Quanto custa implementar a tarifa zero no transporte público? Onde já tem?
O país tem hoje mais de 80 cidades com tarifa zero no transporte público. Pode parecer muito, mas é o equivalente a menos de 2% do total de municípios do país. Considerando que a parcela mais pobre da população gasta parte considerável da renda no transporte, qual seria o custo de implementar a tarifa zero em cidades pequenas e médias? E em São Paulo, cidade mais populosa do país?
Onde há gratuidade no transporte público no Brasil?
São Paulo não terá tarifa em ônibus aos domingos e em certos feriados. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), anunciou a gratuidade dos ônibus também no Natal, no Ano-Novo e no aniversário da cidade de São Paulo, comemorado em 25 de janeiro.
Antes disso, o município de São Caetano do Sul, na região metropolitana, havia implementado a tarifa zero. A cidade com 166 mil habitantes estabeleceu a gratuidade nos ônibus no final de outubro. O prefeito José Auricchio Júnior (PSDB) afirmou na ocasião que o município havia atingido uma "estabilidade econômica" que permitiu a existência do projeto.
Em São Caetano, o projeto custará R$ 35 milhões por ano. A prefeitura projetou um investimento de R$ 2,9 milhões por mês para garantir a tarifa zero à população, o que corresponde a 1,44% do orçamento total previsto para 2024, de R$ 2,43 bilhões.
Já em São Paulo, um projeto do tipo custaria em média R$ 10 bilhões por ano. Com a gratuidade apenas aos domingos e feriados, o prefeito calcula que a prefeitura vai deixar de arrecadar R$ 280 milhões.
São Paulo tem uma particularidade — é a cidade mais populosa do país. São 11,4 milhões de habitantes, segundo o Censo Demográfico de 2022. Só no ano passado, foram 2 bilhões de passageiros transportados, apontam os dados da SPTrans. O número apresentou uma recuperação na demanda de passageiros em relação a 2021, com um aumento de cerca de 22,8% de embarques no ano.
Além de São Caetano do Sul, outras 26 cidades no Estado adotam a tarifa zero. Na região metropolitana, são Vargem Grande Paulista e Pirapora do Bom Jesus.
No país, são 87 ao todo. A maior delas, do ponto de vista populacional, é Caucaia (CE), com mais de 355 mil habitantes. Depois vem Maricá (RJ), com 197 mil pessoas. Os dados são acompanhados e compilados por Daniel Santini, mestre em Planejamento Urbano e Regional e pesquisador sobre direito à mobilidade.
É mais fácil ter gratuidade em cidades pequenas e médias
O Brasil tem 5.568 municípios. O que significa que nem 2% das cidades brasileiras adotam a tarifa zero em seu transporte. Vladimir Maciel, coordenador e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE), pondera que todos os municípios que oferecem o benefício à população são de pequeno ou médio porte.
Do ponto de vista geográfico, as cidades que oferecem a gratuidade são menores, ou seja, possuem viagens que são menos custosas. O professor ainda cita a condição fiscal de alguns municípios, que permite que verbas sejam realocadas para que a tarifa zero possa existir. É o caso de cidades que recebem royalties do petróleo, por exemplo.
Acho que o [município] pioneiro foi Maricá (RJ). Ele tem os royalties do petróleo, dinheiro para fazer investimento em infraestrutura que não depende da arrecadação de impostos. Ter essa receita extra permite investimentos para que a cidade possa abrir mão da receita tarifária da remuneração da passagem.
Vladimir Maciel, coordenador e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE)
O professor avalia que, por isso, a tarifa zero dificilmente pode ser realidade em cidades maiores. Isso porque "o cobertor é curto" — subsidiar integralmente as passagens poderia significar tirar dinheiro de outras áreas, como saúde e educação.
Tarifa de São Paulo já é subsidiada. A passagem de ônibus, metrô e trem custa hoje R$ 4,40 na cidade. O último reajuste foi em 2020, mas só a inflação acumulada do período é de 26,25%. A prefeitura subsidia hoje mais da metade do valor.
Não há cálculos que afirmem quanto a tarifa zero custaria ao nível nacional.
Hoje o sistema de [transporte] de São Paulo não tem tarifa zero, mas é muito subsidiado, já é uma das maiores despesas do município. Não tem muito para onde correr. Se você zerar, você vai ter que cortar recursos de outras áreas, como saúde, segurança, educação. O que é mais importante: mobilidade urbana ou saúde pública? É um conflito que não tem resposta.
Vladimir Maciel, coordenador e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE)
Dificuldade é encontrar receita
O professor afirma que o grande desafio para a tarifa zero é encontrar fontes extras de receitas. Ele cita como exemplo o caso de Londres. A cidade britânica estabeleceu o pedágio urbano em 2019 para diminuir a circulação de veículos poluentes na cidade. A receita extra pôde ser convertida na ampliação do sistema de mobilidade. Em uma cidade como São Paulo, por exemplo, seria mais complexo. O professor menciona o custo político que uma medida semelhante traria.
