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Entregador da Rappi deve ter carteira assinada, dizem fiscais do trabalho

Sentados numa mureta na Av. Paulista, em São Paulo, um grupo de entregadores esperava corridas da Rappi Imagem: João César Diaz/Repórter Brasil

João Cesar Diaz

Da Repórter Brasil

05/02/2021 10h55Atualizada em 07/02/2021 10h37

Uma fiscalização de auditores fiscais do trabalho, que durou oito meses, concluiu que entregadores do aplicativo Rappi não têm autonomia, atuam como funcionários e a empresa deve assinar suas carteiras, garantindo seus direitos trabalhistas. A empresa colombiana de entregas opera no Brasil desde 2017.

Os auditores fiscais do trabalho Rafael Brisque Neiva e Rafael Augusto Vido da Silva, que investigaram a situação, dizem que há uma relação de trabalho subordinado.

Inquérito apura situação dos trabalhadores

O auto de infração de 220 páginas, ao qual a Repórter Brasil teve acesso, foi encaminhado para o Ministério Público do Trabalho e será adicionado a um inquérito que já está em andamento, segundo Ruy Fernando Gomes Leme Cavalheiro, procurador do Trabalho na cidade de São Paulo, que apura as relações de trabalho entre empresa e entregadores.

Esse auto será mais um elemento para o inquérito. Não há definição de prazo nem do que pode acontecer na prática. Teoricamente é possível ser aberto um processo contra a empresa ou pode ser feito um acordo extrajudicial.

A fiscalização não prevê multa à Rappi porque, segundo os auditores, a empresa não forneceu a informação sobre o número de entregadores —mesmo depois de ter sido notificada. Uma multa ainda pode ser aplicada futuramente se os dados forem obtidos, dizem os auditores.

Lei determina multa de R$ 3.000 por trabalhador

A legislação atual prevê multa de R$ 3.000 por trabalhador não registrado, mas a Rappi tenta se blindar disso ao não passar a relação de entregadores para a auditoria, explica o fiscal do trabalho.

Os auditores destacam que os entregadores não são autônomos, já que os motociclistas e ciclistas que concluem os pedidos da plataforma dependem do aplicativo para trabalhar e recebem um "salário" com valor determinado pela empresa.

Além disso, dependem do aplicativo para conseguir os serviços e não possuem autonomia para definir o valor do trabalho. "É uma fraude antiga com roupas novas", afirmou Rafael Vido, que faz parte do grupo de combate à informalidade e fraude nas relações de trabalho.

Rappi não comenta a situação

Procurada, a Rappi não quis comentar e não respondeu aos questionamentos da Repórter Brasil.

Apesar de não ter respondido os questionamentos da Repórter Brasil, a empresa afirmou aos auditores que é uma simples "intermediadora" entre entregador e consumidor e que se isenta de qualquer relação com quem trabalha fazendo as entregas.

"Entregador algum jamais prestou serviços para a Rappi", foi a resposta da empresa aos auditores, segundo consta no relatório da fiscalização.

Associação de empresas pede debate

Após a publicação da reportagem, a Associação Brasileira Online to Offline - que também representa a Rappi - afirmou, em nota, que "as pessoas que buscam seus ganhos por meio das plataformas não podem depender de uma fórmula engessada, que traga de volta uma regulação, a partir de mais impostos e regras, que prejudique o trabalho, a liberdade de escolha e a oportunidade de auferir renda".

A associação do setor, que representa 120 plataformas digitais, destaca ainda que o tema deve ser alvo de um debate profundo, que envolva comerciantes e entregadores, e que "não será com decisões céleres que teremos a segurança jurídica necessária para operar e continuar gerando oportunidades para o maior número de pessoas." Leia aqui a nota na íntegra.

Entregadores podem ser punidos se recusarem serviço

A "autonomia" dos entregadores se resumiria, em tese, a aceitar ou não uma entrega, mas, ainda assim, não é tão simples. "Podemos recusar corridas, mas, na verdade, não podemos. Aí arriscamos sofrer os castigos do aplicativo", afirmou um entregador entrevistado pela Repórter Brasil.

Migrante do Haiti, o trabalhador —que preferiu não se identificar por medo de perder sua única fonte de renda—, esperava a notificação do aplicativo para subir em sua bicicleta e completar mais uma corrida.

No regime de trabalho informal da Rappi, os entregadores não têm acesso a direitos trabalhistas, como Previdência Social, depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (dever do empregador) ou mesmo horas extras e controle de jornada de trabalho. Isso não é exclusividade da Rappi. A falta de garantias e seguridade social é replicada em outras plataformas de entrega.

Empresa não passa informações

A fiscalização começou em abril de 2020 e durou oito meses. Desde então, a Rappi ainda não divulgou o número de entregadores, quantidade de entregas, remunerações ou jornadas de trabalho, mesmo depois de ter sido formalmente notificada pelos auditores.

"A sonegação dessas informações é uma estratégia deliberada para dificultar nosso trabalho. Sabemos que eles [Rappi] têm até salas com todos esses números constantemente exibidos nas telas de controle", afirmou Neiva

A empresa alega em sua página e no "contrato" para se inscrever no aplicativo —assinado com um clique na tela do celular— que seus entregadores são trabalhadores autônomos.

A Rappi é registrada no Brasil no Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) como uma empresa de "agenciamento e intermediação de serviços e negócios em geral". "Até aí tentam se distanciar dos trabalhadores e disfarçar seu papel de empregador", afirmou Neiva.

Salário tem desconto de tarifas

Os auditores apontam ainda outra ilegalidade cometida pela empresa colombiana que atua em nove países: a venda casada.

Para receber pelos serviços, o entregador é obrigado a criar uma conta em outro aplicativo, o SmartMEI. Não é permitido pelo app receber a cada frete. Esse dinheiro não pode ser sacado e só pode ser transferido para uma conta bancária uma vez ao mês de forma gratuita.

"A Rappi transfere todos os riscos para o entregador e ainda impõe um desconto no salário dos trabalhadores com essa terceirização da remuneração", disse Neiva.

Há somente duas opções de remuneração para o entregador autônomo da Rappi. Receber apenas uma vez ao mês, na primeira quarta-feira do mês seguinte a uma entrega, ou receber semanalmente pagando uma taxa de 1,99% do total mais R$ 7 pela transferência eletrônica disponível.

"A gente não sabe o dia de amanhã", disse um entregador sobre o porquê de optar pelo pagamento semanal [taxado] para a Repórter Brasil. "No mês passado, tive um acidente. Minha moto foi para oficina e eu fui para ambulância. A gente tem de ter algum dinheiro no bolso", afirmou o entregador, que não quis se identificar.

A SmartMEI e seus advogados foram procurados, mas não houve resposta.

Trabalhadores são suspensos sem saber motivo

Rafael Neiva e seu colega Rafael Augusto Vido entrevistaram mais de cem entregadores com o propósito de entender a relação trabalhista que está em jogo. Preocupados com represálias do aplicativo, apenas 21 deles concordaram em se identificar.

Alguns entregadores levaram o "gancho" da Rappi e usavam contas registradas nos nomes de familiares para continuar trabalhando Imagem: João César Diaz/Repórter Brasil

Os entregadores explicaram que frequentemente recebem o que chamam de "gancho" (supensão): punições variadas feitas pela Rappi. Na maioria das vezes, nem sabem o motivo quando não conseguem acessar o app por horas ou dias —sem nenhum aviso prévio de quanto tempo o "gancho" irá impedi-los de trabalhar.

"Não paramos: viramos o dia. No mínimo dez horas diárias para ganhar alguma coisa", disse um entregador à reportagem.

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