Não são só os impostos: como a reforma tributária pode impulsionar a economia
Aprovada pela Câmara dos Deputados, a reforma tributária promete dar cabo à legislação de impostos que vigora há quase 60 anos no Brasil, tendo como componentes principais a unificação de tributos e a redução da desigualdade na taxação do consumo. Tudo isso com a promessa de manter a carga tributária atual e o mesmo volume de arrecadação tanto da União, quanto de Estados e municípios.
A proposta de reforma ainda precisa passar pelo Senado, o que deverá ocorrer até o fim de 2023. No entanto, de acordo com especialistas em economia e direito tributário consultados pela DW Brasil, a aprovação pela Câmara em dois turnos já pode ser considerada um marco na economia brasileira.
"É a principal reforma do século, a melhor e mais importante depois da ditadura", salienta o professor de direito tributário Eurico Santi, coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP, lembrando a última grande mudança no sistema tributário brasileiro, que ocorreu em 1965 e criou o ICMS.
Santi é um dos diretores do think tank do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), que ajudou na elaboração do texto da reforma tributária que propõe a substituição dos cinco tributos em vigor atualmente - PIS, Cofins e IPI, de arrecadação federal; o ICMS, estadual; e ISS, municipal - no Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Bernard Appy, um dos ex-diretores do CCiF e considerado um dos 'pais' da PEC 45/2019, é atualmente o secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda do governo Lula. Antes dele, outra egressa do think tank, a advogada Vanessa Rahal Canato havia sido escolhida assessora especial para a reforma tributária do Ministério da Economia ainda sob a gestão de Paulo Guedes, durante o governo Bolsonaro, que também chegou a discutir com o Congresso a aprovação do texto.
O professor de direito tributário observa que a presença desses representantes em governos ideologicamente opostos é uma prova de que a proposta não é partidária. Ele também lembra que a primeira versão da PEC foi apresentada pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), durante a gestão na Câmara Federal do então presidente Rodrigo Maia, um dos adversários políticos do atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que também encampou a proposta. "É uma ressignificação desse descrédito do sistema político. É uma reforma tributária do Parlamento", diz.
Melhora na economia, ganho de produtividade e emprego
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 6 de julho, analisou, em números, os impactos que a versão da reforma tributária aprovada na Câmara terá na economia brasileira.
De acordo com o levantamento, que analisou o período de transição do substitutivo da PEC 45/2019, as mudanças com a criação de um IVA dual - com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) unificando ICMS e ISS, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que unifica impostos federais - irá gerar, até 2032, um incremento no PIB brasileiro de 2,39% e um aumento na produtividade de 1,63%.
Segundo o autor do estudo, o economista e pesquisador do Ipea João Maria de Oliveira, os ganhos na produtividade nacional, apesar de parecerem pequenos, serão expressivos.
Oliveira explica que, nos últimos 40 anos, a produtividade brasileira foi de menos de 1%. Na conta do estudo do Ipea sobre a produtividade foi observada apenas a taxa efetiva, que é o custo embutido que se irradia durante toda a cadeia produtiva, com a sobreposição dos tributos. "Imagine que eu tenha um setor que hoje paga mais, mas o produto dele é usado por muitos outros setores. Se isso acontece, o custo que ele está pagando está irradiando para outros setores, causando maior impacto para a economia", explica o economista, que acrescenta que a política de desonerações criou distorções no sistema, sendo uma das causas da desindustrialização atual no país.
"Cada vez que eu crio uma exceção para um setor de uma cadeia curta, o impacto dessa exceção é menor. Se eu dou uma exceção para alguém que tem uma cadeia longa, o impacto longo é maior. No Brasil, quem tem pagado mais taxas efetivas é a indústria, quem paga menos são os serviços. Quando a indústria, por ter o custo maior, vai diminuindo o peso, diminui o emprego, o trabalhador sai desse setor e vai para os serviços, com renda menor. Se eu der oportunidade de a indústria voltar a crescer, vai voltar a absorver algumas pessoas que ganham menos, porque os serviços historicamente pagam menos que a indústria", explica Oliveira, que projetou, no estudo, uma alta no emprego do país de 1,03% até 2032 em decorrência da reforma.
O pesquisador do Ipea afirma que as contas feitas no estudo partiram de uma base conservadora, que poderia ser maior, caso fossem levados em conta as perdas produtivas pela alocação de recursos das empresas no Brasil para a resolução de contabilidade diante da atual complexidade tributária.
Alíquota única
Uma das maiores mudanças da reforma tributária é a adoção de uma alíquota única no CBS e no IBS, que ainda não está definida. Essa alíquota terá uma redução de 60% em serviços e produtos de educação, saúde, agrícolas, atividades desportivas e de cultura; e isenções na cesta básica e em transporte público, por exemplo. Ficam mantidos regimes de exceção, com menos tributos, para produtores rurais pessoa física com limite de receita de até R$ 2 milhões, Microempreendedores Individuais (MEI) e empresas que adotem o Simples Nacional, além da manutenção da Zona Franca de Manaus.
A alíquota proposta no texto original da PEC era de 25%, mas o texto não previa isenções e reduções. Com a nova redação do substitutivo aprovado na Câmara, a previsão, indicada no estudo do Ipea, é de um IVA dual com alíquota de 28,8%. A taxa, à primeira vista, é considerada alta em relação a outros países que adotam um sistema similar, ficando acima da Hungria, maior da União Europeia (UE), que chega a 27%.
Atualmente, no entanto, não é possível saber qual a tributação real dos produtos e serviços consumidos pelos brasileiros, já que o emaranhado de leis e a sobreposição de impostos esconde o curso em cascata de cada um. Segundo Santi, da FGV, isso deixa a cobrança do IVA dual em aberto, que será testada no período de transição, com uma alíquota de 1%, que depois será calibrada para manter a mesma arrecadação do sistema anterior.
De acordo com ele, em números de três anos atrás, ISS, ICMS, Pis e Cofins arrecadavam, em números, cerca de R$ 750 bilhões. "Com essa cobrança de 1% do IBS, que vai vigorar por 2 anos, será possível saber a quantia exata de arrecadação, para que se faça a transição paulatina de oito anos para o novo sistema tributário. Há estudos que apontam para 25% ou 26% da cobrança, mas tem outros que apontam para 19% ou até 15%", afirma ele, que aposta numa alíquota "surpreendente" para os contribuintes brasileiros.
De acordo com Edson Paulo Domingues, professor do Departamento de Ciências Econômicas e do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, haverá uma diminuição de preços que será sentida principalmente pelas famílias mais pobres em produtos como calçados, têxtis, alimentos ou mesmo eletrodomésticos de linha branca. "Mas vai ter ganho para todo mundo, não é só para a indústria. O agro, por exemplo, vai ver isso acontecer com os fertilizantes, que são produzidos industrialmente", explica.
Para Domingues, a ideia de que alguns setores vão perder não é correta, já que esses são setores que "vão ganhar menos", que gozam de uma situação econômica favorável, com exceções e desonerações tributárias que causam distorções. "Podemos dizer que a reforma tributária vai diminuir pressões inflacionárias, vai gerar crescimento de emprego e renda. Os investimentos olham para frente e, os que quiserem vir para o Brasil, já vão olhar para isso, detectando uma oportunidade", prevê o pesquisador da UFMG.