Avanço das reformas

Precisamos de equilíbrio entre direitos trabalhistas e desemprego, diz CEO das Lojas Marisa

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo
Carine Wallauer/UOL

Por mais difícil que seja neste momento, o país precisa voltar a pensar em avanços na reforma trabalhista, principalmente em tirar tributos da folha de pagamento dos funcionários, diz o CEO das Lojas Marisa, Marcelo Pimentel, em entrevista na série UOL Líderes.

Para Pimentel, é preciso encontrar um equilíbrio entre os direitos trabalhistas e o desemprego, que atualmente está na casa dos dois dígitos. Ele defendeu também a aprovação de uma reforma fiscal que faça a economia do país crescer.

Em entrevista realizada pela plataforma Zoom, o CEO das Lojas Marisa falou sobre os novos hábitos de consumo durante a pandemia e como a consumidora brasileira correu para deixar as dívidas em ordem com o fechamento das lojas.

Comentou também sobre a reestruturação da marca e como transformou, em um mês, lojas em pequenos centros de distribuição pelo país.

Direitos trabalhistas x desemprego

Ouça a íntegra da entrevista com o CEO das Lojas Marisa, Marcelo Pimentel, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir à entrevista completa em vídeo com o executivo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto.

Equilíbrio nos direitos trabalhistas

UOL - Quais são as reformas com as quais precisamos avançar no país?

Marcelo Pimentel - Diria que, se tivéssemos que trabalhar em termos de urgência para promover a retomada da economia, simplificaria a questão trabalhista e fiscal para que as empresas pudessem voltar a investir e ter uma dependência menor do Estado.

A nossa política trabalhista é complexa, onerosa e, portanto, não promove no empreendedor, no empresário e nas empresas essa ação de independência.

Temos trabalhado com o IDV (Instituto de Desenvolvimento do Varejo), o Ministério da Fazenda e toda a equipe econômica no processo de simplificação da política econômica. Trabalhei alguns anos fora do país e a diferença é grande.

A reforma trabalhista anterior não foi suficiente?

Aquela reforma foi um passo, mas certamente não o ponto de chegada. Precisamos encarar não apenas a questão de flexibilização, mas as questões de oneração. É caro ter um colaborador por conta dos impostos que pagamos, mas, por outro lado, há sempre um debate, que eu respeito, que é a proteção dos direitos trabalhistas.

Temos uma política de proteção de direitos trabalhistas convivendo com índices altíssimos de desemprego, como chegar a um equilíbrio? A economia irá crescer à medida que reduzirmos o desemprego, colocando as pessoas economicamente ativas no mercado e fazendo a roda girar.

Enquanto o índice de desemprego for alto no país, na casa de duplo dígito, teremos sempre cenário de letargia de retomada econômica.

Que direitos poderiam ser flexibilizados?

Não quero entrar em detalhes específicos porque é algo extremamente polêmico e que demanda um debate estruturado e planejado entre todas as áreas da sociedade. Entendo a importância dos direitos adquiridos. Devemos tomar cuidado com qualquer flexibilização, mas não podemos perder a oportunidade de ter essa discussão, por mais difícil que seja.

Para mim, é mais difícil e doloroso, como brasileiro, ver índices de desemprego nos patamares com os quais convivemos por tantos anos.

Muitas empresas, durante a quarentena, precisaram demitir. Como vocês estão lidando com a questão do emprego?

A Marisa é uma empresa sólida, robusta e que consegue atravessar um momento como este, mas quando vemos o médio e pequeno empresário, que está sendo obrigado a fechar e não tem uma estrutura digital, o desafio é grande. Inicialmente foi aquele processo de consumir férias, banco de horas, tudo o que tínhamos, depois veio a Medida Provisória 936, que nos ajudou, e agora estamos nessa retomada tentando conciliar ao máximo o retorno dos nossos colaboradores.

A questão da educação tem relação com o desemprego e com baixos salários. Como será a educação do país daqui para frente?

Educação é algo que está próximo a mim. Minha mãe e minha esposa são professoras, por isso, é uma situação que tenho vivido presencialmente. É preocupante e triste. Quando observamos a questão da educação pública e comparamos a outros países mais desenvolvidos, vemos o quão vulnerável o Brasil está neste momento, sem poder oferecer alternativas sólidas principalmente para o público infantil.

Mas é difícil mensurar no momento. Veremos daqui a alguns meses e mesmo anos qual será o preço que essa pandemia deixou para a escola pública. Por outro lado, é um alerta para que políticas públicas sejam discutidas o quanto antes e o país se prepare para um futuro com mais alternativas.

Em relação à educação superior, penso que houve um avanço no modelo, criando um contexto de pesquisas cada vez mais avançadas. Tanto a organização quanto o estudante precisam avançar nesse relacionamento.

