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Intérpretes de Papai Noel têm trabalho exaustivo, porém gratificante

O Papai Noel Ricardo Nascimento Junior, do Shopping Light, abraça criança - Leandro Moraes/UOL
O Papai Noel Ricardo Nascimento Junior, do Shopping Light, abraça criança Imagem: Leandro Moraes/UOL

Lucas Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

24/12/2012 06h00

Oito horas em shoppings lotados, filas quilométricas de crianças ansiosas por tirar uma foto, além de festas residenciais à meia-noite do dia 25 de dezembro. A rotina dos profissionais que encarnam o Papai Noel é mais cansativa do que muita gente pensa, mas extremamente compensatória, segundo Noéis de São Paulo e do Rio de Janeiro ouvidos pelo UOL.

Claudemir Carlos da Silva, de 59 anos, por exemplo, está alternando horários com outro Papai Noel no BarraShopping, no Rio, desde o dia 14 de novembro.  “Não é mais cansativo porque cada momento é uma situação diferente. Pessoas mais velhas sempre lembram do passado e da família quando me veem”, conta.

O interesse pela profissão começou quando o aposentado viu um comercial de uma escola de Papais Noéis no Rio de Janeiro. Desde esses oito anos no ramo, Silva ainda se surpreende com a receptividade de pessoas também de outras culturas.

"Vejo turistas do mundo inteiro. Muçulmanos, judeus", diz. "Tem ainda uma senhora alemã que há quatro anos me visita com a filha, mesmo de cadeira de rodas".

Para o bom velhinho do Rio, a noite do dia 24 será longa: ele visitará residências até uma hora da manhã. “Eu passo a noite de Natal visitando casas e no dia 25 também trabalho. Chego em casa por volta das 4 horas da tarde. Só aí que vou descansar”.

Papai Noel e artesão

“Santa Claus ou Ricardo Nascimento Junior?”. É dessa forma que o aposentado de 65 anos e Papai Noel do Shopping Light, no centro de São Paulo, responde qual é o seu nome.

O também artesão, que já dava vida a um dos principais personagens natalinos quando sua filha, de 40 anos, era pequena, começou na profissão depois de ver um anúncio de uma loja de móveis e eletrodomésticos.

“Comecei profissionalmente quando eu descobri que a minha barba dava dinheiro”, brinca. “Na verdade, estava com a barba grande e eles estavam precisando de um Papai Noel para um evento, e fui aprovado”.

Agora, com 65 anos, Nascimento é um Papai Noel aos moldes do Brasil. Usa nos dias de calor uma camiseta azul listrada e um lacinho vermelho ao pescoço, sem contar um mini-ventilador perto dos pés. "Eu sou brasileiro! No começo, o Papai Noel era azul, não vermelho. Por que não posso lançar um mais light?".

A barba, bem aparada e branquinha, foi conquistada com cremes, muito xampu e produtos para "desamarelar". "Estou curtindo a barba há oito meses, e já aparei duas vezes", conta. "Natural dá mais dinheiro, e a minha é branca mesmo, não é tingida".

Quando se encontra com as crianças, Nascimento revela que tenta segurar as lágrimas em momentos de emoção. "Uma criança pequena com deficiência visual botou a mão no meu rosto para me enxergar, e me emocionei", conta. "Mas isso não pode acontecer com o Papai Noel, ele não pode se emocionar. Mas hoje não teve jeito".

O bom velhinho do Shopping Light não considera o que faz uma profissão e afirma que não simula ser o Papai Noel. “Apesar de ser ator e modelo, eu não interpreto. Eu ajo como um avô. Acho que é mais natural”.

Apesar do salário, Nascimento acredita que, se não houver amor por aquilo que faz, é difícil aguentar a rotina exaustiva. "O meu cachê é alto. Mas por dinheiro e por obrigação você não faz, porque é maçante”, analisa. “Eu faço para presentear meus netos melhor no fim do ano. Não dependo disso financeiramente”.

O artesão não consegue definir a emoção de ser Papai Noel. “Não dá para explicar. Vem pessoas que te elevam. Uma vez, uma mulher me comprou dois sabonetes e disse: ‘Papai Noel, o senhor tem que ganhar presente’. Isso é um prazer, uma coisa que vem de dentro de você”.

O mais antigo do país

O ator Silvio Ribeiro é considerado o Papai Noel com mais tempo de atuação no Brasil. Ele começou sua carreira cantando na rádio Dirceu de Marília, no Estado de São Paulo, e logo se tornou apresentador de um programa infantil. Em seguida, apostou no teatro amador e mudou-se para a capital paulista.

Na loja de uma família italiana na Avenida São João, Ribeiro começou a dar vida ao Papai Noel com apenas 18 anos, após receber a tutela de um profissional que interpretava o bom velhinho. "Os vendedores me chamavam de neto do Papai Noel", brinca.

Há 36 anos, Ribeiro ensina outros profissionais a se tornarem Papai Noel com a sua empresa Claus, a pioneira em fazer cursos na área. O ator calcula que já tenha formado mais de 1.200 profissionais. "É um trabalho vigoroso ensiná-los, porque são senhores aposentados, não são atores", conta.

Ribeiro participa ainda de uma espécie de congregação dos Papais Noéis do mundo inteiro, a International Order of Santas. "Eles contam casos que acontecem em seus países e eu falo sobre o que acontece no Brasil e na América Latina".

Os bons velhinhos ainda contam com polêmicas na profissão. Uma delas se trata de colocar ou não as crianças no colo - tudo, teoricamente, para evitar rumores de pedofilia. "Um shopping da zona sul de São Paulo começou com essa história de proibir a criança de sentar no colo", conta Ribeiro.

"Eu acho uma aberração, quem inventou essa ideia não entende nada de criança. O colo traz aproximação, afeto, amparo. Esse é um marketing negativo para o próprio shopping", analisa.

Ribeiro acredita que não só o bom velhinho, como também todas as pessoas deveriam ajudar algum tipo de instituição beneficente. Ele, há 26 anos, comemora o dia 25 de dezembro em um asilo. “Nesses lugares, eu peço que Jesus me oriente e coloque na minha boca palavras certas para as pessoas certas”, revela. “Quando isso acontece, eu vejo que minha missão está cumprida”.

Hoje, houve uma ruptura da cultura religiosa de comemoração do aniversário de Cristo e o Papai Noel passou a ser a estrela máxima do Natal, simbolizando a troca de presentes. O ator que há mais tempo interpreta esse personagem lamenta essa mudança de significado.

“Jesus é um grande mestre e irmão da humanidade. O que deve ser lembrado é sua mensagem de amor e esperança”.