Impostos para mais pessoas

Tributos devem ser pagos por mais gente e de forma mais justa para Brasil crescer, diz chefe da Lacta

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo
Zo Guimarães

A reforma tributária tem de seguir princípios de equidade para que mais pessoas paguem impostos, porque a economia informal é muito grande. É preciso que todo mundo pague de forma mais justa para que a economia possa crescer. A avaliação é de Liel Miranda, presidente da Mondelez Brasil (dona de marcas como Lacta), em entrevista na série UOL Líderes.

Miranda deixou no ano passado a presidência da Souza Cruz e assumiu no início deste ano o desafio de liderar, no Brasil, uma das maiores indústrias de alimentos do mundo, a Mondelez, que é dona, além da Lacta, de marcas como, Bis, Oreo, Trident, Halls e Club Social.

O executivo fala dos desafios da pandemia, ao comandar a maior operação de e-commerce da empresa durante a Páscoa, da mudança de hábito dos consumidores na quarentena e da estratégia da empresa de reduzir opções de sabores, tamanhos e formatos de alguns itens de produtos para manter o abastecimento dos mais procurados.

Ouça a íntegra da entrevista com o presidente Mondelez Brasil, Liel Miranda, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir a essa e a outras entrevistas de executivos no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto com os destaques da conversa.

Imposto para mais pessoas

UOL - As empresas estão sobrecarregadas com a atua carga fiscal?

Liel Miranda - A resposta simples e direta é que a carga tributária brasileira é elevada, o modelo tributário brasileiro é complexo e isso tira competitividade da economia de gerar mais empregos, de gerar mais informação e de crescer mais rápido.

Há várias propostas hoje no Congresso para a reforma tributária, mas todas têm que se pautar por princípios de equidade para que mais pessoas paguem impostos, porque a economia informal é muito grande. É preciso que todo mundo pague de forma mais justa para que a economia possa crescer.

De que reformas o país precisa atualmente?

Essa é uma necessidade histórica. Precisamos de todas, não por uma necessidade deste momento, não por causa da pandemia. São necessidades históricas que o Brasil e outros países têm. As leis e a forma de o Estado se organizar precisam se adaptar ao século 21, pois a maior parte das leis que temos, sejam elas tributárias, trabalhistas, foram desenhadas e criadas há 100 anos.

A sociedade evoluiu muito, mas talvez a legislação, o arcabouço jurídico e o modelo de Estado não tenham evoluído. As reformas precisam sair do papel. O nosso compromisso de investir no Brasil, continuar operando e aumentando as nossas instalações e operações é de longo prazo. Todas as reformas que estão na agenda, e acreditamos que irão acontecer, serão benéficas para a empresa, para a sociedade e para o país porque têm esse papel de atualizar as leis e o arcabouço jurídico.

A pandemia mostrou que alguns setores públicos foram fundamentais, como o da saúde. O que deve ser privatizado no país?

Os extremos são sempre muito perigosos e normalmente não são corretos. É preciso um Estado para suprir as necessidades sociais, como saúde, educação, segurança e uma regulamentação para que a sociedade funcione. Mas há áreas em que o Estado tem capacidade menor de gerenciamento do que a iniciativa privada. Esse gerenciamento pode criar uma distração e tirar o Estado do que realmente deveria focar.

Não é Estado mínimo nem máximo. Precisa ser adequado para aquelas áreas e setores onde a sociedade necessita de intervenção, principalmente as áreas sociais e em situações como a da pandemia, que envolve todo mundo e o papel do Estado é regular. Agora, o Estado se envolver em coisas que a iniciativa privada pode fazer possivelmente não é o melhor uso do tempo e do dinheiro público.

A Mondelez Brasil é assim

  • Fundação

    2012

  • Funcionários

    8.000

  • Pontos de venda

    700 mil

  • Algumas marcas

    Lacta, Trident, Halls, Bis, Tang, Club Social e Oreo

  • Concorrentes

    M.Dias Branco e Nestlé

  • Ações da pandemia

    Doação de 100 mil EPIs, 5.000 sanitizantes e 220 toneladas de alimentos para comunidades e profissionais da saúde

  • Receita líquida em 2019 (mundo)

    US$ 25,9 bilhões (R$ 130,94 bilhões)

  • Lucro líquido em 2019 (mundo)

    US$ 3,9 bilhões (R$ 19,71 bilhões)

Menos balas e gomas, mais biscoitos

UOL - Quais foram as principais mudanças nos hábitos dos consumidores?