O grande problema é o tamanho do que você tem que desembolsar para rodar no município São Paulo, também com subsídio de metrô, CPTM, de todo sistema de transporte. É muito difícil que a gente consiga, nessas fontes alternativas, um volume igual, R$ 6 ou 7 bilhões só para a capital.
Vladimir Maciel, coordenador e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE)
Defensores da tarifa zero alegam que se trata de uma medida viável, inclusive em uma cidade grande como São Paulo. A Coalizão Mobilidade Triplo Zero - que reúne organizações da sociedade civil em defesa da mobilidade, incluindo o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) - propõe a criação de um Sistema Único de Mobilidade, o SUM, que integraria o transporte público de todo o país.
O grupo defende uma série de melhorias no transporte público. Mas a principal delas diz respeito à tarifa: reduzi-la e até zerá-la. Rafael Calabria, coordenador do programa de Mobilidade Urbana do Idec, afirma que o tamanho da cidade não é um empecilho. Do ponto de vista de política social, ele avalia que a iniciativa de Nunes é importante, mas, na prática, a questão é mais ampla. Ele afirma que o anúncio feito pelo prefeito preocupa por receio de que a política de tarifa zero seja feita de "qualquer jeito" e, dando errado, atrapalhe a pauta. Também é importante pensar em como a tarifa zero funcionaria em todo o sistema de mobilidade, não apenas no ônibus.
Precisa de mais fontes de recursos, tem que pagar por custo real. São Paulo não paga o custo real [paga por passageiro, não por quilometragem]. Outro ponto, que não é impeditivo, mas precisa ser melhor estudado: a cidade tem uma rede de trens e metrô. O tamanho [da cidade] não é um problema, mas um ponto de atenção é o metrô, o trem, que transportam muita gente. Como adotar? É uma análise muito inédita.
Rafael Calabria, coordenador do programa de Mobilidade Urbana do Idec
O especialista ainda destaca a grande capacidade fiscal que São Paulo tem. Existem hoje algumas propostas para a viabilidade da tarifa zero — uma delas é o uso do dinheiro do Vale-Transporte, que poderia subsidiar o que "falta".
De modo mais amplo, a gente precisaria de um modelo de financiamento de transporte ao nível nacional, um redesenho. A proposta do SUM é alterar legislação questão do Vale-Transporte. Se o que as empresas pagam de VT fosse destinado diretamente para a prefeitura pagar ônibus, esse dinheiro com subsídio [já pago hoje pela prefeitura hoje] alcançaria. Fala-se em R$ 10 ou 12 bilhões anualmente [de custo da tarifa zero para São Paulo]. São Paulo pode fazer isso sozinha, tem capacidade, mas se você tiver algumas mudanças na legislação federal, pode ser possível para várias cidades.
Rafael Calabria, coordenador do programa de Mobilidade Urbana do Idec
Qual é o papel dos Estados e da União?
Diversos levantamentos mostram que o brasileiro que recebe um salário-mínimo gasta entre 15% e 20% do seu orçamento mensal com transporte público. Entre quem recebe um pouco mais, cerca de R$ 2.540 (salário médio no Brasil em 2021, segundo relatório da Oxfam), gasta-se 11% do orçamento. O cruzamento de dados entre preço da passagem e rendimentos mensais foi realizado pela companhia alemã Numbeo, um banco de dados que mapeia o custo de vida em diversas cidades ao redor de todo o mundo.
Igor Pantoja, pesquisador e assessor de mobilização da Rede Nossa São Paulo, pontua que o transporte é um bem público essencial. É utilizado pela população porque é necessário, não há outra alternativa. Ainda assim, muitas vezes o paulistano "desiste" de utilizá-lo por conta do preço — ou seja, a tarifa torna-se uma barreira social. Uma pesquisa realizada pela ONG em 2019 mostrou que metade da população da cidade deixava de visitar parentes e amigos (as), por exemplo, por conta da tarifa do ônibus.
O transporte público no Brasil é bastante municipalizado — principalmente o sistema de ônibus. Por isso é difícil quantificar ou projetar quanto a tarifa zero poderia custar ao nível estadual, ou mesmo federal, caso o benefício se tornasse uma política pública mais ampla. Neste sentido, Igor destaca que é importante pensar como os governos estaduais e federal poderiam ajudar, diversificando as fontes de receita.
Trazendo recurso privado, VT, ou via outras contribuições que podem ser direcionadas para transporte, sobre combustível, sobre uso do espaço público ocupado pelos carros. Tem que pensar socialmente, não na pessoa que entra ali e passa a catraca. Em outras cidades do mundo, como a Cidade do México, Buenos Aires, o metrô custa cinco vezes menos do que o de São Paulo. Por quê? Porque é subsidiado, existe um olhar de que é fundamental para o funcionamento da cidade. São Paulo tem um crescente problema de engarrafamentos. Acho que [a pauta] deveria ser prioridade.
Igor Pantoja, pesquisador e assessor de mobilização da Rede Nossa São Paulo