Muito se tem discutido no país a questão do Estado mínimo e a importância de instituições como o SUS. Qual a sua opinião a respeito?

O governo precisa prover saúde, educação e segurança, fazendo com competência e, principalmente, mantendo a equidade em um cenário nacional tão diferente. É importante que o governo ofereça isso.

Fico imaginando se não tivéssemos o SUS, apesar de todas as críticas, em um momento como esse de pandemia. Seria catastrófico.

Mas existe também uma necessidade, e, de novo, entramos na pauta de desonerações, de promover a iniciativa privada para que possa cada vez mais assumir um protagonismo na sociedade. Dar à iniciativa privada aquilo que não é prioridade do Estado.

Que áreas deveriam ser privatizadas?

Muitas dessas empresas estatais, petrolíferas ou de saneamento básico, empresas de infraestrutura. Entendo que faz sentido uma saída gradual do Estado e a transferência para o mercado privado.

Como está a situação do home office na Marisa?

É uma situação híbrida. Confesso que, em março, estava preocupado em como seria essa situação de home office, mas tem sido uma experiência boa e, certamente, será um legado. Tivemos um aumento de produtividade, estamos com 100% do escritório trabalhando em casa. A nossa perspectiva de futuro é voltar em um modelo híbrido, no qual trabalharemos parcialmente em home office e parte no escritório.

O home office nos abriu um leque de possibilidades. Na área de tecnologia, por exemplo, passamos do trabalho presencial, em São Paulo, onde está o nosso escritório, para contratar remotamente pessoas que estejam em Recife ou no Rio Grande do Sul, com a mesma qualidade do serviço presencial. Começamos a fazer alguns testes nesse sentido e isso tem sido bom.

As Lojas Marisa são assim

  • Fundação

    1948

  • Funcionários diretos

    12 mil

  • Lojas

    353

  • Receita bruta (2019)

    R$ 3,6 bilhões

  • Concorrentes

    C&A, Renner, Riachuelo e Pernambucanas

  • Ações na pandemia

    Doação de 15 mil camisetas brancas para profissionais de saúde, 12 mil peças de roupas para moradores de rua e idosos e 400 camisetas para agentes das comunidades, em São Paulo, e criação da plataforma ?Sou Sócia?, cadastrando 10 mil pessoas

Brasileira honesta correu para pagar fatura

UOL - O senhor acredita que a corrupção diminuiu no Brasil?

Marcelo Pimentel - Difícil saber. O que eu posso dizer é que brasileiro, na sua vasta maioria, é muito honesto. Um exemplo: na Marisa tem uma área de serviços financeiros e oferecemos crédito para as nossas clientes. Com a pandemia, estávamos nos preparando para um aumento grande no número de inadimplentes.

Cerca de 70% das faturas do cartão Marisa são pagas, presencialmente, em nossas lojas. Com o fechamento das lojas em março, o nosso Serviço de Atendimento ao Consumidor explodiu de contatos, com pessoas querendo entender como fazer para pagar a fatura do cartão. Para o nosso público-alvo, as nossas clientes, o que mais importa é proteger o nome.

Nos últimos anos, a Marisa mudou o posicionamento de marca e conseguiu se reestruturar. Como está a situação agora?

Até 2019, tivemos cinco anos de resultados negativos, principalmente por alguns erros estratégicos. Em 2017, depois de muitas pesquisas, conseguimos entender que era preciso fazer uma mudança, com a melhoria do produto, a qualidade de tecido, caimento, acabamento, tudo o que realmente conseguisse resgatar a credibilidade do produto.

Melhoramos também a experiência de loja, treinando o time de atendimento, de merchandising. Investimos na transformação digital, trocando a plataforma autoral da Marisa para uma plataforma de mercado. Desde então, começamos todo o programa de transformação do nosso comércio eletrônico, que tem sido também uma das grandes estrelas dessa transformação.

Isso culminou, em 2019, depois de cinco anos de vendas negativas, com quatro trimestres de crescimento consecutivo, e o último trimestre sendo o melhor dos últimos cinco anos. Em 2020, seria o quinto trimestre consecutivo de crescimento. Até o momento da pandemia, estávamos com crescimento de 12% sobre o ano anterior, o que confirma essa estratégia acertada de retomada.

Essa retomada criou um colchão financeiro para a empresa se adaptar à pandemia?

Eu destacaria dois elementos para criar essas condições. Em 2019, conseguimos captar R$ 550 milhões no mercado. Era uma proposta basicamente de reestruturação de dívidas. Antes de entrar na pandemia, estávamos em uma situação confortável no contexto de endividamento, que tinha reduzido drasticamente. E com uma posição de caixa melhor.

