Furto de carro é baixo

Risco de carro ser furtado ou roubado no Brasil é de 1% em 1 ano em média, diz chefe da Porto Seguro

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo
Carine Wallauer/UOL

O perigo de ter um carro furtado ou roubado no Brasil é baixo e, por esse motivo, as seguradoras desenvolveram outros produtos para atrair o consumidor, como serviço grátis de encanador e eletricista. A avaliação é do presidente da seguradora Porto Seguro, Roberto Santos.

Apesar dessa percepção do executivo, houve aumento de furtos de carros no Brasil mesmo com a pandemia.

Em entrevista na série UOL Líderes, ele diz que o maior desafio do setor é implantar uma cultura de proteção. Segundo ele, o brasileiro só procura a seguradora quando algo ruim acontece próximo a ele.

A pandemia trouxe uma novidade: a busca por seguro de vida cresceu, e o executivo diz que nos próximos anos esse tipo de apólice deve alcançar outros patamares. Atualmente o seguro de vida não atinge 15% da população.

Ouça a íntegra da entrevista com o CEO da Porto Seguro, Roberto Santos, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir à entrevista completa em vídeo com o executivo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto dos destaques da conversa.

Possibilidade de ter carro furtado é de 1% em 1 ano

UOL - A Porto Seguro foi pioneira em colocar serviços agregados ao seguro. A tendência continua?

Roberto Santos - A possibilidade de uma pessoa ter um carro furtado ou roubado durante um ano é da ordem de 1%, em média, mesmo no Brasil. Em algumas regiões do país, chega a 6% ou 7%, mas em outros lugares é zero vírgula alguma coisa.

O risco de colisão é um pouco maior, entre 5% a 6%. No total, são oito clientes em cada 100 utilizando os serviços de uma seguradora durante um ano. São poucas as pessoas impactadas por essa experiência. Por esse motivo, a Porto foi pioneira em criar serviços agregados ao seguro.

Além do seguro de veículos, avançamos no seguro de residências, nos empresariais. Essa é uma tendência no Brasil, mas não no restante do mundo. Quando viajo e converso com colegas de outras seguradoras no exterior, eles ficam surpresos com o que fazemos aqui.

A Porto Seguro possui uma empresa no Uruguai. É o único país onde operamos fora do Brasil. Pensamos em operar nos Estados Unidos, mas a dificuldade de ter mão de obra especializada e treinada é muito cara. O custo inviabilizaria a contratação do seguro.

A mão de obra brasileira é mais barata do que em outros países?

Sim. Essa característica brasileira de agregar tantos serviços ao seguro não é comum no exterior. É quase a nossa "jabuticaba".

A Porto Seguro é assim

  • Fundação

    1945

  • Funcionários

    13 mil

  • Corretores de seguros

    37 mil

  • Clientes

    9 milhões

  • Escritórios

    101

  • Lucro líquido (2019)

    R$ 1,38 bilhão

  • Fatia de mercado dominada pela empresa (2019)

    27,2% (automóveis); 26,2% (residência); 8,9% (consórcio imóveis); 1,7% (consórcio de veículos)

  • Concorrentes

    Bradesco Seguros, SulAmérica, Mapfre, Tokio Marine, Zurich, Allianz, Liberty, HDI

  • Principais ações da pandemia

    Doação de 3 milhões de itens hospitalares, 100 mil frascos de álcool gel, 100 toneladas de alimentos, 200 mil cestas básicas e capacitação para 10 mil pessoas

Brasileiro não tem cultura de proteção

UOL - Qual o maior desafio do setor de seguro no Brasil?

Roberto Santos - O maior desafio é implantar no brasileiro a cultura de proteção. Mesmo o seguro de automóveis, que é o seguro que tem um risco muito visível, a adesão é muito baixa. Entre 25% e 35% dos carros que circulam nas cidades têm seguro. Muita gente imagina que o seguro é caro.

