Na contramão do mundo, Brasil perpetua isenção fiscal a agrotóxicos
Um dos maiores produtores agrícolas do mundo, o Brasil foi na contramão de outros países e, em vez de cobrar mais imposto dos agrotóxicos que causam câncer e outras doenças, aprovou uma reforma tributária que concede desconto no imposto pago por este tipo de produto.
O que aconteceu
Agrotóxicos têm desconto em taxa geral. A reforma criou uma alíquota padrão, chamada de IVA, para todas as mercadorias. Mas os agrotóxicos receberão isenção de 60%. Eles têm direito ao desconto porque foram enquadrados na mesma categoria que mel, leite fermentado e sucos naturais.
Agrotóxicos usufruem há décadas de alívio nos tributos. No ano passado, por exemplo, eles deixaram de pagar R$ 5,9 bilhões, o maior valor desde 2019. Estimativas da Receita Federal projetam que, em 2024, as isenções para agrotóxicos totalizarão R$ 6,3 bilhões. Historicamente, o governo federal abre mão de arrecadar esse montante bilionário. A nova reforma tributária, hoje na reta final de regulamentação, dá continuidade a esse tipo de benefício.
Grupos pressionaram por mais impostos
Entidades do terceiro setor tentaram, sem sucesso, incluir os agrotóxicos no "imposto do pecado". Em princípio, essa alíquota maior foi aplicada a produtos que causam danos à saúde ou ao meio ambiente. Para justificar a reivindicação, especialistas apresentaram um estudo mostrando que os gastos com tratamentos de saúde superam as receitas geradas pelo uso do agrotóxico.
Segundo o levantamento, que trata do Paraná, para cada US$ 1 gerado, o governo estadual gasta US$ 1,28 em despesas médico-hospitalares. O trabalho foi feito por Wagner Lopes Soares, pesquisador do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e Marcelo Firpo de Souza Porto, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
O Brasil subsidia a destruição do próprio futuro.
Marcos Woortmann, diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade, em audiência pública na Câmara
Agro não temeu taxa maior
Havia previsão de desconto do imposto dos agrotóxicos desde o começo das discussões da reforma tributária. O texto produzido pelo governo federal já citava alíquota reduzida. O grupo de trabalho formado por deputados manteve a situação, que remete a 2004, ano de criação da lei que dá isenção fiscal a pesticidas.
Bancada ruralista jamais temeu perder os benefícios. Eles se referem aos agrotóxicos como defensivos agrícolas. Deputados ouvidos pelo UOL relataram que o pedido de ONGs e cientistas para tirar os agrotóxicos do grupo onde estão legumes e verduras não tinha apoio na Câmara.
Eles acrescentaram que, se a medida fosse implementada, seria derrubada durante a votação. De fato, ninguém tentou incluir o agrotóxico no chamado "imposto do pecado". Além disso, a bancada ruralista provou sua força ao derrotar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e aprovar a taxa zero para carnes.
A reforma foi para o Senado. A tendência é de manutenção do desconto no imposto dos agrotóxicos. Além de a mudança ter o apoio da bancada ruralista, o governo quer evitar briga com o setor.
Além do benefício federal, os estados dão isenção aos agrotóxicos. Hoje, eles pagam menos ICMS que outros produtos nesses locais, afirmou Pedro Vasconcelos, assessor de advocacy da Fian (Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas).
As isenções vão na contramão do que uma taxação ou isenção de taxação deve fazer, que é incentivar determinado comportamento. Elas incentivam um comportamento prejudicial à saúde e ao meio ambiente.
Pedro Vasconcelos, da Fian
Fora do Brasil agrotóxicos pagam mais imposto
Mais nocivos são mais taxados. Na Europa, países como França, Noruega e Dinamarca cobram mais imposto se o agrotóxico é mais nocivo. As autoridades se apoiaram em estudos científicos para medir o dano causado à saúde, ao meio ambiente e às águas subterrâneas e assim estipular alíquotas progressivas. Na França, 11% dos agrotóxicos se enquadram no grupo chamado de AAP (Agrotóxicos Altamente Perigosos).
A América Latina também tem exemplos de impostos mais altos para agrotóxicos mais perigosos. A partir de 2014, o México passou a cobrar taxas menores para produtos menos nocivos. Os casos citados acima constam de um acórdão do Tribunal de Contas da União para exemplificar políticas de resultados.
Diversos países taxam os agrotóxicos de acordo com o risco do produto, como Canadá, Noruega, Suécia, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, entre outros.
Trecho de estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Brasil usa agrotóxicos mais perigosos
No Brasil, 67% do volume de agrotóxicos usados nas plantações é altamente nocivo. A informação consta de um estudo publicado no Caderno de Saúde Pública, revista científica com reputação internacional e vinculada à Fiocruz.
Como consequência, aumenta o risco de desenvolvimento de doenças graves. Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente contra Agrotóxicos, afirma que estes produtos podem causar os seguintes problemas de saúde:
- Câncer;
- Doenças congênitas;
- Problemas reprodutivos (como má formação fetal).
Marcos Woortmann afirmou que não faz sentido o governo ter dificuldades para fechar as contas e abrir mão de arrecadar impostos com agrotóxicos. O diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade ressaltou que isso desestimula os produtores a utilizarem menos agrotóxicos. Woortmann ainda sugere proibir determinados compostos químicos que são impedidos de serem comercializados em outros países.
Estudo publicado na revista da Fiocruz identificou 399 ingredientes ativos de agrotóxicos no Brasil. Deste total, 52,6% têm a venda proibida na Índia. Se a comparação for com a Noruega, o percentual sobre para 84,7%.
É necessário compor a proibição de alguns tipos específicos de agrotóxicos. Não há qualquer possibilidade de uso saudável e responsável. Essa foi a decisão de diversos países que o Brasil infelizmente ainda se nega a enxergar como realidade.
Marcos Woortmann
Outro lado
Entidade não comentou. A reportagem entrou em contato por email com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), mas não obteve retorno até a última atualização deste texto. O espaço está aberto para manifestação do setor.
A Frente Parlamentar da Agricultura também foi procurada, por email e telefone, mas ainda não respondeu. O posicionamento será incluído assim que for enviado. Ela representa 324 deputados federais e 50 senadores em atuação pelo agronegócio.