Recuperação judicial: entenda a crise dos Supermercados Dia
A rede de supermercados Dia entrou hoje (21) com pedido de recuperação judicial, com dívidas que somam quase R$ 1,1 bilhão. O pedido acontece após anúncio de reestruturação no país no último dia 14, quando o grupo comunicou que fecharia 343 supermercados e três centros de distribuição, e que permaneceria somente em São Paulo.
O que aconteceu
Segundo a companhia, a recuperação judicial tem como finalidade ajudar a continuidade da operação na empresa. O pedido se limita exclusivamente ao Dia Brasil, ou seja, não há impacto para a situação financeira na Espanha e na Argentina.
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Na semana passada, o grupo espanhol anunciou que, diante dos persistentes resultados negativos registrados no país, fecharia 343 lojas e três Centros de Distribuição. A decisão foi tomada para tentar dar maior estabilidade ao funcionamento do Dia enquanto o grupo aguardava a definição de novas decisões estratégicas, como a recuperação judicial anunciada hoje. Aproximadamente 240 unidades continuarão em operação em São Paulo, segundo a marca.
O faturamento em 2023 foi de R$ 3,9 bilhões no Brasil. Para 2024, deve ser de R$ 2,5 bilhões, com o fechamento das lojas. A empresa teve rentabilidade negativa em 2023. A margem Ebitda foi de -8,1%. Para este ano, a rede Dia espera que a margem suba para 2,5%.
O grupo pede para que o Banco Daycoval S.A. se abstenha de se apropriar ou deixar de disponibilizar recursos do grupo, mantidos em suas contas, e aplicações financeiras. Também pede a autorização para que o Dia possa alienar os bens e equipamentos integrantes de seu ativo não circulante localizados nas lojas que estão sendo encerradas, mediante prestação de contas a ser apresentada.
O Dia pediu urgência na aprovação do pedido. Se deferido, o plano de recuperação judicial será apresentado no prazo de 60 dias.
Guerra na Ucrânia e concorrência: o que explica a crise?
O UOL teve acesso ao pedido de RJ enviado ao TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo). O grupo detalhou no seu pedido de recuperação judicial que a crise de liquidez do Dia se agravou em 2022.
O cenário de regressão constante das vendas pode ser observado desde 2021. Foi quando o Dia reduziu a sua presença de cinco para dois estados. O número de funcionários diminuiu 40% na ocasião. Segundo a companhia, apesar do faturamento expressivo, os resultados passaram a ser constantemente negativos desde então.
O Dia destacou no pedido de recuperação judicial que os aumentos expressivos dos preços das commodities em 2022 impactou fortemente a companhia. Os alimentos ficaram muito mais caros, principalmente soja, milho e trigo. Entre as razões para as perdas, a empresa menciona a guerra entre Rússia e Ucrânia e a pandemia da covid-19. São justamente esses itens que os consumidores mais buscam ao entrar em suas lojas, afirma a marca.
O incremento substancial do preço das commodities encareceu justamente os produtos destinados a atrair os clientes para as unidades do Dia, causando um duplo prejuízo: houve uma redução significativa tanto no fluxo médio de clientes, como na margem de lucro dos produtos atrelados às commodities. Essa redução das margens decorreu de uma conjunção de fatores, sendo os principais a necessidade de fazer frente à concorrência e a dificuldade de repassar o aumento de custos.
Trecho do plano
A expansão dos chamados atacarejos também contribuiu para a crise. O Dia afirma que neste, modelo de supermercado, o próprio cliente se serve livremente: escolhe os produtos diretamente nas prateleiras, realiza o pagamento e os retira. Trata-se de um modelo de negócio que tem menos custos com vendedores ou transportes, o que permite a prática de preços mais agressivos, diz a companhia.
Além disso, os atacarejos apresentam maior variedade de produtos e dão preferência aos mais acessíveis, com descontos para compras em volumes maiores. Segundo o Dia, as redes voltadas ao comércio de produtos mais econômicos, como é o caso do grupo, têm sofrido com essa concorrência, o que se agravou com o aumento da inflação a partir de 2021 e com a queda na renda da população.
Com alimentos mais caros e a expansão dos atacarejos, menos clientes passaram a entrar nas lojas Dia. O fluxo de clientes do grupo caiu de 392 mil/dia em 2021 para 348 mil/dia em 2022 e 309 mil/dia em 2023. "Para fazer frente à agressividade dos preços praticados pelos atacarejos, o Dia viu-se forçado a reduzir ainda mais suas margens - já estreitas por princípio -, fazendo promoções com frequência como forma de tentar manter sua competitividade e atrair clientes. Os efeitos financeiros dessas medidas consistiram na redução drástica do EBITDA do Dia, que, de 2021 em diante, sofreu declínio a ponto de se tornar crescentemente negativo, atingindo a cifra de R$ 316,5 milhões negativos em 2023", diz o pedido.
A operação do Dia no Brasil
O Dia, sigla para Distribuidora Internacional de Alimentos, iniciou suas atividades em Madrid, na Espanha, em 1979. O plano de expansão internacional começou em 1993, com a inauguração da primeira loja em Portugal. Em 1992, o grupo também foi para a Argentina.
A marca chegou ao Brasil em 2001. Em nota divulgada hoje, a companhia reiterou que o Grupo realizou "grandes investimentos e esforços no país" e não obteve o retorno esperado. A situação desencadeou a decisão do processo de Recuperação Judicial.
No início da operação no Brasil, o Dia operava apenas em lojas próprias em São Paulo. A partir de 2013, expandiu a operação para Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
No final de 2023, tinha aproximadamente 6.100 colaboradores e 590 lojas (cerca de 30% eram franquias). O grupo ainda possuía 4 centos de distribuição, sendo 3 localizados na Grande São Paulo e um em Minas Gerais.