UOL - O senhor acredita que a corrupção diminuiu no Brasil?
Marcelo Pimentel - Difícil saber. O que eu posso dizer é que brasileiro, na sua vasta maioria, é muito honesto. Um exemplo: na Marisa tem uma área de serviços financeiros e oferecemos crédito para as nossas clientes. Com a pandemia, estávamos nos preparando para um aumento grande no número de inadimplentes.
Cerca de 70% das faturas do cartão Marisa são pagas, presencialmente, em nossas lojas. Com o fechamento das lojas em março, o nosso Serviço de Atendimento ao Consumidor explodiu de contatos, com pessoas querendo entender como fazer para pagar a fatura do cartão. Para o nosso público-alvo, as nossas clientes, o que mais importa é proteger o nome.
Nos últimos anos, a Marisa mudou o posicionamento de marca e conseguiu se reestruturar. Como está a situação agora?
Até 2019, tivemos cinco anos de resultados negativos, principalmente por alguns erros estratégicos. Em 2017, depois de muitas pesquisas, conseguimos entender que era preciso fazer uma mudança, com a melhoria do produto, a qualidade de tecido, caimento, acabamento, tudo o que realmente conseguisse resgatar a credibilidade do produto.
Melhoramos também a experiência de loja, treinando o time de atendimento, de merchandising. Investimos na transformação digital, trocando a plataforma autoral da Marisa para uma plataforma de mercado. Desde então, começamos todo o programa de transformação do nosso comércio eletrônico, que tem sido também uma das grandes estrelas dessa transformação.
Isso culminou, em 2019, depois de cinco anos de vendas negativas, com quatro trimestres de crescimento consecutivo, e o último trimestre sendo o melhor dos últimos cinco anos. Em 2020, seria o quinto trimestre consecutivo de crescimento. Até o momento da pandemia, estávamos com crescimento de 12% sobre o ano anterior, o que confirma essa estratégia acertada de retomada.
Essa retomada criou um colchão financeiro para a empresa se adaptar à pandemia?
Eu destacaria dois elementos para criar essas condições. Em 2019, conseguimos captar R$ 550 milhões no mercado. Era uma proposta basicamente de reestruturação de dívidas. Antes de entrar na pandemia, estávamos em uma situação confortável no contexto de endividamento, que tinha reduzido drasticamente. E com uma posição de caixa melhor.
Logo depois, na pandemia, conseguimos fazer, por medidas de segurança, mais captações financeiras, mais R$ 400 milhões, o que nos deixou numa posição para atravessar a crise, não diria confortável porque ninguém está confortável nesse momento, mas certamente com solidez para atravessar o momento.
E o segundo pilar foi nos beneficiar da estratégia digital. Não tivemos que fazer de repente, ajustamos em 2017. No dia 17 de março, quando tivemos que fechar todas as nossas lojas, já estávamos bem posicionados para tirar proveito dessa estrutura digital.
E o que mudou no consumo nesses últimos tempos?
No final de 2017, percebemos que a cliente Marisa era mais idosa, com uma renda média menor e com uma necessidade de moda menor. Portanto, era uma cliente que acabava vindo em momentos promocionais. Precisávamos trazer um outro perfil, que fosse economicamente ativo, tivesse uma necessidade de moda e, por natureza, mais jovem. Ou seja, uma mulher que trabalhava durante o dia e ia para a universidade à noite, para as baladas nos finais de semana.
Era uma mulher da classe C, pois a questão de custo/benefício era importante para a nossa cliente. Garantimos uma moda de qualidade, mas que não fosse um produto fast fashion.
Em relação ao que está acontecendo agora pela pandemia, percebemos que a cliente é mais objetiva, que faz toda a pré-compra online e praticamente entra na loja sabendo bem o que ela quer. O tempo em loja agora é menor. Entra, compra o que quer, paga e sai.
O interessante é que o nosso ticket médio tem aumentado. Isso não acontece em todas as lojas abertas, mas os sinais são promissores.
Antes da pandemia, vocês cresceram 12% nas vendas. As vendas digitais foram importantes para não fechar definitivamente algumas lojas?
Sem dúvida. Em 2018, lançamos o programa de "multicanalidade". Em 2019, no primeiro semestre, já tínhamos mais de 200 lojas com o "clique e retire", que representava mais de 40% de toda venda digital. Atualmente, estamos nos cinco maiores marketplaces do Brasil.
Na virada de 2020, lançamos o piloto do "ship from store", que é o uso das nossas lojas como "hub" (pontos centrais) de distribuição de produtos. Deixo de depender somente do e-commerce para poder ter acesso ao estoque das lojas. Em março, quando fechamos, conseguimos ampliar esse piloto para 70 lojas, em maio já estávamos em 130 lojas.
Para ter uma ideia da grandeza dos números de que estamos falando, em março vendemos R$ 200 mil das lojas; em abril, passamos os R$ 3 milhões, e em maio R$ 9 milhões, só de "ship from store". Essa modalidade de venda, em três meses, já participa com uns 20% de toda a nossa venda digital.