1ª microgeradora de energia solar da periferia de SP abastece quatro casas
A cientista ambiental Graziela Gonzaga criou a primeira microgeradora de energia solar da periferia no estado de São Paulo, no Jardim Nakamura, zona sul da capital, com capacidade para abastecer quatro casas com 20 moradores. A iniciativa teve o apoio do educador Fábio Miranda, coordenador do Instituto Favela da Paz, e de empresas.
As casas atendidas são de moradores da comunidade, que transformaram os imóveis em sede do instituto. A organização social atua há mais de 30 anos com práticas educativas, entre elas, o desenvolvimento de sistemas de energias renováveis e cursos sobre uso de recursos naturais disponíveis nas periferias e favelas.
Projetada para produzir 900 kWh por mês, em média, a microgeradora começou a ser instalada em julho, e a expectativa é que a conta de luz referente a outubro já não tenha nenhum custo para os moradores.
Com a pior crise hídrica em mais de 90 anos, a conta de luz acumula alta de quase 30% em 12 meses no Brasil. Desde setembro, está em vigor a bandeira tarifária de escassez hídrica, que cobra uma taxa adicional de R$ 14,20 a cada 100 kWh consumidos. A taxa, 50% mais cara que a anterior, vai até abril de 2022.
Esses aumentos vêm dificultando a vida dos brasileiros, sobretudo dos moradores das periferias e favelas, que penam para conseguir pagar as contas em dia.
No Brasil, 23,3% dos endividados tem pendências com contas essenciais, como de água e luz, segundo pesquisa da Serasa.
Apoio de empresas
Graziela diz que idealizou a proposta depois de observar a infraestrutura das ligações elétricas em casas de periferias. A partir daí, contou com o apoio de três colegas de trabalho para participar de um desafio de projetos inovadores na empresa onde atua, a Worley. Contemplada com uma premiação, recebeu da empresa os materiais necessários, como as placas solares, para viabilizar a ideia.
Durante o trajeto para colocar a iniciativa em prática, conheceu Fábio. A instalação foi feita de forma voluntária pela empresa do engenheiro eletricista Rodrigo Poppi, a CL Solar. O custo total do projeto foi de R$ 40 mil, sendo R$ 30 mil com materiais e R$ 10 mil com a instalação.
Especialista em energia solar, Poppi explica que o sistema está operando no formato "on grid", uma modalidade de geração de energia solar que é conectada ao sistema de distribuição da Enel, distribuidora de energia local. Nele, a geradora capta os raios solares, os transforma em energia elétrica, supre a demanda total de consumo do imóvel, armazena a energia excedente e a devolve para a rede da concessionária a energia.
Para definir a quantidade de energia gerada pelos painéis, levou em conta o tamanho e a posição das placas, aspectos que mudam de um lugar para outro.
Analisamos o quanto a pessoa consome de energia em um ano, levando em consideração o município onde mora, pois cada cidade tem uma irradiação solar diferente. Em seguida, realizamos a orientação e posicionamento das placas para melhor aproveitamento de geração de energia.
Rodrigo Poppi, engenheiro eletricista
Placa solar compensa?
Uma casa de família de baixa renda com quatro moradores consome, em média, de 100 a 150 kWh por mês, segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Com base nesses dados, Poppi calcula que a média de investimento para a instalação dos painéis solares varia entre R$ 10 mil e R$ 12 mil. "O principal custo está nos equipamentos, com gasto de R$ 7.000. Já o serviço de instalação pode variar entre R$ 3.000 e R$ 5.000", explica.
Em agosto, enquanto Fábio aguardava a implementação da microgeradora, recebeu uma conta de luz beirando R$ 1.000, valor nunca pago antes e bem acima da sua média mensal, segundo ele.
"Não conseguimos entender essa conta até hoje. Eles [Enel] falam que a gente teve um consumo muito alto, que é praticamente o dobro do que a gente está acostumado a consumir", diz. A solução para não ficar inadimplente com a Enel foi parcelar a dívida.
A Enel afirma que a conta de Miranda ultrapassou 200 kWh por mês. Com isso, a concessionária acrescenta uma quota de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de 25% em cima do valor total da conta.
O investimento em painéis é alto, mas paga em relativamente pouco tempo. Uma opção é procurar linhas de financiamento voltadas para bancar o sistema, com prazos de pagamento que variam de 60 a 120 meses.
Segundo Poppi, a parcela sai mais barata do que pagar uma conta de luz mensal, mesmo levando em consideração a taxa de juros cobrado pelo banco.
1ª microgeradora do país fica no Rio
Antes de a microgeradora entrar em operação, foram necessários quinze dias úteis para ela ser homologada pela Aneel. Ao todo, o processo pode levar até 30 dias, segundo a legislação brasileira. A homologação inclui a certificação de geração de energia e um relógio específico para medir produção, consumo e distribuição de energia.
A instalação no Instituto Favela da Paz é a primeira experiência em favelas ou comunidades no estado de São Paulo e a segunda no Brasil, segundo a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar).
A primeira iniciativa é a Revolusolar, organização social criada em 2015, que instala painéis de energia solar nas favelas do Rio de Janeiro e dá cursos de capacitação profissional e oficinas para moradores da favela da Babilônia.
Alguns apartamentos da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) são entregues com esse sistema. Nesse caso, os painéis são de uso individual dos moradores, não para uso coletivo, como na iniciativa do Instituto Favela da Paz.
No Nordeste, a energia solar também é parte do cotidiano de famílias de baixa renda, devido ao apoio de políticas públicas. O Luz para Todos, por exemplo, incluiu mais de 15 milhões de pessoas, que tiveram acesso a eletricidade por meio de energia solar e eólica.
Segundo a Absolar, a energia solar tem só 1,9% de participação na matriz energética brasileira. Mas, para Camila Nascimento, coordenadora da entidade, ela tem um grande potencial para o Brasil enfrentar a crise econômica e hídrica.
Quando vemos o Brasil tendo que importar quase 5% de sua energia de outros países, pagando caro por ela, e a luz solar participando bem pouco da matriz enérgica, conseguimos ver o potencial de crescimento, porque o sol está aí, acessível para todos. É muito simples fazer o uso dessa energia para gerar eletricidade"
Camila Nascimento, coordenadora da Absolar
Ela diz que também que oferecer formação técnica para os moradores de territórios populares e difundir informação sobre formas de financiar a implementação desses sistemas podem mudar vidas.
"Qualificando a mão de obra nesses bairros para o processo de instalação de equipamentos, enxergamos a energia solar como parte da solução para gerar renda e trabalho nas favelas", afirma.
Para Fábio, a microgeradora contribui com o bolso dos moradores e ajuda a mudar a forma como as pessoas consomem hoje em dia.
"Vejo um grande potencial de crescimento da energia solar nas periferias. A ideia é criar essa reflexão nas pessoas, de que esse formato de consumo consciente é uma tecnologia acessível", diz.
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