Mas o mercado tem criado produtos mais baratos, com coberturas um pouco mais restritas para conseguir convencer essa parte da população que não compra. Mesmo assim não conseguimos o sucesso que imaginávamos. Existem pessoas que compram um carro zero quilômetro e não fazem seguro. É assustador, mas é verdade, é uma questão cultural.

Quando pensamos em outros seguros, por exemplo, residencial, as pessoas contratam ainda menos. É um seguro que dificilmente alguém levanta de manhã pensando: 'hoje eu vou fazer o seguro da minha residência. Vou procurar o meu corretor para contratar o seguro'.

O curioso é que, com a proximidade do risco, quando há um incêndio próximo, muita gente procura o seguro. Essa questão de o brasileiro só contratar proteção na iminência do risco é o grande desafio da indústria de seguros.

Em outros países, a participação do seguro no PIB [Produto Interno Bruno] é absurda. No Brasil, avançamos muito. Há 10 ou 15 anos, não alcançávamos 1% do PIB. Hoje temos reservas da ordem de R$ 1,2 trilhão, algo em torno de 5% do Produto Interno Bruto. Mas há países desenvolvidos em que esse número vai para 15% do PIB.

Qual é o perfil do cliente que faz seguro no país?

Muda de acordo com o perfil econômico. Quem compra um seguro de vida mais caro, naturalmente, é uma pessoa com maior renda e patrimônio. As classes C e D, normalmente, não contratam seguro de vida. Elas possuem seguro se a empresa em que trabalham oferece cobertura pela convenção trabalhista. Mas as seguradoras começaram a oferecer produtos mais baratos.

Por exemplo, na Porto Seguro, temos a linha Azul, com o mesmo padrão de qualidade da Porto, mas que não possui todos os serviços agregados. E iremos desenvolver produtos mais baratos.

Mudaram os hábitos de consumo de seguros nos últimos anos?

Não vejo uma grande transformação. As pessoas buscam proteção. Os ramos que mais cresceram foram os seguros na área de benefícios, saúde e vida e previdência. Especificamente, nesses últimos meses, por conta da pandemia, percebemos uma mudança mais intensa nos seguros de vida, por razões óbvias.

Carine Wallauer/UOL Carine Wallauer/UOL

O maior desafio é implantar no brasileiro a cultura de proteção. Mesmo o seguro de automóveis, que é o seguro que tem um risco muito visível, a adesão é muito baixa. Entre 25% e 35% dos carros que circulam nas cidades têm seguro.

Roberto Santos, Presidente da Porto Seguro

Seguro de vida cresce na pandemia

UOL - Aumentou muito a procura pelo do seguro de vida?

Roberto Santos - Aumentou sim [17% entre janeiro e setembro deste ano em relação ao mesmo período do ano passado]. Quem está empregado, geralmente, tem uma cobertura de seguro de vida muitas vezes limitada. Na grande maioria das vezes, o beneficiário desconhece o valor da cobertura e sua abrangência. Às vezes, o seguro cobre morte acidental, mas não morte natural, por exemplo.

Diante de uma situação de pandemia, as pessoas começam a procurar e entender a cobertura que têm. Quando percebem a limitação, procuram o seu corretor de seguro para fazer um reforço. Acredito que nos próximos anos o seguro de vida no Brasil deve alcançar um outro patamar.

Na sua projeção, quanto irá crescer?

Acredito que o seguro de vida atualmente não atinge 15% da população. Há um grande espaço para crescimento.

O modo como as pessoas se deslocam nas cidades mudou. Isso impactou nos seguros de automóveis?

Percebemos há alguns anos uma mudança do comportamento das pessoas. Na minha época de jovem, todo mundo queria ter um carro. Lavava o carro sábado de manhã para à noite sair com ele brilhando. Agora os jovens não são mais assim.

Pensando neste consumidor, lançamos um produto, há uns três anos, que é o carro por assinatura, com seguro, manutenção e IPVA pago. Se escangalhar, damos outro. É preciso apenas colocar combustível e pagar eventuais multas. É o que chamamos de carro fácil.