Logo depois, na pandemia, conseguimos fazer, por medidas de segurança, mais captações financeiras, mais R$ 400 milhões, o que nos deixou numa posição para atravessar a crise, não diria confortável porque ninguém está confortável nesse momento, mas certamente com solidez para atravessar o momento.

E o segundo pilar foi nos beneficiar da estratégia digital. Não tivemos que fazer de repente, ajustamos em 2017. No dia 17 de março, quando tivemos que fechar todas as nossas lojas, já estávamos bem posicionados para tirar proveito dessa estrutura digital.

E o que mudou no consumo nesses últimos tempos?

No final de 2017, percebemos que a cliente Marisa era mais idosa, com uma renda média menor e com uma necessidade de moda menor. Portanto, era uma cliente que acabava vindo em momentos promocionais. Precisávamos trazer um outro perfil, que fosse economicamente ativo, tivesse uma necessidade de moda e, por natureza, mais jovem. Ou seja, uma mulher que trabalhava durante o dia e ia para a universidade à noite, para as baladas nos finais de semana.

Era uma mulher da classe C, pois a questão de custo/benefício era importante para a nossa cliente. Garantimos uma moda de qualidade, mas que não fosse um produto fast fashion.

Em relação ao que está acontecendo agora pela pandemia, percebemos que a cliente é mais objetiva, que faz toda a pré-compra online e praticamente entra na loja sabendo bem o que ela quer. O tempo em loja agora é menor. Entra, compra o que quer, paga e sai.

O interessante é que o nosso ticket médio tem aumentado. Isso não acontece em todas as lojas abertas, mas os sinais são promissores.

Antes da pandemia, vocês cresceram 12% nas vendas. As vendas digitais foram importantes para não fechar definitivamente algumas lojas?

Sem dúvida. Em 2018, lançamos o programa de "multicanalidade". Em 2019, no primeiro semestre, já tínhamos mais de 200 lojas com o "clique e retire", que representava mais de 40% de toda venda digital. Atualmente, estamos nos cinco maiores marketplaces do Brasil.

Na virada de 2020, lançamos o piloto do "ship from store", que é o uso das nossas lojas como "hub" (pontos centrais) de distribuição de produtos. Deixo de depender somente do e-commerce para poder ter acesso ao estoque das lojas. Em março, quando fechamos, conseguimos ampliar esse piloto para 70 lojas, em maio já estávamos em 130 lojas.

Para ter uma ideia da grandeza dos números de que estamos falando, em março vendemos R$ 200 mil das lojas; em abril, passamos os R$ 3 milhões, e em maio R$ 9 milhões, só de "ship from store". Essa modalidade de venda, em três meses, já participa com uns 20% de toda a nossa venda digital.

Carine Wallauer/UOL Carine Wallauer/UOL

Em relação ao que está acontecendo agora pela pandemia, percebemos que a cliente é mais objetiva, que faz toda a pré-compra online e praticamente entra na loja sabendo bem o que ela quer. O tempo em loja agora é menor. Entra, compra o que quer, paga e sai.

Marcelo Pimentel

Sociedade reaprendendo a viver

UOL - Como a Marisa vem se adaptando às novas regras de relacionamento com o cliente?

Marcelo Pimentel - Precisamos nos preparar para aprender a viver dentro dessa situação que, a meu ver, não vai desaparecer em um curto espaço de tempo. Nas nossas lojas, por exemplo, estamos tomando todo o cuidado com os nossos colaboradores, que recebem kits de segurança, e com a sinalização de segurança, espaçamento.

Os nossos provadores ainda não estão abertos, ampliamos o período de troca para que a cliente possa comprar. Os produtos devolvidos ficam em quarentena e recebem uma limpeza especial. São aprendizados para conviver nesse "novo normal".

Tanto o governo quanto os empresários precisam passar uma mensagem de estabilidade para a população. Mas é importante também que a população faça o seu papel de prevenir, de ter segurança.

Como fica a cultura brasileira de provar as roupas? Vocês têm até uma campanha sobre isso (#vemprovar).

Continuamos querendo que as nossas clientes continuem provando as nossas roupas, mas, em vez de provar no provador das lojas, elas irão provar em casa e continuar dando uma resposta positiva.

O interessante é que o nosso índice de troca de vendas online é muito baixo, por incrível que pareça. À medida que a cliente ganha confiança na modelagem, na qualidade do produto, ela começa a voltar e ser uma cliente recorrente.

O que temos experienciado no contexto multicanal é um incremento grande de novas clientes aderindo a esse canal. Nós temos mais de 30% de novos CPFs na base digital e multicanal, e isso tem sido bom porque é um legado que fica.

Qual será o futuro das lojas físicas?