Liel Miranda - Notamos, não apenas no Brasil, mas em todos os países em que a empresa atua, que durante o período da pandemia o consumidor buscou marcas mais conhecidas pela confiança na qualidade e pela facilidade de compra no supermercado.

A pandemia também multiplicou as compras online. Mesmo depois da Páscoa, quando vendemos dez vezes mais pelo online, nossas vendas online estão cinco a seis vezes maiores do que no ano passado. A explicação é que o consumidor descobriu que é conveniente e agora adotou esse hábito.

Os consumidores também estão mais conscientes sobre o que estão comendo, a origem do produto, quem é o fabricante, se a marca tem um posicionamento consistente com seus os valores. Temos um propósito muito claro, que é fazer o 'snack' correto, da forma correta. Até 2025, todo o cacau que utilizamos em nossos chocolates terá origem certificada, sem causar danos ao meio ambiente. Todas as nossas embalagens serão recicláveis.

Em Curitiba, onde temos a maior fábrica de chocolate do mundo, a energia é renovável. Queremos vender pelo menos 20% de todo o nosso portfólio em embalagens individuais ou menores para que o consumidor não seja tentado a não comer mais do que ele talvez gostaria ou devesse.

Quais foram os produtos mais e menos vendidos durante o confinamento?

As pessoas estão mais em casa e estão comendo mais biscoitos, chocolates. Então Bis, Lacta, Oreo, Clube Social, são as marcas que venderam mais. Vendemos também suco em pó com a marca Tang porque com as crianças em casa, o consumo é maior.

Nossa linha de produtos da marca Royal, que são ingredientes para cozinhar, como gelatina, fermento, vendemos muito mais porque obviamente as pessoas estão cozinhando mais em casa, redescobrindo o prazer de cozinhar.

As linhas com queda de mais de 50% foram exatamente as gomas e balas. Não foi o comportamento do consumidor que mudou, mas o fechamento das lojas de conveniência. Reduzimos drasticamente a produção dessa linha de produto naquele momento.

Vocês deixaram de fabricar alguma marca?

Não deixamos de produzir nenhuma marca. O que fizemos foi reduzir o número de itens dessas marcas, como opções de sabores, tamanhos e formatos. Alguns desses formatos irão voltar, outros não voltam. A crise da covid-19 trouxe uma oportunidade para fazermos uma revisão do nosso portfólio.

Quando vamos ter um doce que não engorda?

O doce, o biscoito, o chocolate cabem na sua dieta diária. É importante que o consumidor seja educado para ter o prazer do consumo, mas de forma consciente e na quantidade que cabe na sua dieta alimentar.

Zo Guimarães Zo Guimarães

Os extremos são sempre muito perigosos e normalmente não são corretos. Não é Estado mínimo nem máximo. Precisa ser adequado para aquelas áreas e setores onde a sociedade necessita de intervenção.

Liel Miranda, presidente da Mondelez Brasil

Páscoa de 2021 já está planejada

UOL - A Páscoa de 2021 será mais digital?

Liel Miranda - A Páscoa já está planejada, pois é um evento que se planeja com pelo menos um ano de antecedência. Escolhemos os produtos que serão vendidos e preparamos as matérias-primas e a produção. A distribuição tem uma logística gigante. Precisamos distribuir 10 milhões de ovos pelo Brasil. Mas não só a Páscoa que começou. O ano de 2021 também.

Planejar nesse momento é um grande desafio. Não acredito que daqui a alguns meses vamos poder voltar a tudo como era antes. Continuaremos assim por um bom tempo, até que a vacina seja disponibilizada, até que, de fato, tudo volte ao normal. Precisamos estar preparados para essa maratona.

E quais foram os desafios e aprendizados da pandemia?

Com certeza, é uma situação totalmente sem precedentes, não há nos livros de administração e de história informações que possamos aprender ou comparar. Um dos grandes aprendizados da pandemia foi flexibilidade. Planos que seriam mudados uma ou duas vezes por ano, quando algo excepcional acontece, mudamos em três ou quatro semanas.

Outro grande aprendizado foi a migração do consumidor para o mundo de compra online. Conseguimos na Páscoa de 2020 vender quase 10 vezes mais do que no ano anterior, por meio do e-commerce. O online salvou a Páscoa.

