, é a tendência. No Brasil, ainda estamos num momento de grande incerteza, e isso causa essas interpretações equivocadas.

O sr. vê esse modelo híbrido como o futuro da educação?

Sim, tenho certeza disso. Em alguns anos, não vamos estar discutindo quantos alunos temos em EAD. Vamos discutir o quanto a tecnologia tem melhorado a vida das pessoas, feito as crianças e os jovens estudarem.

Existem algoritmos e inteligência artificial --tecnologias de ponta-- que fazem uma personalização da educação, para que cada jovem tenha uma solução feita para ele. Essa é a tendência, e estamos nos preparando para esse momento.

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