Quem são os brasileiros que investem milhões na indústria da maconha
Franceli Stefani
Colaboração para UOL, em Porto Alegre (RS)
15/07/2022 04h00Atualizada em 18/07/2022 17h08
Recentemente, um pedido de Anitta para o candidato a presidente em que a cantora declarou voto, Lula (PT), pela descriminalização da maconha, gerou debate nas redes sociais - o uso recreativo da substância já é legalizado em diversos países mundo afora (veja alguns ao fim do texto). Alguns políticos contrários a Lula, inclusive, usaram o fato para atacar tanto a artista quanto o petista, que não se pronunciou sobre o assunto.
Falar sobre a indústria da cannabis no Brasil ainda gera dúvidas e discussão entre aqueles que são favoráveis e os contrários ao uso da planta até mesmo para fins medicinais, por exemplo. Cientistas do mundo todo se dedicam a comprovar os benefícios das substâncias CBD e THC, extraídas da planta, para portadores de doenças que vão desde depressão até fibromialgia, convulsões em crianças, dores crônicas, câncer, parkinson e epilepsia.
É devido a essa capacidade de auxílio no tratamento dessas patologias que empresários de diversas áreas têm se interessado em investir na área. Conforme a Fortune Business Insights, o mercado foi estimado em US$ 28 bilhões no ano passado, podendo chegar a US$ 197 bilhões em 2028.
Embora a Lei Antidrogas proíba, em todo o território nacional, o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, a comissão especial da Câmara dos Deputados analisou o Projeto de Lei 399/15, no início do mês passado, e deu parecer favorável à legalização do cultivo no Brasil, exclusivamente para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais, da Cannabis sativa, planta também usada para produzir a maconha.
Autoridade sanitária dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou produtos oriundos da Cannabis sativa. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não classifica esses itens como medicamentos, mas autoriza a importação com receita médica e poderá avaliar a fabricação no País. Segundo Luciano Ducci (PSB-PR), o foco é a aplicação medicinal da Cannabis, presente hoje em 50 países.
"Nunca foi premissa discutir a legalização da maconha para uso adulto ou individual", disse, lembrando que, criada em 2019, a comissão especial fez 12 audiências públicas, além de recolher informações no Brasil e no exterior.
Conforme a Agência Câmara de Notícias, os parlamentares favoráveis ao texto avaliaram que o cultivo local controlado deverá baixar o custo dos tratamentos para pacientes e governos. "O SUS não precisa gastar R$ 2,8 mil em vez de R$ 200", disse Alex Manente (Cidadania-SP), comparando o produto comercial hoje nas farmácias a atuais itens alternativos.
Campeão de Grand Slam investe em cannabis
Entre os investidores de produtos a base de canabidiol está o tenista brasileiro Bruno Soares, 40 anos. Mineiro e vivendo em Miami, é três vezes campeão de Grand Slams e se tornou um dos principais apoiadores do laboratório Ease Labs, que tem sede em Minas Gerais e é especialista em produtos derivados da maconha e outras inovações do setor farmacêutico. O atleta conseguiu um aporte de cerca de R$ 12 milhões.
Em conversa com o UOL, o tenista diz que conheceu a cannabis em 2017, através das redes sociais. "Eu acredito muito na indústria que escolhi investir. Lembro que estava navegando quando passei pela página de um atleta que falava de produtos que têm essa base, lá havia o link de uma reportagem com uma entrevista, entrei e li", pontua.
Segundo ele, o conteúdo mostrava os benefícios para a vida dos atletas e também das pessoas, de modo geral. "Passei dois meses estudando e buscando conhecimento, conversando com quem tinha mais informações sobre o tema. Após esse período comecei a utilizar e nunca mais parei".
Ele diz que, ao longo dos anos, cansou de ver colegas fazendo o uso de medicamentos sintéticos e sofrendo com efeitos colaterais. O CBD foi importante, inclusive, para recuperação dos problemas físicos que precisou enfrentar durante a sua atividade.
"Primeiro, a cannabis é algo natural e saudável. Entre os benefícios, o controle da ansiedade e as propriedades anti-inflamatórias. Alguns dos pontos que precisei lidar ao longo da minha carreira inteira como tenista profissional", expressa.
