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Análise: Sair da UE é questão de nacionalismo inglês

Marc Champion

04/05/2016 18h39

(Bloomberg) -- O nacionalismo é irracional, bizarro e ameaçador. A menos que seja o seu: neste caso, é natural e pertinente. Aprendi essa lição quando era correspondente estrangeiro e é algo que ensina muito a respeito do debate acalorado sobre se o Reino Unido deve sair da União Europeia.

A cada semana que passa da campanha, os indícios de que a decisão de deixar a UE poderia trazer grandes custos econômicos e políticos para o Reino Unido se tornam mais convincentes. Em contraste, os supostos benefícios da campanha pela saída parecem irreais ou rasos. Mesmo assim, as pesquisas de opinião indicam que a votação do dia 23 de junho provavelmente será apertada.

Isso se deve principalmente aos ingleses. De acordo com uma pesquisa detalhada com 16.000 pessoas do Reino Unido, publicada no mês passado, na Escócia, o grupo dos que preferem a permanência tinha uma vantagem de 26 pontos percentuais. Na Irlanda do Norte, a vantagem era de 30 pontos e, em Gales, onde mais de um quinto da população nasceu na Inglaterra, de 10 pontos. Na Inglaterra, onde 83 por cento da população do Reino Unido reside, a vontade de sair estava um pouco à frente.

A oposição à UE também é definida por orientação política, idade e classe social. Entre os participantes da pesquisa, os conservadores (que tendem mais ao nacionalismo inglês) favoreceram solidamente a saída; a maioria esmagadora dos eleitores do Partido Trabalhista queria ficar. Os jovens (de 18 a 29 anos) preferiram a permanência na UE por uma margem de 46 pontos percentuais; as pessoas com mais de 60 anos optaram por sair por uma margem de 26 pontos.

É claro que muitos fatores explicam o desejo de sair da UE, como a percepção de que o bloco está associado à imigração indesejada e à globalização dos mercados de trabalho, que provocou reduções salariais e aumentou a desigualdade de renda. A UE em si tem diversas imperfeições. Mas esses aspectos não explicam a diferença entre a reação dos ingleses e a reação das outras nacionalidades do Reino Unido, nem a diferença entre os jovens (que têm mais a perder com a falta de empregos e investimentos depois da chamada Brexit) e os aposentados.

Pankaj Mishra, colunista da Bloomberg View, identificou recentemente o impulso emocional a rejeitar meros cálculos de bem-estar econômico e geopolítico como um arrebatamento remanescente do imperialismo britânico. De fato, isso poderia explicar a enorme diferença de opinião entre jovens e idosos, para quem as lembranças do império seriam mais reais. Até no meu colégio em Surrey, na década de 1970, havia um mapa na sala de aula em que o antigo império aparecia pintado de rosa (tenho 53 anos, nasci nos EUA e cresci no Reino Unido).

Parece mais provável, no entanto, que o excepcionalismo europeu da Grã-Bretanha resulte menos da nostalgia imperial do que do nacionalismo do povo inglês. Afinal, o que define a UE é um acordo entre 28 países para compartilhar elementos de sua soberania. Isso é uma ofensa para os nacionalistas quase que por definição - inclusive para aqueles que, aceitam o acordo com a UE como a melhor forma de maximizar a prosperidade nacional e minimizar o potencial de conflito. (De que outro modo seria possível explicar o desejo dos sérvios, nacionalistas fervorosos, de entrar na UE?).

Isso também ajuda a explicar porque os ingleses que defendem a saída estão dispostos a sacrificar o que talvez seja o último vestígio do Império Britânico - a Escócia - no altar da Brexit. O Partido Nacionalista Escocês disse que "é quase certo" que pedirá um segundo referendo sobre a independência, depois de ter perdido um em 2014, caso o Reino Unido decida abandonar a UE. Os defensores da Brexit parecem não se importar.

A Inglaterra não é um caso isolado de nacionalismo. A Frente Nacional da França, que recentemente superou os partidos do establishment em eleições regionais, também defende a saída da UE. Os partidos contrários à UE, que também são nacionalistas, ganharam força em toda a Europa, inclusive na Alemanha.

Talvez o que diferencie o Reino Unido seja sua experiência no século 20, quando a Grã-Bretanha participou de duas guerras mundiais, mas - assim como os EUA e ao contrário do restante da Europa - nunca foi invadida nem correu o risco de ser ocupada pela União Soviética. Essa experiência diferenciou a Grã-Bretanha desde os primórdios do projeto da UE. Ela tornou o argumento emocional de sacrificar a soberania muito menos atraente do que para a maioria dos países vizinhos e, no debate do Reino Unido sobre a Brexit, abandonou o campo do coração para os nacionalistas ingleses.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial, da Bloomberg LP ou de seus proprietários.

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