Há duas questões que precisamos observar também: diferente de outros países do mundo, o Brasil possui uma infraestrutura de transportes muito carente, mesmo nas grandes cidades como São Paulo, Rio, Belo Horizonte. O sistema não atende todo mundo e o jovem, muitas vezes, precisa do carro para se deslocar até o centro.

A outra questão é em relação à pandemia. Muita gente deixou de usar o transporte público e mesmo táxi e carros por aplicativo por medo do contágio. É uma mudança de comportamento que deve ficar por conta da pandemia.

Esses fatores influenciam diretamente o nosso business, que é o de seguro especificamente de automóveis.

Como funciona o seguro de vida em uma epidemia ou pandemia?

O seguro em todo o mundo não cobre riscos de pandemia porque é algo que não conseguimos precificar, foge das estatísticas. Não é um processo frequente. A última pandemia ocorreu há décadas. Quando acontece uma situação dessas, quem tem seguro de vida não entende que não há cobertura.

No Brasil, porém, praticamente 100% das seguradoras decidiram, excepcionalmente fazer a cobertura do seguro. Isso porque uma das particularidades para definir se a pessoa morreu por causa da pandemia é que a certidão de óbito tenha escrito morte exclusivamente por covid-19. Isso é muito difícil porque a maioria das mortes é por insuficiência respiratória. Às vezes, aparece covid-19 associado a outro fator.

Diante deste quadro, mas também por uma questão de futuro do seguro de vida, as seguradoras optaram por fazer a cobertura. Depois, entrou em trâmite um projeto de lei no Senado Federal para fazer com que as seguradoras fizessem a cobertura de vida, mas tínhamos feito.

O que percebemos agora é que o impacto nas contas da seguradora não foi tão grande.

O cenário foi melhor do que vocês esperavam?

Exatamente. Quando tomamos a decisão de pagar os sinistros, calculamos o pior cenário, mas felizmente ele não aconteceu. Desta forma, o seguro de vida deve avançar muito nos próximos anos. As pessoas devem perceber a importância de ter uma proteção para a sua vida, para a sua família.

Especialistas alertam para novas pandemias. As seguradoras irão cobrir as pandemias?

Agora temos experiência, sabemos como calcular, como precificar os seguros de vida para pandemia. Estou falando pela minha seguradora. Iremos incluir em uma cobertura existente.

A pandemia provocará aumento nos seguros no geral?

O mercado de seguros é livre. O seguro de vida é relativamente barato no país. Dificilmente percebemos um grande aumento nessa modalidade. No seguro de automóveis, nos dois primeiros meses de isolamento, percebemos uma queda de 10% na procura e isso se refletiu no preço. Mas agora a frequência [quantidade de carros segurados e a quantidade de batidas e roubos] está voltando praticamente ao mesmo patamar anterior ao isolamento.

Ainda sobre a pandemia, houve diminuição nos roubos e colisões?

O roubo durante os dois primeiros meses do isolamento caiu e essa redução também ajudou em um desconto médio do seguro, mas isso não é linear. Há carros que roubam mais, outros menos. A partir de maio percebemos que a realidade foi voltando aos poucos.

Que oportunidades a crise trouxe para o negócio Porto Seguro?

O maior aprendizado, o maior legado, foi o trabalho remoto. Trabalharemos com o modelo híbrido, em que pessoas farão rodízios para trabalhar no escritório. Com isso, vamos diminuir espaço e, sendo muito pragmático, teremos um custo administrativo menor para manter a companhia.

Mesmo com as viagens em que era muito comum fazer um bate e volta, pegar um avião para ter uma reunião no Rio, esquece. Bate e volta já era. Mas acredito que o contato físico, o olho no olho, o toque na pessoa, isso é insubstituível. Por isso, vamos trabalhar com o modelo híbrido, não 100% remoto nem 100% físico.

Telemedicina é legado

UOL - Em relação ao seguro saúde, como está a questão da telemedicina?