Nessa busca pelo conhecimento da substância, veio a vontade de investir na área. "Fiz um aporte em sigilo, super relevante dentro do portfólio da Ease Labs. Conheci a empresa através de alguns amigos. Eles fazem um trabalho fantástico e, no fim de 2018, conheci a turma, tive reuniões. Ensaiamos em fazer algo, mas não deu certo, agora eu voltei".
Certificada pela Anvisa, a indústria já atua na importação e distribuição de quatro produtos (ELC 1000 Softgel, ELC 1500 CBD, ELC 3000 CBD e ELC 7200 CBD) e prepara o lançamento dos primeiros produtos fabricados na sua unidade de Belo Horizonte.
"O negócio é, hoje, uma indústria farmacêutica que, inclusive, produz no Brasil. O foco é acesso à informação e fazer com que os produtos cheguem à população com valores mais acessíveis. Temos uma empresa brasileira, com produto feito aqui.", diz.
A expectativa da Ease é lançar itens à base de cannabis voltados para a psiquiatria, neurologia, dores crônicas e saúde do esporte. O mercado potencial é estimado em 59 milhões de pessoas.
Para o atleta e investidor, o mais importante é proporcionar mais qualidade de vida às pessoas. "Tenho 40 anos, há 22 sou atleta profissional, que é exposto a muitos problemas, como dor, inflamação, ansiedade, falta de sono e mudança de fuso horário. O atleta passa boa parte do tempo tomando medicamentos agressivos, sintéticos, com efeitos colaterais grandes. Desde que comecei a busca por produtos naturais, a cannabis veio nesse processo", diz.
A companhia, que está em ascensão e estuda aumentar as captações para um "crescimento mais agressivo", conta com investimento dos fundos Venture Capital BizHub e ALF, e a gestora Impacto Hub e pretende faturar 240 milhões de reais nos próximos três anos.
Conheça outros brasileiros investidores
Abaixo, veja outros brasileiros que estão investindo na indústria da maconha, segundo informações do Estadão.
Patrícia Villela Marino
Patrícia Villela Marino é integrante de uma das famílias controladoras do Itaú e uma das principais investidoras da cannabis. Ela realiza aportes em mais de uma dezena de empresas no setor, ente elas a The Green Hub. De acordo com o próprio site, essa é a primeira plataforma brasileira especializada em tecnologia e inovação com foco em negócios voltados à indústria da cannabis medicinal e industrial.
A hub é voltada para pesquisa, educação e conexão entre empreendedores, inovadores, setor corporativo, academias, associações, governo e investidores desse mercado.
Cláudio Lottenberg
Cláudio Lottenberg é ex-presidente do Hospital Albert Einstein e atual presidente do conselho da entidade, além de um dos sócios da Zion MedPharma, de medicamentos produzidos com a substância, que tem valor estimado em 60 milhões de reais. Ele, em 2021, investiu no seu próprio negócio ligado à cannabis.
Ele costuma dizer que há dúvidas sobre o potencial terapêutico, mas ainda é preciso superar a barreira da falta de conhecimento e de informações. Junto com ele, na empresa, está Dirceu Barbano, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O profissional assinou as primeiras autorizações para importação de cannabis no Brasil.
José Roberto Machado
José Roberto Machado tem 28 anos de experiência na área financeira, sendo 18 no Santander, e foi investidor de um cultivo da planta no Uruguai e também investidor-anjo - hoje conselheiro - na brasileira OnixCann.
Liberações pelo mundo
Entre os países que liberaram o uso da substância, o Uruguai ganhou as manchetes por se tornar o primeiro do mundo a legalizar totalmente o uso recreativo de cannabis, em nível nacional, no ano de 2013. Isso significa que usuários sem prescrições médicas podem se registrar para comprar maconha por meio do cultivo doméstico, clubes ou farmácias.
Cada uruguaio adulto pode cultivar até seis plantas em casa, mas a colheita não deve ser superior a 480 gramas de maconha por ano.
No Canadá, por exemplo, o uso recreativo foi legalizado em 2018, mesmo ano que a Geórgia e África do Sul fizeram o mesmo. Na Jamaica houve descriminalização da posse de pequenas quantidades de maconha em 2015. Pessoas físicas podem cultivar até cinco plantas de cannabis. Nos Estados Unidos, 35 Estados legalizaram a maconha para uso medicinal, 16 deles permitem que adultos usem legalmente a substância para uso recreativo.