Irmãos Batista assinam compra da Amazonas Energia no último minuto, mas ainda esperam desfecho
Brasília
11/10/2024 20h27
A Âmbar Energia, do Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, assinou na quinta-feira, 10, o termo de transferência de controle da Amazonas Energia, distribuidora de energia elétrica do Estado administrada atualmente pela Oliveira Energia, informou nesta sexta-feira, 11, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A empresa comunicou, porém, que só vai assumir efetivamente a companhia amazonense se a decisão judicial que obrigou a venda para o grupo for "estabilizada" até 31 de dezembro.
A operação foi viabilizada pela medida provisória do governo Lula (PT) que beneficiou um negócio da dupla, flexibilizou regras para possibilitar o acordo e expirou na quinta-feira, 10. Há um impasse quanto à confirmação da transferência, já que a empresa pleiteava a aprovação do acordo por toda a diretoria colegiada da agência reguladora, e não apenas pelo diretor-geral, Sandoval Feitosa, que o fez sob judice. A MP perdeu a validade na quinta, 10. Na última hora, a empresa dos irmãos Batista assinou o contrato, mas não assumiu a distribuidora, o que ainda vai depender da Justiça.
Segundo a Aneel, o processo de assinatura do contrato foi iniciado pouco antes da meia-noite, às 23h58 de quinta. A efetiva assinatura do diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, foi inserida no sistema às 23h59. A assinatura do presidente da Âmbar, Marcelo Zanatta, e do atual controlador da Amazonas Energia, Orsine de Oliveira, entraram depois da meia-noite - Orsine assinou à 0h03. O processo foi concluído à 1h15 da madrugada. A agência não informou se o fato de a inclusão das assinaturas no sistema ter ocorrido após a meia-noite pode afetar o negócio.
A Justiça Federal do Amazonas havia obrigado a Aneel a realizar a transferência da Amazonas Energia para os irmãos Batista. A decisão levou Feitosa a autorizar o negócio individualmente, sem aval dos outros diretores. A Âmbar queria o respaldo técnico e administrativo do órgão regulador, e não ficar "pendurada" apenas na decisão judicial, que pode se revertida e criar um impasse jurídico na operação.
Feitosa chegou a dizer que sua decisão monocrática poderia perder a validade se a decisão judicial que obrigou a operação fosse derrubada, anulando os efeitos da assinatura do contrato com a Âmbar. O Estadão/Broadcast apurou, no entanto, que a solução desejada pela empresa dos irmãos Batista ficou mais improvável após o diretor Ricardo Tili pedir férias e o diretor Fernando Mosna declarar a própria suspeição para avaliar o tema, de acordo com interlocutores. Atualmente, apenas quatro das cinco cadeiras da diretoria da Aneel estão preenchidas.
A operação custará R$ 14 bilhões para os consumidores da conta de luz de todo o País. "A Âmbar confia que o plano de transferência de controle apresentado garante as condições para assegurar a prestação de um serviço de qualidade a todos os consumidores amazonenses de energia", afirmou a empresa em nota, confirmando ter assinado a compra da Amazonas Energia.
Anteriormente, a empresa havia comunicado que só assumiria a distribuidora caso houvesse aprovação administrativa da Aneel. Agora, afirmou que há segurança com as condições do contrato assinado. A companhia vai esperar um desfecho judicial, pois na Aneel não há mais prazo para aprovação do processo administrativo com os benefícios da MP.
"O contrato assinado dá a segurança jurídica necessária ao negócio, uma vez que a Âmbar só assumirá a distribuidora caso a decisão judicial que determinou a assinatura do termo seja estabilizada até 31 de dezembro", disse a companhia do Grupo J&F. "A Âmbar espera que esse desfecho ocorra o quanto antes, permitindo a conclusão da operação e o foco absoluto na prestação de serviços de excelência para a população do Amazonas."
O contrato que os irmãos Batista assinaram estabelece o envio de documentos com a "regularidade financeira, jurídica, fiscal e setorial" da operação até 31 de dezembro de 2024 ou até outra data prorrogada pela Aneel, se o prazo for adiado. Neste ano, o governo Lula não pode reeditar a medida provisória porque ela perdeu a validade, mas pode assinar uma nova MP com o mesmo teor em 2025.
A área técnica e diretores da Aneel se opuseram ao plano da empresa, exigindo aportes maiores do grupo para limitar o custo ao consumidor a R$ 8 bilhões. Ao longo do processo, os consultores da Aneel apontaram que a empresa do grupo J&F não demonstrou capacidade técnica no segmento de distribuição, que é o negócio da Amazonas Energia. Além disso, a área técnica concluiu que a proposta da companhia não era suficiente para resolver os problemas da distribuidora amazonense e colocar as contas em dia, além de representar um custo alto para o consumidor.
A empresa não concordou com as condições aprovadas pela área técnica e pelos diretores da Aneel. "A excelência na prestação de serviços para o consumidor de energia é uma premissa fundamental da Âmbar Energia para assumir a Amazonas Energia", disse a companhia dos irmãos Batista na quarta-feira, 9. "Essas condições só podem ser atingidas caso a Aneel garanta as seguranças jurídica e econômica necessárias, por meio da aprovação do plano de transferência de controle apresentado pela Âmbar."
Como o governo beneficiou os irmãos Batista
O governo Lula beneficiou os irmãos Batista com uma medida provisória 72 horas após a Âmbar comprar usinas termoelétricas que pertenciam à Eletrobras e que vendem energia para a Amazonas. A distribuidora não paga pelo que compra e acumula dívidas. A MP do governo bancou o prejuízo com a conta de luz. Além disso, repassou o custo da distribuição para todos os consumidores de energia durante 15 anos. Com a benesse, a Âmbar não só comprou as usinas como também fez uma proposta para assumir a Amazonas.
A Amazonas Energia enfrenta uma série de problemas no Estado, como furto de energia (o chamado "gato"), custos operacionais que não se pagam e dinheiro irrecuperável de consumidores inadimplentes. Esses "buracos" seriam bancados por todos os consumidores, que deveriam pagar mais na conta de luz para subsidiar a operação. Isso ainda pode acontecer com uma intervenção do governo federal, mas as condições ainda devem ser estabelecidas pela Aneel.
Além dos custos futuros, há uma dívida que supera R$ 11 bilhões do passado. A Aneel exigia que a empresa pagasse as dívidas e se comprometesse com metas maiores para resolver os problemas mais rapidamente e diminuir o custo ao longo do tempo, o que não ocorreu. A Âmbar se comprometeu a pagar um valor suficiente para diminuir a dívida em níveis aceitáveis, o que demandaria um aporte de R$ 8,5 bilhões ainda em 2024. O plano assinado prevê pagamento de R$ 6,5 bilhões até o fim do ano.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pressionou a Aneel para realizar a transferência, conforme o Estadão revelou. O chefe da pasta acusou a agência de estar boicotando o governo Lula - os quatro diretores da Aneel foram indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Silveira foi um defensor público da venda da Amazonas Energia, alegando que, se o controle da empresa não fosse repassado, o governo teria que intervir na operação com dinheiro do orçamento público, bancado pelo contribuinte. Conforme a reportagem também revelou, executivos da Âmbar foram recebidos 17 vezes no ministério antes da edição da medida.