Por que Brasil abre vagas com carteira assinada, mas desemprego só aumenta?
Ricardo Marchesan
Do UOL, em São Paulo
29/12/2020 13h08
O desemprego aumentou no trimestre de agosto a outubro, de acordo com o IBGE, atingindo 14,1 milhões de pessoas no país. Mas dados do Ministério da Economia divulgados na semana passada mostram que novembro foi o quinto mês seguido de abertura de vagas com carteira assinada, levando o país a registrar saldo positivo no acumulado do ano desde o início da pandemia.
Esses dados podem parecer contraditórios, mas economistas explicam que na verdade não são. Apesar do saldo positivo de vagas com carteira, o número de empregos criados é insuficiente para absorver a quantidade de pessoas à procura de trabalho. Além disso, muitas pessoas que não estavam buscando trabalho passaram a ir atrás de um, o que infla as estatísticas de desemprego.
Quais pesquisas registram alta de vagas com carteira?
O economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que o Brasil de fato tem visto aumento do emprego com carteira, algo registrado tanto pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério da Economia, quanto pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE, ainda que sejam pesquisas com metodologias diferentes.
Quem é considerado desempregado?
Para uma pessoa ser considerada desempregada pelo IBGE e entrar na estatística, não basta ela estar sem emprego, ela também precisa ter procurado alguma vaga no período anterior à pesquisa. Se ela ficou parada mas, por algum motivo, não buscou trabalho, não é considerada desocupada.
Importante: as estatísticas do IBGE consideram tanto empregados com carteira assinada quanto empregados sem carteira, na informalidade.
Por que a taxa de desemprego aumentou?
O número de vagas abertas, somando as com carteira assinada e as sem, não é suficiente para absorver a quantidade de pessoas que estão sem trabalho e buscando se recolocar no mercado.
A taxa de desemprego cresce não apenas por causa das pessoas que perderam o emprego no período da pandemia, mas também porque outras tantas, que estavam na inatividade, passaram a buscar emprego, explica a economista Solange Gonçalves, professora do Departamento de Economia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O desemprego vai inflando por causa desses dois movimentos: a perda de emprego das pessoas, mas também a saída das pessoas da inatividade.
Solange Gonçalves, professora da Unifesp
Por que havia pessoas sem procurar emprego?
Segundo Solange, o número de pessoas fora do mercado de trabalho, na inatividade, já tinha aumentado em anos recentes, por causa da crise econômica.
Mas o movimento foi intensificado na pandemia, já que muitas desistiram de procurar emprego, desanimadas com a baixa chance de sucesso, ou por causa das orientações de distanciamento social.
O que é o 'desemprego oculto'?
Duque afirma que esse movimento dos primeiros meses da pandemia levou a um "desemprego oculto", ou seja, um desemprego que não era visto nas estatísticas.
(Agora) a gente está vendo o efeito contrário, o desemprego oculto está se revelando, porque as pessoas que tinham deixado de procurar emprego estão voltando a fazê-lo.
Daniel Duque, pesquisador da FGV
Quem mais pode ter 'inflado' números de desemprego?
Solange Gonçalves afirma que, entre as pessoas que estão voltando a procurar emprego, há as desalentadas, que tinham desistido por perder a esperança de encontrar algo, e também outras que estavam inativas por opção, mas que foram forçadas a encontrar trabalho por causa da pandemia, porque um membro da família perdeu seu emprego ou morreu.
A morte de um membro da família faz com que outros, que estavam inativos por decisão, passem a buscar emprego.
Solange Gonçalves
Ela cita o exemplo de um jovem que, até a pandemia, estava apenas estudando, mas foi forçado a encontrar um trabalho quando alguém da família morreu ou perdeu emprego.
Governo tem comemorado. Há motivo?
O governo Jair Bolsonaro (sem partido) tem comemorado os dados de criação de emprego com carteira registrados pelo Caged. Afirma que a alta é consequência das medidas de combate ao coronavírus e sinal de que a economia está retomando. Caso o país termine o ano com saldo positivo, a ideia é realizar uma campanha publicitária exaltando os números.
Duque afirma que os dados indicam que, de fato, está havendo alguma melhora no mercado de trabalho. Mas ele considera que o Caged, do Ministério da Economia, esta descolado dos demais indicadores.
"Que está havendo alguma recuperação, alguma melhora na situação mercado de trabalho, não tem como negar. No entanto, os dados do Caged estão um pouco descolados dos demais [dados] da atividade econômica", afirma. "O número de admissões, por exemplo, está 19% maior do que em novembro do ano passado. É um pouco estranho, porque isso significaria que a gente está em um nível de atividade bastante acima do nível de 2019, o que não é verdade."
Diferença pode ser resultado de mudanças no Caged?
Duque acha que esse descolamento pode ser consequência de mudanças feitas pelo governo no Caged, que passaram a valer no início do ano. Para parte das empresas, o sistema eSocial passou a substituir a obrigação de prestar informações via Caged.
"Resta a hipótese de que realmente houve uma quebra estrutural entre o novo Caged e o anterior. Pode ser que essa nova série tenha números sempre bem melhores do que os da antiga", diz Duque.
Economia está em recuperação?
Solange Gonçalves considera que ainda é cedo para dizer que a economia está em recuperação, com base nos dados de emprego. Ela diz que ainda são poucos os setores que estão mostrando sinais de recuperação e que não se pode descartar a ameaça de uma nova paralisação de atividades com o crescimento de casos de covid-19 no país.
Além disso, o aumento de emprego tem sido, principalmente, das vagas sem carteira assinada, segundo ela. "O que a gente observa é uma criação de emprego informal mais forte, que muitas vezes é uma falta de opção e não exatamente um emprego que a gente possa comemorar", diz.