Podem me chamar de otimista, mas vamos continuar com o negócio de lojas físicas. A participação no digital vem para somar, e não para substituir. Cada vez mais o físico, como o digital, está caminhando para o modelo de interdependência. Cada um de forma isolada não vai sobreviver. Em empresas como a Marisa, não acredito que o modelo só digital vai conseguir funcionar. Precisamos dos dois.

As pessoas ainda vão trabalhar, somos seres sociais e vamos continuar sendo. Portanto, tenho muita dificuldade de acreditar nessa noção de que o varejo presencial vai sumir ou vai cair drasticamente.

O aumento das vendas online criou uma dificuldade de logística. Como é essa questão para a Marisa?

A curva foi em março/abril. Tivemos problemas exatamente porque nem as empresas estavam preparadas para um aumento súbito de vendas digitais, muito menos as distribuidoras logísticas. O início foi bem desafiador, e todas as empresas tiveram que se adaptar rapidamente.

O que está acontecendo gradualmente, no entanto, e é um legado que fica, é que as empresas logísticas conseguiram se adaptar rapidamente a essa nova necessidade. Na Marisa, todas as entregas das nossas compras online vinham do centro de distribuição (CD) específico do e-commerce. Com o "ship from store", passamos a operar e fornecer de 130 mini CDs, que são as nossas lojas.

No primeiro momento, isso foi um desafio gigantesco, mas é impressionante também como o time se adaptou rápido.

Moda na pandemia

UOL - Nesse período todo de confinamento, o que foi moda e que mudanças vocês perceberam nos costumes de compra?

Marcelo Pimentel - A roupa de trabalho ficou secundária e penso que, até se normalizar totalmente, essa situação deve permanecer. Houve um crescimento exponencial na venda de lingerie e de peças do "fique em casa", como moletons, pantufas, roupões.

É interessante o crescimento da venda de roupas infantis, com as crianças ficando em casa pelas escolas fechadas. O masculino cresceu também, o que não é de se imaginar na Marisa, mas as mulheres compram principalmente produtos mais básicos para os homens.

Além disso, vendemos muito toda essa parte dos "tops" [parte de cima]. O problema tem sido os "bottons" [parte de baixo], porque geralmente só vemos na câmera da cintura para cima.

Com o crescimento da venda de roupas para homens e crianças, existe uma possibilidade de mudar o slogan "de mulher para mulher"?

Esse slogan é nosso e vai continuar sendo. Estou na Marisa há três anos. Quando cheguei e me aprofundei no negócio, descobri que a Marisa vendia masculino. Eu não sabia até aquele momento. A primeira coisa que pensei em fazer foi tirar o masculino da Marisa. Essa seria a minha primeira ação. Desisti ao ver os números e perceber que o masculino é relevante dentro da Marisa.

Quem compra o masculino é a mulher. No feminino, nós somos e seremos moda, tendência, qualidade e preços acessíveis. No masculino, temos de ter um cuidado maior. Não temos moda, mas qualidade e segurança. Trabalhamos com o básico, com o íntimo, jeans e camisas básicas, porque isso é o que ela consegue comprar com confiança, chegar em casa e não ter problema.

E aquela senhora que sempre comprou na Marisa, antes da mudança da marca. Elas não compram mais na Marisa?

Não, muito pelo contrário, a nossa proposta não foi a troca, foi a adição. Em nenhum momento a decisão excluía aquela mulher que foi importante, e continua sendo para nós. A Marisa é a loja da mulher, não importa a idade.

Todas as pesquisas nos mostram que não existe mais nenhum tipo de rejeição à moda Marisa e, portanto, estamos de volta ao jogo da moda, em paridade com todos os nossos concorrentes diretos.

Essa será a maior crise da nossa história?

Espero que não tenhamos mais experiências como essa. Tenho conversado com vários CEOs experientes para aproveitar esse momento de aprendizado. Uma coisa que chama a atenção é que este momento nivelou todo mundo, porque ninguém passou por isso, por uma experiência tão dramática, de uma mudança tão forte no mercado.

É uma experiência que transcende simplesmente a questão profissional, de um determinado setor. É uma crise mundial que afeta a todos nós pessoalmente também, a mudança se dá no interno de cada um de nós também. Sai muito aprendizado, saem muitos ajustes e acomodações que precisam ser feitos.

Que dicas o senhor daria para quem quer ter uma carreira de sucesso?

Principalmente, no momento que estamos vivendo, seja pragmático. Cuidado com o otimismo infundado para não perder tempo nem recursos nem gerar frustrações. É importante ser pragmático, sabendo exatamente onde investir e onde economizar para que se tenha sucesso.

Por natureza, sou uma pessoa otimista. Esse ambiente, sem dúvida, vai deixar muitas vítimas pelo caminho. É a parte infeliz deste momento que estamos vivendo, mas, por outro lado, também está dando oportunidades de empresas e pessoas se reinventarem.

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