Roberto Santos - A telemedicina já é uma realidade no mundo há muitos anos. Na maioria dos países, as pessoas não apenas falam com os médicos como há aplicativos que permitem fazer exames com mais propriedade. Pelo celular é possível medir a temperatura, o grau de oxigenação.

No Brasil, estávamos encontrando dificuldades porque o Conselho Federal de Medicina não permitia o uso da telemedicina. Com a pandemia, algumas seguradoras começaram a fazer pilotos com a consulta médica.

Agora, com a questão da pandemia, o Ministério da Saúde autorizou a utilização da telemedicina. Este é um dos legados para os seguros de saúde porque é eficiente, é bom para o cliente do outro lado, para o segurado, é bom para o médico, é bom também para a seguradora e para a sociedade como um todo. Fica mais barato e o preço do seguro saúde pode diminuir por conta disso.

Por que o custo do seguro de saúde ainda é alto?

Este assunto é complexo. Infelizmente a sociedade não tem a ideia do porquê do custo do seguro de saúde. Vamos falar em custo da saúde, incluindo o SUS [Sistema Único de Saúde]. Eu dividiria em três pontos. O primeiro, é o desperdício. 60% dos exames que são feitos no país não são retirados dos laboratórios. Não existe uma rede integrada de exames porque existe um negócio chamado sigilo médico. Ninguém pode ter acesso a um exame que você fez. Entendemos que é correto, mas se você autorizasse, qual o problema?

O segundo ponto é a questão especificamente de cirurgias para colocação das OPMEs -órteses, próteses e materiais especiais. Para você ter uma ideia, os fabricantes em sua maioria são estrangeiros. O custo do produto que entra no Brasil é dez vezes mais caro do que no exterior. As seguradoras e o SUS são impedidos de comprar direto do fabricante por uma lei e só conseguem negociar com distribuidor no Brasil.

O terceiro motivo é a judicialização da saúde. As seguradoras e o SUS são obrigados pela Justiça a fornecer medicamentos que não são comprovadamente eficientes.

O SUS é um organismo importante para a sociedade brasileira?

Eu diria que é importante sim. Alguns países não têm a estrutura que o Brasil tem. Essa foi uma vantagem do nosso país na pandemia. Mas há uma questão de gestão. Infelizmente, durante a pandemia, houve uma série de denúncias de fraude em compra de equipamentos, de álcool gel, máscaras.

Na verdade, no mundo ideal, as pessoas não deveriam necessitar de um seguro de saúde. O seguro deveria ser para quem quer algo a mais exclusivo, e não uma necessidade básica como hoje é. Pago plano de saúde para o meu pai e minha mãe e são alguns milhares de reais por mês. Isso é errado porque é uma necessidade básica.

O SUS deveria fornecer a saúde básica para as pessoas, mas infelizmente temos um problema de gestão e o seguro privado tem essa função de suprir a necessidade básica. Por que falta dinheiro no SUS também? Porque é caro e o governo acaba não tendo recursos para alocar. Saúde é cara.

Quais pontos são importantes a contemplar nas reformas do governo?

O problema do país é o tamanho do Estado. É muito grande, pesado e caro. O custo acaba se transformando em tributos. Não há outra forma de sustentar essa máquina a não ser por meio de tributos.

A reforma tributária é necessária, mas ainda precisaremos ter dinheiro para pagar as contas. Antes, é preciso uma reforma administrativa para que o Estado tenha um tamanho menor. Algumas coisas estão acontecendo neste sentido, mas ainda há muito trabalho a ser feito para diminuir o Estado.

Vejo com bons olhos a diminuição da quantidade de tributos e a padronização. Se a reforma tributária não acontecer logo, vai matar o país.

Qual a expectativa para 2021?

Acredito que a economia não vai se recuperar tão rápido e muitas empresas irão sofrer dificuldades e demitir muitas pessoas. Penso que no segundo semestre de 2021 a economia vai começar a se recuperar, mas o primeiro semestre estará impregnado com consequências do isolamento social e da pandemia.

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