O Ano-Novo Chinês aconteceu também durante a pandemia, na China. As pessoas têm o hábito de dar chocolate de presente. A queda de vendas na China chegou a 30% em comparação com o ano anterior. Esse era o pior cenário. Precisaríamos destruir 30% dos ovos, além da perda financeira.

Deixamos de vender apenas 8%. Aprendemos que dá para tocar uma empresa, dá para tocar a vida, dá para tocar um país por meses com todo mundo online, no mundo digital.

Tudo cabe dentro da casa

UOL - Quais são os negócios que vão acelerar depois da pandemia? E quais deverão recuar ou desaparecer?

Liel Miranda - O grande impacto dessa mudança é o papel da casa. As pessoas estão vendo a casa com uma outra dimensão. A casa virou lugar de trabalho, escola, diversão, academia, absolutamente tudo o que antes não cabia, agora estamos fazendo dentro dela.

Acredito em oportunidades de negócios que se relacionam com essa ressignificação da casa devam surgir. Estou dando esta entrevista da minha casa. Não imaginaria fazer isso há alguns meses.

Na nossa indústria, por exemplo, acreditávamos que venda de produto de supermercado acontecia principalmente na loja. Agora a tendência é que as pessoas comprem online. Na China, por exemplo, o e-commerce já representa mais de 20% do nosso volume. Aqui no Brasil ainda estamos falando de menos de 5%.

Estamos mudando também a relação dos funcionários com os escritórios. Devem surgir muitas oportunidades de negócios para o home office. No nosso caso, sempre fomos muito adeptos de trabalho flexível. Tínhamos entre 15% e 20% das pessoas em trabalho flexível, mas agora está claro que podemos ter um número muito maior. Isso abre muitas oportunidades as para grandes empresas redesenharem a forma de trabalho e as instalações.

Quais os planos para 2021?

Liel Miranda - Mesmo que a economia se recupera em 2021, o cenário mais provável é que seja no segundo semestre. O que estamos fazendo é uma grande virada. Até março de 2020, os nossos planos eram para um país em crescimento, com queda de desemprego, com maior poder de compra do consumidor. A estratégia estava focada em inovação com valor agregado, com produtos mais premium, com diferenciação de produto. Esse era o foco para 2020 e 2021.

Desde a pandemia e com a possibilidade de uma recessão um pouco mais longa, adaptamos o nosso portfólio para uma situação em que o consumidor estará com o bolso mais apertado, comprando produtos com descontos, em embalagens maiores, ou produtos menores para tirar menos dinheiro do bolso.

A indústria parou a inovação? Colocou em segundo plano?

Sim, a indústria deu uma pausa. O objetivo foi garantir que as operações continuassem e, para isso, simplificamos as operações. Reduzimos o número de itens para garantir que aqueles que mais vendem não faltassem. Estamos aguardando ter mais clareza sobre o comportamento da economia para retomarmos os planos. A inovação para a indústria de alimentos sempre foi importante e sempre será importante, mas a prioridade é garantir o abastecimento daqueles itens que são os mais vendidos e principalmente atender ao consumidor.

O senhor trabalhou muito tempo na indústria do tabaco. Quais as diferenças e as semelhanças dos dois setores?

A indústria do tabaco é para adultos, é totalmente regulada e é basicamente uma indústria de reposição, vender o produto para o varejo, que vende para o consumidor. A Mondelez é a indústria das marcas.

São empresas internacionais, regidas pela legislação do país onde operam e dos países onde elas têm a matriz (no caso da Mondelez, os Estados Unidos). São empresas que operam de forma ética, responsável e legal.

O que o Brasil representa para a matriz hoje?

Estamos entre as cinco maiores operações da empresa no mundo. Quando falamos de chocolate, biscoitos, suco em pó, gomas e balas, o Brasil é um dos cinco maiores países do mundo em termos de consumo e venda desses produtos pelo tamanho da população.

Qual seria a sua sugestão para facilitar a gestão no Brasil?

Há várias iniciativas que precisam ser feitas, mas a mais importante é a infraestrutura. O Brasil tem uma infraestrutura que limita a produtividade das empresas. O nosso transporte é muito dependente da malha rodoviária, que é mais cara, mais longa e mais poluente, comparada a outros países.

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